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Lemann responde 8 dúvidas dos empreendedores brasileiros

Se você pudesse ter sua pergunta respondida por Jorge Paulo Lemann, o que perguntaria? Alguns empreendedores tiveram essa oportunidade. Confira:

Jorge Paulo Lemann fala sobre como lida com a inovação (Scott Olson/Getty Images)

Jorge Paulo Lemann fala sobre como lida com a inovação (Scott Olson/Getty Images)

Mariana Fonseca

Mariana Fonseca

Publicado em 28 de junho de 2017 às 06h00.

Última atualização em 28 de junho de 2017 às 06h00.

No que Jorge Paulo Lemann gostaria de empreender se estivesse começando hoje? Como ele decide seus investimentos? O que ele enxerga como força ou como fraqueza no Brasil? Neste ano, empreendedores brasileiros apoiados pela Endeavor tiveram a oportunidade de fazer essas perguntas para um de seus colegas mais notórios.

“Educação e empreendedorismo são as duas coisas que fazem um país crescer”, contou à plateia o sócio do fundo 3G Capital.

Aqui, nós selecionamos algumas dessas respostas:

1 — De um tempo pra cá, você tem investido em setores de tecnologia: foi fazer um curso na Singularity e, recentemente, tornou-se investidor do Snapchat. Como você tem convivido com modelos de cultura e gestão tão diferentes?

“Se eu fosse jovem, iria pra Califórnia e depois voltaria para o Brasil para inovar na área de tecnologia, como fiz algumas décadas atrás com o setor financeiro, que estava começando no Brasil 50 anos atrás. Eu adoraria ser um empreendedor de tecnologia, mas não tive tempo de morar em Israel ou na Califórnia. Acabei indo para setores mais antiquados, principalmente de consumo.

Usando como base a Brahma, expandimos dentro desse ramo no exterior. Mas, por ser um negócio antiquado, já foi disruptado pelas craft beers [cervejas artesanais]. Isso nos deixou espertos, acabamos comprando algumas companhias desse ramo e hoje nós somos craft beers em outros países."

 

2 — Se você fosse empreender do zero, com US$ 1 milhão na conta, quais seriam os primeiros passos que você tomaria para criar o negócio? Quais seriam as primeiras decisões?

“Se eu estivesse começando hoje, iria fazer algo tecnológico, para dar um salto grande. Você tem que escolher um negócio que dê para escalar. Eu descobri que é difícil fazer algo sozinho: se você tem o time certo, vai mais longe, tem que tentar atrair as melhores pessoas.”

3 — Como funciona o processo de decisão da aquisição de novas empresas?

“Na Ambev, por ser uma companhia muito grande, com Conselho Administrativo, até hoje a decisão era sempre fazer mais do que já tem sido feito. Por isso, o caminho da aquisição foi natural. Nós sempre acreditamos em fazer negócios parecidos e similares, e não ficar testando muita coisa.

No caso da 3G, que é separada da Ambev, Heinz, Burger King, Kraft: tudo é comida. Nesse setor, tem muita coisa dando sopa. É questão de escolher o que se encaixa melhor, parece mais promissor e tem o melhor preço.

Tem muitas possibilidades, mas acabamos de sair de uma fusão da Kraft com a Heinz. Nós só fazemos uma coisa de cada vez, não somos um fundo típico de Private Equity que investe em várias coisas, para diversificar.

Em primeiro lugar, metade do dinheiro das aquisições é dinheiro nosso, de casa. A outra metade é de gente que já investe conosco, sócios de longa data. Não existe dinheiro institucional, por exemplo, ou de fundo de pensão.

O lado bom é que não temos que dar muitas explicações, podemos fazer o que quisermos quando a oportunidade aparecer. Nós só fazemos quando temos a equipe certa que pode ir para lá tocar.”

4 — Se você fosse fazer uma análise SWOT do Brasil — deixando de lado as forças e fraquezas que já vemos todo dia — que oportunidades e forças ainda encontramos por aqui?

“A grande oportunidade é no ramo de consumo. Somos 200 milhões de pessoas que estão sempre consumindo alguma coisa.

A outra oportunidade é que as coisas aqui não são bem tocadas, então em quase tudo que você olha encontra a chance de tocar um pouco melhor. Além disso, alguns negócios são muito antiquados, sem tecnologia. Quando você olha lá para fora, vê as tecnologias que poderia aplicar aqui.

