EXAME.com (EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 25 de outubro de 2014 às 07h00.
Quando fui convidado para escrever sobre as dificuldades de contratar talentos em startups, fiz uma viagem para o passado. E vi o quanto a vida dá algumas voltas que a gente é incapaz de imaginar...
Sou formado em Marketing e em Psicologia. Por gostar tanto do ambiente de empresas, acabei nunca clinicando e iniciei minha carreira trabalhando em RH. Logo no primeiro ano de formado, fui contratado como business partner da área comercial de uma inspiradora multinacional brasileira, líder mundial no setor de carnes.
Lá tive a oportunidade incrível de aprender a montar times comerciais, selecionando e trazendo pessoas que pudessem revolucionar o mercado de vendas internas da companhia, nicho até então pouco explorado.
Nós anunciávamos uma vaga e, de cara, já recebíamos centenas e mais centenas de currículos. Todos tinham muito interesse em trabalhar em uma empresa famosa, gigantesca e com dezenas de benefícios e oportunidades de carreira.
Então, após selecionar alguns currículos, eu convidava todos para irem até a empresa, fazia uma apresentação coletiva da vaga para dezenas de candidatos em um auditório e, na sequência, entrevistas individuais com cada um deles. Após essa etapa, aplicávamos testes de comportamento, fazíamos cruzamentos das informações e lá estavam os meus escolhidos. Mas ainda faltava o “grand finale”...
Todos os selecionados tinham que passar por um “Comitê de Seleção”: uma derradeira entrevista, feita em uma grande sala onde se sentava o candidato, sozinho, de frente a uma mesa com 5 a 10 gerentes/diretores da companhia. A missão ali era dar o último aval para os candidatos que eu havia pré-selecionado.
Essa última etapa tinha como principal objetivo deixar ingressar na empresa apenas os candidatos que realmente tivessem o jeito e a cara da companhia, e que tivessem mais chance de ter vida longa ali dentro. Eu, inclusive, fui contratado assim, passando por essa sabatina em pleno aniversário, e sabia bem o que meus candidatos sentiam naquela cadeira solitária.
Vários eram aprovados, outros, reprovados. Porém, os sentimentos de ambos eram igualmente intensos: os aprovados muito felizes por ingressarem nessa grande companhia, enquanto os reprovados, abatidos por saberem que não seria ali que passariam seus próximos dias como profissionais.
Tempos depois, com o desejo de empreender urrando dentro de mim, pedi demissão, imaginando que contratações e seleções como aquelas não aconteceriam mais comigo. Ledo engano…
Quando você começa a empreender, logo aprende que tem duas duras missões: a primeira é manter a sanidade enquanto convive entre tantos que te acham maluco. A segunda é aprender a vender. Mas não é uma venda normal: é vender sonhos.
O primeiro consumidor dos seus sonhos chama-se: você. E quando essa “compra” começa a ser recorrente, é sinal que o “bicho” do empreendedorismo já te mordeu.
Então você começa a vender esses sonhos para os seus familiares, namorada e amigos. Depois vêm os parceiros, aceleradoras etc. E esse sonho, que já está ficando grande demais para estar só dentro de você, começa a ser vendido para investidores-anjo e venture capitalists.
Para todos esses “consumidores”, o objetivo é um só: ver o sonho se tornar realidade. E, de preferência, uma realidade bem rentável, com direito a IPO e tudo mais.
Mas, para que tudo isso aconteça, falta o mais importante e imprescindível consumidor dos seus sonhos: seus colaboradores. São eles os principais responsáveis por ajudar a transformar o seu sonho em realidade. Fazê-los sonhar seu sonho, acreditar na sua crença e caminhar ao seu lado é a maior dádiva que um empreendedor pode ter.
Quando minha empresa começou a ter condições de contratar talentos para trabalhar com a gente, minha cabeça, novamente, voltou no tempo: “como devo fazer minhas contratações?”, “será que devo chamar dezenas de pessoas e também fazer um comitê entre os sócios?”.
Mas a pergunta mais desafiadora era: “como convencer alguém a trabalhar em uma empresa que tem um escritório simples e pequeno, não é famosa e ainda não pode oferecer as mesmas condições financeiras e benefícios das grandes multinacionais?”.
Voltando no tempo, senti na pele como era mais difícil atrair pessoas para a minha startup do que naquela multinacional. Enquanto lá eu tomava um RedBull para conseguir filtrar centenas de currículos, aqui eu comemorava quando meu e-mail apitava com um interessado.
Minha formação de psicólogo me deixou com um olhar muito atento ao comportamento das pessoas, o que me ajuda muito nas entrevistas e na hora de escolher os profissionais, mas também me mostra outras nuances. Na multinacional, eu sentia claramente que muitas coisas não eram necessárias falar, pois a própria marca da empresa, o prédio e a mídia já haviam dito.
Era como se o candidato chegasse dizendo: “pule as introduções, me entreviste e me aprove que eu aceito”. Na startup, a percepção que eu tinha do comportamento do candidato era oposta. Era algo como: “faça e refaça as introduções. Deixe que eu te entreviste, se prove e vou pensar se aceito.”.
Diante desse desafio, inerente a qualquer startup, certa vez de frente aos candidatos ecoou em mim uma pergunta: “Ricardo, você acredita mesmo nesse seu sonho?”. E quando você ouve seu coração respondendo que sim, o seu jeito de falar, o brilho do seu olhar e toda sua energia te transformam, e são capazes de atrair até os mais descrentes.
Vender seu sonho para alguém com tantas oportunidades aparentemente melhores (ao menos no curto prazo) não é tão simples quanto parece. Mas comecei a perceber que, por conta das dificuldades, quem se encantava vinha trabalhar de um jeito diferente, com um espírito muito mais entusiasmado do que aqueles candidatos de antigamente.
Percebia que eles realmente sonhavam o nosso sonho, e não compravam a marca ou a imponência do escritório.
E foi só nesse momento, anos e anos mais tarde, que eu pude perceber que o brilho dos olhos de um empreendedor tinha muito mais força do que os imensos holofotes de uma grande empresa.
*Ricardo Moraes é co-fundador da Memed.