Donald Trump: Bill Clinton "não poderia ter sido mais gentil" (Chip Somodevilla/Getty Images)
Mariana Fonseca
Publicado em 10 de novembro de 2016 às 16h16.
Última atualização em 10 de novembro de 2016 às 17h30.
Dia 9 de Novembro foi meu aniversário.
Infelizmente, como um democrata, eu não ganhei o que estava esperando de presente: a derrota de Donald Trump e sua trupe nas eleições norte-americanas. Em vez disso, acordei com o triunfo da raiva sobre a razão e um grande questionamento: como alguém com ideias tão controversas consegue 59 milhões de votos?
A resposta não é tão simples, mas um ingrediente é certo: marketing. E se adaptarmos os comportamentos de Trump e Hillary a uma marca, pode ser que a gente tire uma lição ou outra para a estratégia de nossos produtos e serviços. O mercado não é um jogo em que um tem que perder para o outro conquistar a vitória, como nas eleições presidenciais, mas, no final, o objetivo é o mesmo: ganhar.
O ciclo 24-horas-por-dia-7-dias-na-semana da mídia não para. Isso significa que jornalistas precisam de histórias continuamente, para preencher tempo e espaço, mesmo que elas não tenham nada a ver com o que seria chamado de “conteúdo noticioso”.
O último ano de campanha foi, para a imprensa, como ficar enchendo um balde que não tem fundo. Se teve uma pessoa que soube se beneficiar disso, foi Donald Trump.
Ele é uma estrela de reality show (surreality talvez seja mais apropriado) em um país que adora “celebridades”. Cada frase polêmica proferida pelo candidato republicano era garantia de mídia espontânea. E ele aproveitou essa janela de oportunidade, claro, para construir uma imagem de autenticidade e paixão, que envolvesse as pessoas emocionalmente, assim como fazem esses programas de TV.
Como? Trazendo uma dor sentida pela população mais conservadora, ou que pelo menos soasse como uma dor e fizesse sentido retoricamente: a de que os EUA não são mais como eram antes. O slogan “Make America Great Again” (tornar a América grandiosa novamente, em tradução livre) se apropria das recentes crises para levar os eleitores a uma memória afetiva dos bons e velhos tempos.
E quando você consegue gerar essa identificação, o segundo passo é simples: convencer de que há uma solução.
Trump não apenas assume esse papel em seu discurso vazio e inflamado, prometendo que ele será diferente de qualquer um que esteve no poder nos últimos anos. como reduz toda essa complexidade a um “inimigo comum”: o imigrante.
Contra ele, Trump oferece uma única proposta, bastante concreta — ou feita de concreto — que é bani-lo, seja por vias burocráticas ou por um grande muro ao longo da fronteira. Aqui, ele também usa sentimentos como o medo e a raiva a seu favor.
No fim das contas, toda essa emocionalidade e controvérsia gera muita repercussão, tanto entre eleitores quanto na imprensa. É o famoso “falem mal, mas falem de mim”.
Trump é entretenimento, em comparação a uma candidata mais reservada, também com falhas. Hillary Clinton não estava focada em receber o máximo de atenção gratuita da mídia, mas em demonstrar aos eleitores que ela tinha conhecimento e experiência para ser presidente. Enquanto isso, Trump disparava suas “verdades” no Twitter e levava todos ao delírio, mesmo que não tivesse nada a ver com propostas viáveis para o desenvolvimento do país.
Não quer dizer que sua marca deva assumir um posicionamento xenófobo ou preconceituoso simplesmente para gerar mídia espontânea. Aliás, nunca faça isso.
O que acontece é que não adianta termos um produto muito bom, com atributos melhores que os do concorrente, se, durante a venda, o cliente não captar a proposta de valor e se sentir tocado. Como aprendizado dessa campanha, há alguns pontos sobre os quais eu recomendo refletir:
Sobre esse último ponto, o marketing nos ensina a mirar em grupos específicos que têm maior probabilidade de se tornarem nossos consumidores, e então usar o mais eficiente mix de comunicação para engajá-los em uma jornada em direção à compra. A campanha política é quase a mesma coisa — e o uso de dados pode facilitar bastante o acerto no alvo.
