Os mais inovadores (Justin Sullivan/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 11 de junho de 2015 às 05h56.
São Paulo - Fundado há 17 anos por dois estudantes da Universidade Stanford — Larry Page, de 42 anos, e Sergey Brin, de 41 —, o Google é um símbolo indiscutível de inovação, sucesso e liderança. A empresa tem hoje cerca de 50 000 funcionários espalhados por mais de 40 países e faturou 55 bilhões de dólares em 2014.
No livro Como o Google Funciona, recém-lançado no Brasil, o diretor de comunicação da companhia, Alan Eagle, juntou depoimentos exclusivos de Eric Schmidt (CEO entre 2001 e 2011) e Jonathan Rosenberg (ex-vice-presidente responsável por produtos como Gmail, Android e Chrome). O resultado é uma imersão no mundo do Google e nas suas práticas de gestão, numa época de rápidas mudanças tecnológicas.
Exame PME fez um apanhado das lições relatadas no livro que podem servir de inspiração para os empreendedores que se veem com o desafio de fazer seu negócio crescer. Veja as recomendações.
Em 2011, quando entrou para o Google, Jonathan Rosenberg criou um plano de negócios que indicava quais produtos a empresa lançaria ao longo dos próximos dois anos. Havia várias etapas bem definidas de desenvolvimento, revisão e aprovação. Rosenberg estava certo de que deveria trazer esse tipo de disciplina para o Google. “Era uma obra-prima do pensamento tradicional”, escrevem os autores do livro.
Acontece que Larry Page detestou. “Você já viu algum cronograma ser cumprido à risca? Suas equipes já entregaram produtos melhores do que os que estavam no papel?”, perguntou ele. “Qual é o sentido de ter um plano? Ele está nos atrasando.” Na era da internet, dizem os autores, as empresas devem ser constituídas sobre um forte conjunto de princípios estratégicos, e não sobre um plano inflexível aprendido em MBAs ultrapassados.
Atualmente, dois anos é um prazo em que muita coisa pode mudar no mundo dos negócios. Desde sempre, a solução encontrada pelos engenheiros do Google foi fazer experimentações. Com a popularização da computação em nuvem e das impressoras 3D, pequenas equipes podem criar produtos e serviços fabulosos e distribuí-los com custos baixíssimos.
Também ficou mais fácil testar protótipos com um conjunto limitado de clientes, medir exatamente o que dá certo e o que não funciona e, se necessário, começar de novo. “Você pode ter um plano, mas ele vai mudar, provavelmente muito”, afirma Schmidt.
Fazer experimentações não significa entregar produtos medíocres. Antigamente, as empresas podiam dedicar 30% do tempo para a construção de um produto ou serviço e 70% para divulgá-lo. Os autores discorrem sobre as empresas que estabeleceram seus negócios no período pré-internet, quando havia escassez de informações, de distribuição e de opções — todos eles fatores abundantes nos dias de hoje.
“Para garantir uma boa margem de lucro, bastava criar um produto decente, controlar a divulgação com um grande orçamento de marketing e limitar as opções do consumidor usando a força da distribuição”, diz Rosenberg. Agora a regra se inverteu — os clientes têm acesso a um mundo de opções, informações e opiniões.
Na prática, fica complicado para uma empresa infame sobreviver por muito tempo, independentemente de sua verba de comunicação. Por outro lado, é fácil para um negócio novo, de alta qualidade, ganhar espaço baseado no boca a boca. O livro cita um estudo feito pela Universidade Harvard sobre o impacto do Yelp (uma espécie de Apontador americano) no faturamento dos restaurantes.
As avaliações positivas dos clientes fizeram o movimento dos estabelecimentos independentes aumentar proporcionalmente mais do que as vendas das grandes redes de alimentação. O próprio Google tem exemplos de produtos que não fizeram sucesso entre os usuários, ainda que tivessem à disposição os poderosos canais de marketing da companhia.
“Não eram bons o suficiente”, diz Rosenberg. Entre os projetos encerrados está o iGoogle, ferramenta que permitia criar páginas personalizadas com notícias e fotos, e o Wave, que juntava recursos de mensagens instantâneas e de rede social com a missão declarada de matar os e-mails.
A maioria dos processos em vigor nas empresas foi projetada muitas décadas atrás, numa época em que erros custavam caro e apenas os executivos mais importantes tinham acesso a informações estratégicas. O objetivo era diminuir os riscos e concentrar as decisões no alto escalão.
“No mundo de hoje, isso quer dizer que, no exato momento em que as empresas precisam acelerar, a hierarquia trabalha contra elas”, diz Eagle. Do ponto de vista organizacional, o Google se parece muito com outras corporações de dimensões semelhantes.
Há uma estrutura de comando que gerencia várias divisões. A diferença é que o Google estabeleceu parâmetros para não deixar o organograma engessar o dia a dia. Um deles é a “regra dos sete”. Em algumas empresas, ela significa que os gerentes podem ter, no máximo, sete subordinados diretos.
