Cena de O Fundo do Coração, do cineasta Francis Ford Coppola: a Lume adquire bons filmes a preço baixo para seu catálogo (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 8 de janeiro de 2012 às 08h00.
O cineasta maranhense Frederico Machado, de 39 anos, não estava muito à vontade quando fez pose para aparecer na fotografia que ilustra esta reportagem.
"Foi esquisito fazer cara de chefe, sentado nessa cadeira estilosa", diz Machado. Para ele é difícil se ver como empresário comum, sempre preocupado em manter o fluxo de caixa e aumentar o valor dos negócios. "A Lume foi a realização de um sonho, nada mais", diz ele. "Eu queria apenas divulgar o cinema de arte e ganhar algum dinheiro para fazer meus próprios curtas."
Machado ingressou na indústria do cinema em 1997, ao inaugurar a Backbeat, uma pequena locadora de 300 títulos em São Luís do Maranhão. Nas prateleiras, não havia cópias de Titanic nem de outros sucessos de público daquele ano. Em seu lugar, encontravam-se fitas do sueco Ingmar Bergman, do italiano Michelangelo Antonioni e de outros cineastas que, para a maior parte das pessoas, produzem histórias monótonas, com enredos complicados e, muitas vezes, filmadas num incômodo preto e branco.
A ideia de iniciar uma locadora de filmes de arte na capital maranhense pode parecer capricho de um jovem sonhador fadado ao fracasso — especialmente, considerando-se a quebradeira das locadoras que viria a reboque da popularização das cópias piratas gravadas aos milhares pela internet. Nada disso aconteceu.
A pequena locadora deu origem a um negócio que, em 2011, faturou 2,1 milhões de reais, 20% mais do que em 2010. Hoje Machado é dono de um grupo que possui ainda um cinema, uma produtora e uma distribuidora de filmes de arte. No catálogo da distribuidora — que responde por 50% do faturamento —, constam títulos de diretores venerados por cinéfilos, como Akira Kurosawa, Claude Chabrol e Joseph Mankiewicz.
"Se não fossem as distribuidoras como a Lume, os lançamentos de cinema de arte estariam bastante defasados", diz Adriana Teodoro, gerente de compras da locadora 2001 Vídeo. "A procura pelos títulos da Lume é muito grande. No Natal de 2010, foi deles o nosso filme mais vendido, 1984, inspirado no romance do George Orwell."
Machado vem de uma família com formação artística. Seu pai, Nauro Machado, é um conhecido poeta maranhense. Sua mãe, Arlete Nogueira da Cruz, também escritora, foi secretária de Cultura do Maranhão. O próprio Machado já ganhou vários prêmios com seus filmes. Quando criança, ele costumava ir ao cinema todos os dias.
Havia cinco salas em São Luís. Cada uma exibia um filme diferente. "Muitos filmes tinham classificação adulta", diz Machado. "Mas os bilheteiros eram velhos conhecidos da família e faziam vistas grossas para a minha idade."
Alguns anos depois, sua mãe foi transferida para o Rio de Janeiro. Machado foi morar com ela numa casa ao lado de um cineclube. Ele passava manhãs e tardes inteiras com os olhos grudados na tela, assistindo a uma média de cinco filmes por dia. "Fui reprovado duas vezes na escola de tanto que faltei aula para ir ao cinema", diz. Quando finalmente terminou o ensino médio, prestou vestibular para o curso de cinema na Universidade Federal Fluminense — foi reprovado em duas tentativas.
Resolveu, então, cursar filosofia. Enquanto isso, filmava curtas-metragens e vendia fanzines sobre cinema na porta da faculdade. Foi o mais próximo de uma experiência profissional que ele chegou antes de voltar para São Luís e abrir a locadora de filmes de arte em 1997, numa sala de 45 metros quadrados.
No espaço, ele também vendia CDs importados de música. "Os discos serviam de isca para que as pessoas entrassem e alugassem filmes", diz Machado. A locadora não foi sucesso absoluto, mas não faliu — e permitiu fazer caixa para continuar investindo em cinema. Em 2000, Machado criou uma produtora para rodar filmes de diretores independentes. Também arrendou os direitos de uso do Cine Praia Grande, situado no centro histórico de São Luís. "Botei na cabeça que queria ter meu próprio cinema".
Nessa época, a capital maranhense tinha apenas duas salas de exibição. A sala concorrente do Cine Praia Grande exibia filmes comerciais, que ficavam, em média, três semanas em cartaz. Enquanto outra fita não fosse exibida, restava ao público a sala de Machado, o cinema dos filmes desconhecidos. "Como as pessoas não tinham opção, acabavam indo ao meu cinema", afirma ele. "Eu praticamente as forçava a assistir a filmes de arte".
Hoje, com a chegada dos grandes grupos de exibição à cidade, o Cine Praia Grande dá um prejuízo de 6.000 reais por ano, mas Machado não pensa em fechá-lo. "É um espaço de resistência e eu não abro mão dele".
O que parece uma obstinação sem muito fundamento técnico funciona como um chamariz e permite que, aos poucos, o cineasta crie um público fiel, que consome todos os seus produtos. No Cine Praia Grande, Machado organiza festivais para formar novos cinéfilos.
Também fez contato com produtoras internacionais, o que permitiu a ele entrar, em 2003, naquele que hoje é o principal negócio da Lume — o licenciamento e a venda de filmes clássicos ou de arte.
No mercado cinematográfico, muitos bons filmes acabam sendo esquecidos depois de alguns anos, e as produtoras que os lançaram os revendem para distribuidoras menores. O trabalho da Lume é caçar filmes nessas pequenas distribuidoras e comprar os direitos para venda em DVD.
É o caso de O Fundo do Coração, fracasso de bilheteria em seu lançamento, em 1982, hoje tido como uma das melhores obras do cineasta Francis Ford Coppola. O custo do licenciamento desses títulos é relativamente baixo, em torno de 2 000 dólares cada um. A Lume então produz as legendas, o menu, prepara o design da capa e os vende para redes e para cinéfilos pelo preço médio de 30 reais.
Como o investimento inicial é baixo, precisa vender apenas 300 DVDs de cada título para que os custos sejam cobertos. Agora, a distribuidora começa a comprar os direitos para lançar filmes independentes em cinema.
Cerca de 40% dos filmes vendidos pela Lume já estão disponíveis de graça na rede, o que ameaça o crescimento da empresa no futuro. Poderá esse modelo de negócios sobreviver à era de downloads pela internet? Machado mantém a postura que sempre norteou seu negócio — oferecer um produto bem feito aos amantes de cinema e não fazer concessões ao cinema comercial.
"Não acho que as pessoas vão deixar de comprar nossos filmes", diz ele. "Elas gostam de exibi-los nas suas estantes." Machado parece não se preocupar com os desafios que terá de enfrentar. Até agora, seu jeito quase amador de tocar o negócio tem dado certo. É esperar para ver se serão tristes ou felizes os próximos capítulos da história da Lume.