André Bertolucci, da Smart: empresa controlou o acesso do público a shows de artistas como Madonna e Paul McCartney e de bandas como Iron Maiden e U2 (Daniela Toviansky e Marcelo Correa)
Da Redação
Publicado em 28 de março de 2013 às 12h14.
São Paulo - Pouco antes de Bono Vox entrar no palco para iniciar o último dos três shows que a banda irlandesa U2 fez em São Paulo em abril de 2011, o empreendedor André Bertolucci, de 39 anos, olhou para as arquibancadas lotadas do estádio do Morumbi. "Eu estava feliz, com a sensação de dever cumprido", diz Bertolucci.
Sua empresa de controle de acesso a eventos, a paulistana Smart, foi responsável por monitorar a entrada dos 90.000 fãs que assistiram a cada uma das apresentações da banda. "O trabalho começou duas semanas antes dos shows e envolveu 650 pessoas", diz Bertolucci.
Nos últimos anos, tem se tornado cada vez mais comum que os funcionários da Smart trabalhem em grandes eventos de entretenimento. E, ao que tudo indica, não faltarão oportunidades de negócios para empreendedores como Bertolucci. De acordo com estimativas da consultoria PwC, o mercado de shows no país deve crescer anualmente 7,3% em média até 2016.
Para este ano já estão confirmados espetáculos de artistas como Elton John e Bruce Springsteen e dos conjuntos Pearl Jam, Iron Maiden e The Cure — e há vários outros em negociação. "Eventos desse porte precisam de uma série de produtos e serviços fornecidos por pequenas e médias empresas", diz Estela Vieira, diretora de mídia e entretenimento da PwC.
Na lista estão, por exemplo, softwares para controle de iluminação, geradores, material para montagem de cenários e programas de controle de acesso, como os fornecidos pela Smart. Nos últimos anos, já passaram pelas catracas da empresa multidões de fãs atraídos por artistas internacionais, como os cantores Paul McCartney e Madonna e as bandas americanas Kiss e Metallica.
No ano passado, a Smart teve um faturamento de 3,1 milhões de reais — 25% mais do que em 2011. “Os grandes espetáculos foram fundamentais para a nossa expansão”, diz Bertolucci. "Metade das receitas veio deles." A outra parte foi obtida pelo atendimento a pequenos eventos, como casamentos e formaturas, e fornecimento de equipamentos de acesso, como leitores ópticos e catracas.
Quando, além dos ingressos, são levadas em conta as receitas com patrocínios, esses shows representam um mercado considerável. No ano passado, eles movimentaram, segundo o estudo da PwC, 225 milhões de dólares — 30% mais do que em 2007. Uma das principais explicações para o crescimento desse mercado está no bolso dos espectadores.
De acordo com o IBGE, de 2009 a 2011 o rendimento dos trabalhadores brasileiros aumentou, em média, 8,3%. O cenário tende a esquentar ainda mais com a aproximação da Copa do Mundo e da Olimpíada nos próximos três anos. "Nunca vivemos no Brasil um momento tão favorável aos negócios relacionados ao setor de entretenimento", diz Estela, da PwC.
Antigamente, o Brasil estava no fim da lista de roteiros dos principais artistas estrangeiros. Eles demoravam a vir e, quando vinham, já estavam velhos — foi o caso, por exemplo, de Frank Sinatra, que tinha 65 anos em 1980 quando se apresentou no Brasil. Isso mudou. Um levantamento feito por Exame PME em sites especializados em entretenimento e de produtoras de eventos mostrou que no ano passado foram apresentados 307 shows internacionais nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre, Belo Horizonte, Brasília e Florianópolis, ante 235 em 2010.
Pouco a pouco, também se popularizam pelo país eventos menos grandiosos, mas que atraem muita gente jovem — às vezes durante mais de um dia. É o caso dos festivais de rock e de música alternativa, como o Lollapalooza e o Planeta Terra, que aconteceram em São Paulo.
"O surgimento desses eventos é uma das evidências de que o mercado brasileiro de shows está se consolidando", diz Camilo Barros, diretor da Dream Factory, empresa que organiza o Rock in Rio, realizado a cada dois anos no Brasil. Os festivais são uma fonte de receita na Inglaterra e nos Estados Unidos, países de onde se origina a maioria dos músicos com fãs espalhados pelo mundo.
Além disso, esses eventos são importantes porque renovam o mercado ao ajudar a tornar famosos um artista ou conjunto não tão conhecidos — caso da banda inglesa The Who, cuja projeção aumentou consideravelmente depois dos festivais de Monterey e Woodstock, nos anos 60.
Por si sós, os grupos pouco conhecidos estão se tornando um nicho para novos negócios. O empreendedor amazonense Gabriel Benarrós, de 24 anos, pôs o pé nessa parte do mercado no início do ano passado. Com a ajuda de investidores-anjo americanos e brasileiros, ele lançou a Ingresse, uma rede social em que produtores de eventos vendem bilhetes para quem pesquisa programações de shows na internet.
"Minha ideia era criar uma empresa para atender a pequenos eventos, como shows em casas noturnas em que se apresentam músicos que agradam a públicos específicos", diz Benarrós.
O plano de negócios da Ingresse nasceu quando Benarrós era aluno de um curso na Universidade Stanford, nos Estados Unidos. Numa das aulas da disciplina de formação de empresas de tecnologia, ele apresentou sua proposta da Ingresse. "Os professores gostaram bastante do projeto", diz Benarrós. "Alguns até investiram na minha empresa."