A versão do Google sugere que os gestores tenham um mínimo de sete subordinados. Com muita gente para administrar (de 15 a 20 pessoas, em média), o gerente não tem tempo para se envolver com os detalhes de cada tarefa e dá mais liberdade aos funcionários.
O Google também desestimula a criação de protocolos ou etapas de aprovação, a não ser que existam razões comerciais muito fortes. Há alguns anos, numa reunião semanal da diretoria, os funcionários apresentavam os testes de um novo recurso para a reprodução de vídeos em alta definição no YouTube.
Os testes iam bem. Tão bem que o ex-presidente do YouTube Salar Kamangar perguntou se havia algum motivo para a tecnologia não ser lançada imediatamente. “O cronograma diz que ainda não deve ser lançada para que possamos fazer novos testes e garantir que funcione”, respondeu alguém. Kamangar retrucou: “Certo, mas, fora o cronograma, há algum bom motivo que nos impeça de lançar agora?”
Ninguém conseguiu pensar numa razão, e o YouTube em alta definição foi inaugurado no dia seguinte. “Nada explodiu, nada quebrou e milhões de usuários felizes foram beneficiados com semanas de antecedência pelo comprometimento de um homem em dizer sim”, conta Eagle.
Certa vez, Schmidt perguntou ao investidor Warren Buffett o que ele procura quando prospecta determinadas empresas. “Líderes que não precisam de mim”, foi a resposta. “As equipes internas funcionam de forma semelhante”, afirma Schmidt. “Você deve investir em pessoas que farão o que acham ser o certo, quer recebam permissão para isso ou não.” Em outras palavras, é preferível que uma empresa tenha funcionários que façam as coisas acontecer, mesmo que seja errando.
A esse perfil, os autores dão o nome de “criativos inteligentes”. Eles são intelectualmente versáteis ao combinar habilidades técnicas com tino comercial e talento criativo. No Google, a preferência é por quem seja formado em engenharia, computação e análise de sistemas — não importa o cargo ou a função. Faz sentido: o coração da empresa é baseado em tecnologia.
Schmidt conta no livro que Page e Brin vetaram sua primeira tentativa de contratar a economista Sheryl Sandberg, atual diretora de operações do Facebook, por ela não ser engenheira. À medida que o Google cresceu, os fundadores cederam nessa predileção, mas apenas um pouco.
Atualmente, cerca de metade dos funcionários precisa ter conhecimento técnico suficiente para colocar a mão na massa — ou seja, programar e aperfeiçoar seus produtos. É a materialização do perfil de profissional que o pai das teorias modernas da administração, Peter Drucker, enxergava quando cunhou a expressão “trabalhador do conhecimento”, 40 anos atrás.
Para Drucker, todo funcionário de uma empresa seria também um executivo, com a responsabilidade de tomar decisões com impacto no resultado do negócio. No livro, Schmidt sugere uma forma intuitiva de medir o “viés de ação” de qualquer empresa. “Durante uma reunião de diretoria, observe se pelo menos metade das pessoas ali presentes é especialista ou responsável direto pelo desenvolvimento dos produtos e serviços”, diz ele
“Componentes acessórios, como os departamentos de finanças, RH e jurídico, são fundamentais para o sucesso de um negócio, mas não devem dominar as conversas.” A propósito: Sheryl acabou passando mais de seis anos muito bem-sucedidos na área comercial do Google.
Os escritórios do Google são projetados para facilitar a livre circulação de ideias — não o isolamento e o status. Na maioria das empresas, quanto mais alguém sobe na hierarquia, mais espaço e silêncio tem. No Google, do estagiário ao presidente, todos ficam amontoados em salões abertos e barulhentos. O resultado costuma ser uma relação de trabalho mais integrada e produtiva.
Outra vantagem é acabar com a inveja por causa das instalações. Quando ninguém tem uma sala particular, ninguém reclama disso, dizem os autores. É claro que os funcionários devem ter a opção de se retirar para um lugar sossegado quando precisam de privacidade. Mas, quando voltam para suas mesas, eles devem estar cercados por seus colegas.
“Seja sovina com coisas que não importam, como a mobília chique, mas seja muito generoso em mimar os funcionários com recursos e tecnologias necessárias ao trabalho em equipe”, diz Eagle. “Investimos em nossos escritórios porque queremos que as pessoas trabalhem lá, não em casa.”
Quando assumiu a presidência do Yahoo! em 2013, Marissa Mayer, até então executiva do Google, levou essa cultura para lá. Logo nos primeiros meses, ordenou que todos os funcionários que trabalhavam a distância voltassem a frequentar o escritório todos os dias. “Muitas de nossas melhores decisões nascem da troca casual de ideias no corredor”, disse ela.