Casamento gay: há casos pelo mundo todo de casais do mesmo sexo que tiveram bolos recusados (Rawpixel/Thinkstock)
Mariana Fonseca
Publicado em 31 de maio de 2018 às 08h00.
Última atualização em 31 de maio de 2018 às 08h00.
São Paulo - Um estabelecimento comercial pode se recusar a customizar produtos e serviços para uma causa civil, política ou religiosa? Esse é o dilema que a Irlanda do Norte, um país com raízes conservadoras, tenta decidir há anos.
Um questionamento tão filosófico começou com um caso aparentemente trivial. Uma padaria, chamada Ashers, recusou-se a fazer um bolo em apoio ao casamento gay. Mal sabia a polêmica que sua decisão geraria não apenas entre a população do país, mas entre instituições jurídicas.
Toda essa história começou em 2014. Gareth Lee, um ativista LGBT, pediu à padaria Ashers para assar um bolo decorado com imagens de personagens da série infantil Vila Sésamo, acompanhados do slogan “Apoie o casamento gay”. O bolo iria para um evento do Dia Internacional Contra a Homofobia e a Transfobia e para homenagear a eleição do primeiro prefeito abertamente gay da Irlanda do Norte.
A encomenda de Lee foi cancelada 48 horas depois, após ter sido passada dos funcionários à direção da padaria por conta de “inadequação com o que acreditamos”. Nos panfletos da Ashers, não havia nenhuma indicação do que seria ou não permitido em um bolo.
“Eu estava perplexo. Não acreditei que isso estava mesmo acontecendo”, contaria o ativista à Comissão de Igualdade no ano que vem. A padaria cristã teria feito ele se sentir “indigno do pedido”.
A Ashers, que foi fundada em 1992 e possui seis unidades na Irlanda do Norte, foi acusada de discriminação com base no Ato de Igualidade (Orientação Sexual), de 2006, e na Ordem de Tratamento e Empregabilidade Justas, de 1998. A padaria recebeu suporte legal do Instituto Cristão da Irlanda do Norte.
O advogado de Gareth Lee afirmou que a batalha era comparável a um duelo entre Davi e Golias - sendo que o último seria a Ashers, com bens acumulados de mais 1 milhão de libras esterlinas (na cotação atual, quase 5 milhões de reais). Já Daniel McArthur, gerente-geral da Ashers, afirmou que a companhia “só estava tentando ser fiel à Bíblia” e agradeceu o apoio de outros cristãos. Do lado de fora do julgamento, milhares de pessoas se mobilizaram tanto a favor de Davi quanto de Golias.
No fim das contas, a Comissão de Igualdade pronunciou uma sentença favorável a Lee. Para a juíza Isobel Brownlie, a Ashers “conduz um negócio com fins lucrativos” e não um grupo religioso - e estava sujeita à legislação empresarial. Eles poderiam se recusar a prover serviços políticos ou religiosos para todos os seus consumidores, mas entendeu-se que, especificamente, a causa LGBT pesou na decisão de não fazer o bolo de casamento.
Assim, foi condenada por discriminação de orientação sexual e crenças políticas e precisou pagar danos de 500 libras esterlinas, ou cerca de 2,5 mil reais.
A história poderia ter acabado por aí - mas a Ashers resolveu apelar da decisão. O caso chegou neste ano até a Suprema Corte da Irlanda do Norte, em Belfast. No começo de maio, a padaria cristã pronunciou sua defesa. A Suprema Corte deve tomar uma nova decisão sobre o caso “em alguns meses”, de acordo com o The Guardian.
A Irlanda do Norte é o único país do Reino Unido que não passou uma legislação reconhecendo o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Outra padaria assumiu o pedido feito por Lee.
Casos assim são atuais - e não ocorrem apenas no Reino Unido. Em 2012, o casal Charlie Craig and David Mullins teve seu pedido de bolo de casamento recusado na Masterpiece Cakeshop, do Colorado (Estados Unidos). Eles e o dono Jack Philips se enfrentaram na corte estadual, que ficou do lado do casal. Porém, Philips recorreu da decisão e o caso ainda tramita na Suprema Corte dos Estados Unidos.
Também nos Estados Unidos, a padeira Cathy Miller, da Califórnia, recusou-se a fazer um bolo para o casamento de Eileen e Mireya Rodriguez-Del Rio, alegando direito à liberdade de expressão religiosa.
Miller recomendou que o casal buscasse o concorrente “porque ela não aprova o casamento entre pessoas do mesmo sexo”. Elas não haviam pedido nenhuma mensagem específica no bolo, o que foi ressaltado por uma agência governamental de direitos civis da Califórnia, chamada DFEH, ao analisar o caso.
Em fevereiro deste ano, a polêmica atingiu outras instâncias. Um juiz da Corte Superior de Kern, condado da Califórnia, julgou a favor da padaria de Miller, chamada Tastries. Para o juiz David Lampe, o ato de fazer bolos é protegido por ser uma “expressão artística” e não viola leis antidiscriminação do estado californiano. Miller celebrou a decisão, afirmando que “não poderia ir contra o Senhor e salvador.”