O funcionamento da Ingresse é bastante simples. Qualquer produtor pode participar na rede e oferecer entradas para os eventos que está organizando. Um potencial cliente, quando entra no site, enxerga uma relação dos shows programados em sua cidade ou região. Há um pouco de tudo — duplas sertanejas, DJs de música eletrônica, cantores de MPB.
Feita a escolha, o cliente compra o bilhete com cartão de crédito. "O código do ingresso fica guardado no celular dele", diz Benarrós. "Na portaria, esse código é lido por um smartphone. Praticamente não há fila." A Ingresse fica com uma comissão de 10% sobre o valor dos ingressos vendidos no site.
Desde janeiro de 2012, quando foi criada, a tecnologia da Ingresse já foi usada em mais de 2.800 eventos em 20 cidades — grande parte deles na Região Norte, onde Benarrós fez os primeiros contratos com produtores de shows. "O próximo passo é aumentar a presença em São Paulo", diz ele.
Em seu primeiro ano de atuação, a Ingresse faturou 1 milhão de reais e atraiu o fundo brasileiro DGF, que investe em pequenas e médias empresas de tecnologia. "Negócios como a Ingresse nos interessam porque aliam tecnologias ágeis a mercados em expansão", diz Patrick Arippol, gestor do DGF.
Megashows de artistas internacionais, festivais de bandas alternativas, pequenos concertos. Independentemente do tamanho e do estilo, há algo em comum a todos esses tipos de evento — podem ser uma ótima ocasião para que grandes empresas exponham suas marcas.
Uma estimativa da produtora Geo Eventos, com base num estudo encomendado para a consultoria McKinsey, revela que, só no ano passado, o mercado de patrocínios para eventos de entretenimento tenha movimentado 2 bilhões de reais no Brasil — e a cifra nem contém os espetáculos esportivos. "Cada vez mais as empresas incluem o patrocínio em seus orçamentos", diz Leo Ganem, presidente da Geo Eventos, que organiza o festival de rock Lollapalooza.
A organização de eventos de entretenimento totalmente patrocinados por empresas tem feito a agência carioca de marketing Biruta crescer rapidamente nos últimos anos. Quando surgiu, em 2003, a Biruta promovia ações de mídia em redes sociais e campanhas de marketing de rua, com as quais chegou a atender grandes clientes, como a Coca-Cola.
Desde 2007, a Biruta passou também a organizar shows e festivais com entrada gratuita, custeados por empresas como a Claro e a Ambev. Em 2012, com a aquisição da OSC Marketing Promocional, empresa carioca especializada em eventos, a Biruta reforçou sua atuação. "O mercado de eventos patrocinados é um foco para a expansão da Biruta nos próximos anos", diz o publicitário Rômulo Groisman, de 30 anos, sócio da Biruta.
No ano passado, dos 20 milhões de reais que a Biruta alcançou em receitas, metade veio de patrocínio de eventos de entretenimento, como festivais de jazz e de música brasileira — o que ajudou a expandir a empresa 33% em relação a 2011. "Neste ano, os eventos devem representar até 70% do negócio", afirma Groisman.
Um deles é o Aqualume, patrocinado pela Ambev, que já atraiu milhares de cariocas à lagoa Rodrigo de Freitas para ver um espetáculo de espelhos-d’água que refletem feixes de luz coloridos enquanto bandas de MPB tocam no palco. Outro é o festival de rua Leblon Jazz, bancado pela Claro, que já teve seis edições, no Rio de Janeiro e em Niterói.
Os shows organizados pela Biruta são um bom exemplo de como um único evento pode dar início a uma cadeia de fornecedores de pequeno e médio porte. Nas últimas edições do Leblon Jazz Festival, um dos fornecedores da Biruta foi a Fulpel, fabricante paulista de embalagens de papel e de plástico, que no ano passado faturou 16,8 milhões de reais, quase 30% mais do que em 2010. A Fulpel produziu os copos descartáveis com a marca da Claro distribuídos no festival.
O empreendedor Marcos Roberto dos Santos Silva, de 45 anos, dono da Fulpel, descobriu por acaso a oportunidade de crescer com eventos. Há dois anos, Silva começou a ser procurado por empresas que precisavam de copos descartáveis com o logotipo de suas marcas. Foi o caso, por exemplo, do energético Red Bull e do Café Pelé.
"Elas queriam distribuí-los em eventos para promover suas bebidas", diz Silva. Até então, o mercado da Fulpel era formado por redes de lojas de conveniência e de fast food. "A procura por nossos copos personalizados para shows foi 30% maior no ano passado do que em 2011", diz ele.
O efeito em cascata não parou na Fulpel. Mais copinhos significam mais lixo. E mais lixo são mais negócios para o administrador Erich Burger, de 30 anos. Burger é um dos fundadores da Recicleiros, empresa paulistana que nasceu em 2007 para cuidar do lixo em eventos de música e de esporte — foi a Recicleiros que deu um destino para o lixo de eventos de música como o Planeta Terra e o SWU de 2011. Seu faturamento deve ultrapassar 3 milhões de reais neste ano.
Para que a Recicleiros possa prestar seus serviços, Burger e seu sócio, o administrador Guilherme Salata, de 28 anos, têm parcerias com mais de 40 cooperativas de reciclagem. De acordo com Burger, num evento para 60.000 pessoas, é preciso contratar cerca de 80 pessoas. Ele acredita que há muito potencial para sua empresa — leis recentes têm feito com que os governos municipais estabeleçam regras para o recolhimento de lixo em eventos. "Ainda vamos crescer muito nesse setor", diz Burger. "Só os contratos já fechados nos garantem um aumento de 40% nas receitas até o final de 2013."