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Não falta demanda

Pedro Herz, dono da Livraria Cultura, diz que há um grande número de consumidores que podem formar um forte mercado de cultura no Brasil

Pedro Herz, dono da Livraria Cultura: "há um grande número de consumidores que podem formar um forte mercado de cultura no Brasil" (Henrique Manreza / Brasil Economico)

Pedro Herz, dono da Livraria Cultura: "há um grande número de consumidores que podem formar um forte mercado de cultura no Brasil" (Henrique Manreza / Brasil Economico)

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Da Redação

Publicado em 16 de junho de 2014 às 19h08.

São Paulo - Minha roupa estava molhada quando entrei na sala do empreendedor Pedro Herz, de 73 anos, dono da Cultura, uma das maiores redes de livrarias do país. Seu escritório fica na avenida Paulista, e a conversa aconteceu numa semana de junho em que havia protestos, contra tudo o que está aí, pelo Brasil todo. Eu tinha apanhado chuva, não havia conseguido táxi e estava sem sombrinha. Pedi desculpas por meu estado. “É culpa do governo”, ele disse. Herz é assim — engraçado e irreverente.

Herz entrou no setor de cultura nos anos 50, quando seus pais — um casal de judeus que veio da Alemanha pouco antes da Segunda Guerra Mundial — compraram livros importados para alugá-los a imigrantes que ainda não sabiam falar português. Foi esse o embrião da Livraria Cultura, que faturou 430 milhões de reais em 2012. Nesta entrevista, Herz fala sobre as oportunidades do setor.

EXAME PME - Somos quase 200 milhões de habitantes, mas só 7% das cidades têm cinemas, de acordo com o Ministério da Cultura. Pesquisas mostram que os livros no Brasil estão entre os mais caros do mundo. Os novos artistas sofrem para obter financiamentos para seus projetos — quando conseguem. O que está acontecendo?

Pedro Herz - No caso dos financiamentos para novos projetos, os caminhos existem. A lei permite que as empresas patrocinem atividades culturais em troca de vantagens fiscais. Por que, então, a produção cultural movida a esses recursos não é maior, mais vibrante? Porque entre a decisão de patrocinar alguma coisa e percorrer os caminhos da lei é preciso enfrentar uma série de obstáculos.

Que obstáculos são esses?

A burocracia é enorme — é preciso apresentar um monte de documentos para liberar os recursos. Mesmo com a liberação, os recursos só podem ser usados depois que a pessoa captou 20% do valor total.

O dinheiro tem de estar depositado em determinados bancos e não é permitido fazer transferências eletrônicas. As regras ficam mudando ao longo do jogo. Muitos empresários fazem patrocínios uma vez só e depois desistem.

É um dinheiro bem gasto?

Sim. Ao contrário do que muita gente diz por aí, o brasileiro valoriza a arte. Há mais de dez anos, quando a Pinacoteca de São Paulo trouxe uma exposição com obras do escultor francês Rodin, milhares de pessoas fizeram fila para ver. O preço era baixo e também houve muita divulgação.

Mas o público não vai a exposições somente porque estão baratas ou são de graça...

Não — e a boa notícia é justamente essa. As pessoas vão se estiverem motivadas. E, no meu modo de ver, motivação não falta. Os brasileiros querem consumir cultura. Se os empreendedores montarem eventos de qualidade, o público irá novamente. É assim que os hábitos culturais — ler livros, ouvir boa música, assistir a bons filmes — se formam.


Qual é o grande problema para o mercado de cultura se desenvolver no Brasil?

De certa forma, o mercado está se desenvolvendo. Uma das empresas que a reportagem descobriu, a Cinemagia, é um exemplo de atitude empreendedora nesse sentido (a Cinemagia, da paulista Lia Pinheiro, promove sessões gratuitas de cinema ao ar livre e em escolas de pequenas cidades, com patrocínio de grandes empresas, como Monsanto e Sky).

Vocês falaram também da Catarse (site de vaquinhas para projetos culturais) e da Bookess (site de autopublicação de livros). Como se vê, os empreendedores estão atuando. E, quando se pensa no tanto de gente que vai a parques para assistir a concertos de orquestras e jovens que frequentam festivais de cinema, constata-se que, do outro lado, não faltam consumidores. O modelo econômico fecha.

Que critérios usar para definir o mercado de cultura?

De um modo bem genérico, pode-se dizer que cultura é aquilo que desperta interesse intelectual e emocional no ser humano. Ninguém duvida que música seja cultura, mas jogo de futebol também é — ainda que, para a maioria dos que vão ao estádio, o objetivo seja extravasar.

Os espetáculos postados no YouTube são cultura. Filmes de super-heróis são cultura? Por que não? Só porque divertem os espectadores? Às vezes fico cansado dessa discussão elitista do que pode ser considerado cultura e do que não pode.

Os empreendedores deveriam abrir mais negócios não necessariamente destinados ao público mais informado?

Olha, não dá para ignorar que instrução — coisa que falta nas escolas do Brasil — ajuda a aproveitar certos espetáculos. Só que o mais importante é que haja eventos que atraiam as pessoas, não importa o grau de instrução delas. Independentemente da região ou do produto, o empreendedor deve oferecer ao público algo que o faça pensar, sentir.

O consumidor tem de sair do espetáculo com algum grau de emoção e reflexão. Por que essa música me emocionou? Como esse pintor me tocou? As pessoas precisam parar de se preocupar com esse negócio de “não entendo disso, não entendo daquilo”.

Como assim?

Os consumidores deveriam ouvir mais a própria intuição em vez de se importar tanto com a opinião de críticos de arte. Os críticos podem ajudar quando trazem informações sobre um filme ou uma peça — mas não são autoridades supremas e a opinião deles não importa tanto quanto algumas pessoas pensam.

Também acho bobagem julgar se um filme é bom ou ruim pelo seu diretor. Um monte de gente me diz que não entende música clássica. A verdade é que nem tem muito o que entender. Tem de ouvir. É o único gênero de música que eu escuto as pessoas dizerem “eu não entendo”. Você entende de axé? Sabe definir o que é? Eu não sei direito o que é.

E por que mais gente não vai a concertos?

Por causa da infraestrutura, que é bem ruim. Eu trouxe a São Paulo uma orquestra. Houve greves, e não conseguimos liberar os instrumentos no aeroporto. Eram quatro ônibus e levou-se horas para chegar ao hotel. Os músicos perguntaram se dava para ir de metrô, mas não tem linha de metrô no aeroporto!

Aqui tudo é complicado. Quem vai a jogo de futebol tem de pegar ônibus superlotado. Quem vai de carro não encontra lugar para estacionar. Sair do estádio é dificílimo. Pegar táxi fica muito caro. Para ir a um espetáculo de balé, tenho de sair com 2 horas de antecedência, pelo menos. Essas dificuldades desestimulam qualquer um.

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