Uma força importante que o Brasil tem é o trabalhador. As pessoas que você consegue atrair são muito boas, de qualidade equivalente a qualquer um do exterior. Por outro lado, uma desvantagem do país é o ponto de oscilação: melhora, piora, melhora, piora…

Outra desvantagem é que não existe dinheiro barato. Aquela possibilidade de fazer negócio com base em empréstimo ou crédito, que existe muito lá fora, não existe aqui. Os juros no Brasil são os mais altos do mundo e não tem dinheiro disponível. Se os juros fossem mais baratos, esse país dava uma guinada colossal.”

5 — Na sua visão, qual é a real percepção do investidor lá de fora em relação ao Brasil?

“Existe dinheiro lá fora sobrando em todo lugar. O investidor está desesperado porque o mercado de ações está relativamente alto e ele está em busca de coisas novas e diferentes. Aí está uma baita oportunidade.

Para o investidor estrangeiro, o Brasil é um lugar de altos e baixos, perigoso. Não é a venda mais fácil, mas, procurando, tem dinheiro.

Eu sou investidor, por exemplo, de uma escola no Rio de Janeiro chamada Eleva, que tem crescido bem. Nos últimos anos, já são mais de 50 escolas e 35 mil alunos. E o que me deixa surpreso é a quantidade de pessoas que aparece com interesse em um negócio de educação. Tendo uma história boa e um track record [reputação] legal, dá para captar.”

6 — Os mentores sempre me dizem que eu preciso de um gestor e de um presidente porque eu tenho o espírito mais inventor e empreendedor. Mas, já estou no terceiro CEO e eles são cada vez melhores, mas não são amigos do risco. O que eu posso fazer?

“O sujeito que topa o risco em geral é empreendedor. Já o que não gosta segue carreira executiva. Você tem que ser a pessoa que empurra e cria incentivos para ele ter disposição de tomar riscos. Dê o incentivo certo e ele vai correr atrás.”

 

7 — Qual é a característica que você mais admira no seus sócios Marcel Telles e Beto Sicupira?

“Eu, se tenho um pouco de visão, é a de bolar coisas maiores ou diferentes. Eu não sou o craque da administração, do cara que sabe segurar os parafusos, ou que sabe fazer as coisas funcionarem e acontecerem. Os dois são muito melhores que eu nisso.

O Beto gosta de cuidar de avião, de barco, de cuidar de qualquer coisa, botar ordem. O Beto é um militar, na realidade, ele gosta de ordem. Eu já gosto mais de inventar alguma maluquice, então tem esse complemento.

O Marcel também, ótimo administrador, incentivador das pessoas, de ver o que é importante. Então, funciona bem porque complementamos um ao outro, cada um respeita aquilo em que o outro é muito bom e, sem dúvida, juntos conseguimos fazer muito mais. Eu acho que qualquer negócio precisa de gente diferente.

Se você tenta fazer um negócio e todo mundo é igualzinho, não funciona. Tem que ter complementaridade; as pessoas têm que ter características diferentes e somar.”

 

8 — Qual é o papel dos empreendedores em relação às políticas públicas e à política?

“Empreender é uma das coisas mais importantes no Brasil. Educação e empreendedorismo são as duas coisas que fazem um país crescer. Não adianta só educar, porque você acaba sem empregos. Precisa de um empreendedor para criar esses empregos.

A própria China só deslanchou quando desenvolveu o empreendedorismo. Tem que ser como o Wilson Poit, da Poit Energia, que foi para a SP Negócios ajudar. Se mais gente fizer isso, vai mudar! Eu tenho incentivado bastante os jovens bolsistas da Fundação Estudar a olharem para o serviço público e vejo que tem mais gente interessada hoje do que antigamente.

Outro dia eu estava em um lugar que reunia os alunos das melhores universidades, como Harvard e MIT. Em um determinado momento, foi feita uma provocação: 'Pessoal, quem tem interesse em ingressar na política, vem aqui no palco para tirarmos uma foto. Daqui a 10 anos, vamos comparar e saber se alguém de fato seguiu carreira pública.'

Tinham 400 pessoas na plateia e todas elas subiram ao palco.”

 

Texto originalmente publicado no site da Endeavor.

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