Se competência fosse julgada por performance, bastaria olhar para a organização que construiu as bases da campanha de Hillary. Segundo artigo da digiday.com:
“Ainda que seja determinante capturar a atenção dos eleitores nas redes sociais por meio de conteúdo interessante e inteligente, o que o time [de Hillary] tem de mais sofisticado – e que fez bem melhor que a campanha de Trump ou que a de Obama em 2008 – é trazer dados extraídos das redes sociais para um sistema de CRM centralizado (…), a arma secreta da campanha Clinton.”
Dados são a mágica do marketing de hoje, para produtos, serviços e campanhas políticas. E o time de Hillary estava dedicado não só em coletar dados e “converter tráfego em ações como as de ‘tirar o eleitor de casa’ [já que o voto não é obrigatório nos EUA] –um exército de voluntários passam de porta em porta identificando eleitores e convidando-os a saírem para votar. Eles avaliam esses apoiadores e colocam informação sobre eles no banco de dados centralizado.”
Ainda assim, emoção, medo e raiva se sobrepuseram à tecnologia. Mais de metade das pessoas caiu nas graças do produto Trump, menos sofisticado, que apelou para a emoção, em vez da razão — mas arrisco dizer que, tendo a mesma inteligência por trás da operação de sua campanha, sua vitória poderia ter sido mais larga e prevista pelas pesquisas (já que Hillary era favorita na maioria delas).
Por isso a importância do processo contínuo usado hoje no marketing:
Os fantásticos montantes angariados e gastos em campanhas políticas nos EUA esses dias deixam perplexo qualquer profissional de marketing, até no Brasil, onde números altos não são incomuns. De acordo com registros da Comissão Federal de Eleição americana, a organização apartidária do governo responsável por monitorar essas atividades, “uma dúzia de diferentes empresas levantaram mais de US$ 200 milhões até o início de outubro de 2016. Desde maio, gastaram mais de US$ 110 milhões em propaganda em televisão, rádio e mídias digitais, em apoio à Hillary Clinton”. E essa é só a ponta do iceberg.
Enquanto a televisão recebe a maior parte do dinheiro das campanhas, o “vencedor”, quanto à eficácia, é o e-mail. É o canal menos custoso e menos invasivo; é mensurável e o remetente tem total controle sobre o conteúdo e o momento dele. Para um angariador de fundos, depois de ter amigos bilionários, é a melhor escolha.
Que características de um ótimo e-mail político pode ser traduzido facilmente para o mundo comercial? Um artigo da Towerdata lista essas três:
Como vocês sabem desde o início deste texto, sou um democrata. Com toda essa sofisticação de marketing orientado por dados, a campanha Clinton deve saber que eu sou uma aposta certa para o voto democrata, não importa o que aconteça. Por que será, então, que desde o dia 4 de junho, que foi quando eu comecei a contar, eu recebi mais de 4 mil e-mails de democratas? Todos eles pediam doações.
Todo dia minha caixa de entrada estava cheia de assuntos de e-mail histéricos como: “Você PRECISA ver esses números, Peter!”, “Peter, você vai enfrentar o Donald Trump?”, ou “Você foi selecionado! Avalie o Barack Obama!”
Ok, e-mails são baratos, mas 4 mil? Até com o planejamento meticuloso deles, isso passa a ser contra-produtivo ou, pior, um convite para marcar toda a comunicação que recebo deles como spam.
Talvez esse excesso de promoção tenha saído pela culatra. Apenas o tempo nos dirá.
Todo esse som e fúria, mas: o que eu quero dizer? Certamente, nos EUA, o processo eleitoral é cada vez mais afetado por dinheiro e discurso.
Se você tem recursos financeiros suficientes e uma narrativa emocional, não importa quão questionável é um produto, um marketing forte e criativo pode colocá-lo, no mínimo, para ser testado. É uma lição valiosa, mas um tanto deprimente para mim, já que esse teste durará pelo menos 4 anos.
Marketing político não é diferente de marketing de produto ou de serviço. Humanos querem reconhecer, nas marcas, valores humanos. Dados e disciplina devem vencer na maioria das vezes, mas usar da emoção — medo, raiva, e até amor — ainda têm um poder especial.
Peter Rosenwald é especialista em Data-Driven Marketing