(Leandro Fonseca/Exame)
Carolina Ingizza
Publicado em 11 de setembro de 2020 às 14h23.
Última atualização em 11 de setembro de 2020 às 15h44.
A greve dos Correios, que completa 25 dias nesta sexta-feira, colocou a logística em pauta no Brasil. A paralisação dos funcionários da estatal, que demandam a manutenção do acordo coletivo firmado em 2019, pressionou o e-commerce, que vive um ano recorde. Com a pandemia do novo coronavírus, os consumidores, confinados em casa, mudaram seus hábitos e o comércio eletrônico cresceu em meses o que era esperado para anos. Analistas estimam que as vendas pela internet irão crescer 30% neste ano, totalizando 117 bilhões de reais.
Um grande desafio provocado por esse aumento no volume de compras é a logística. Receber os pacotes em casa no prazo estipulado e conseguir devolvê-los facilmente em caso de problemas é fundamental para os clientes. Não é a toa que gigantes como Mercado Livre, B2W e Magazine Luiza investem cada vez mais em braços próprios de logística. Apesar disso, muitos lojistas ainda dependem da infraestrutura dos Correios, presente em mais de 5.000 cidades do país. Pesquisa da startup Loja Integrada mostra que oito entre dez lojas virtuais de pequeno e médio porte dependem da estatal para levar os produtos até a casa dos clientes.
Sem a disponibilidade dos Correios, esses vendedores precisaram buscar outras soluções para venda. E quem ganhou com isso foram as startups de logística, que já vinham em um ano atípico, com volumes de entrega dignos de "Black Friday" desde março.
Uma das startups que crescem em 2020 é o unicórnio brasileiro Loggi, que usa frotas parceiras de motos, carros e caminhões para levar o produto de seus clientes ao seu destino final. Só em julho, a empresa cresceu 500% no volume de demandas na comparação com o mesmo mês do ano passado. Para dar conta, a companhia investiu em tecnologias e no aprimoramento dos processos internos para ter a capacidade de operação sempre maior que a demanda.
Mas os esforços tiveram um custo. O objetivo da Loggi era, em 2020, chegar a mais de 5.500 cidades, competindo com os Correios. Com os investimentos feitos para apoiar a operação durante a pandemia, os planos de chegar à cobertura nacional foram pausados. Ainda assim, houve um avanço — a empresa chegava a 30% da população do Brasil em 2019 e espera fechar 2020 com uma cobertura de 54%.
Ariel Herszenhorn, vice-presidente de expansão da Loggi, disse à EXAME que no curto prazo a startup se planeja para atender à demanda da Black Friday deste ano. No ano que vem, as metas são mais ambiciosas. “O plano é intensificar nossa expansão geográfica por meio de investimento em tecnologia, abertura de mais agências e parcerias com os Leves, empreendedores associados que viabilizam entregas mais eficientes por meio de seu conhecimento local”, diz o executivo.
Na Diálogo Logística, empresa fundada por Ricardo Hoerde, a pandemia também segurou os planos de expansão. A startup, que nasceu em 2015 ajudando grandes marcas, como Via Varejo, Renner e Natura, a entregar na Região Sul, hoje está presente em 2.000 cidades em dez estados das regiões Sul, Sudeste e Nordeste.
O projeto de chegar até 3.000 municípios vai ficar para 2021, mas o atraso é por um bom motivo. A companhia focou seus esforços para dar conta da demanda, que triplicou com a pandemia. O volume de entregas, que era de 12.000 por dia até março, passou a ser de 35.000. A expectativa é que, com a Black Friday em novembro, a empresa atinja a marca de 1 milhão de entregas no mês. Só nos últimos meses, clientes grandes, como Boticário e Centauro, passaram a usar os serviços da empresa.
Com a greve dos Correios, aconteceu um novo movimento. Do dia para a noite, a startup recebeu centenas de solicitações de pequenos negócios em busca de uma solução logística. Por causa do porte dos negócios, a empresa não consegue atender a todos. É preciso que o cliente emita de 1.000 a 2.000 pedidos por mês para que o custo da operação faça sentido. Agora, dez empresas estão em processo de implantação da solução da Diálogo. “Com esse boom, tivemos de aumentar o espaço de pavilhão em todas as regiões e lançar um aplicativo para que os entregadores possam se cadastrar mais rapidamente”, diz Ricardo Hoerde. Neste ano, a empresa projeta faturar 110 milhões de reais, mais que o dobro em relação a 2019, quando a receita foi de 50 milhões.
As startups não querem ficar à sombra dos Correios. A chinesa Lalamove, que entrou no Brasil em agosto de 2019, é uma dessas empresas que apostam que seus diferenciais vão ser capazes de reter os novos clientes que chegaram por causa da greve e da pandemia. A empresa é um “Uber da logística”, conectando motoristas de caminhão, fiorinos e motos com os clientes. Desde março, o número de pedidos na plataforma cresce 100% ao mês.
Durante a greve dos funcionários da estatal, a startup sentiu um crescimento no volume de entregas, especialmente em stores como vestuário, serviços e produtos para pet, segundo Luiz Giordani, gerente-geral da Lalamove no Brasil. A expectativa da empresa é que experimentando a possibilidade de ter os produtos recolhidos em casa, entregues ao destino no mesmo dia e com a possibilidade de rastreamento em tempo real, as empresas se tornem clientes fiéis do negócio.
A aposta é a mesma na brasileira Eu Entrego, fundada em 2016 para resolver as entregas de última milha — que levam o produto até o cliente final. A companhia conecta pessoas físicas, com carro de passeio, para fazer entregas dentro da cidade para grandes marcas, como Magazine Luiza, Boticário, Carrefour e Marisa.
O negócio, que cresceu 300% de março a agosto na comparação com 2019, deve fechar o ano seis vezes maior do que começou. A greve dos Correios foi um impulso a mais para a startup, que sentiu a demanda subir 20% desde que paralisação começou em agosto. Só nesse período, 11 novos clientes foram conquistados.
Um dos serviços mais importantes que os Correios prestam para o e-commerce é a logística reversa. Se uma roupa ficou larga, a cor do sapato veio errada ou há algum problema com o smartphone comprado, a troca e a devolução precisam ser feitas pela loja virtual. O caminho mais simples para isso é pedir que o cliente leve o pacote até uma agência dos Correios, que se encarrega de devolvê-lo para a empresa.
Com a greve, muitas lojas começaram a se perguntar como iriam oferecer uma alternativa aos consumidores. Nesse cenário, a startup Kangu se destacou. Ela, que recentemente recebeu um aporte do Mercado Livre, usa lojas de bairro como pequenos centros de distribuição e coleta de mercadorias. Dessa forma, as papelarias, pet shops e lojas de roupa podem virar locais para os consumidores buscarem encomendas e deixarem os produtos que precisam ser devolvidos.
Nos últimos cinco meses, a operação da empresa cresceu cinco vezes. “A volumetria já estava alta, o e-commerce tinha crescido. Mas quando o principal player entra em greve, o ambiente que já estava estressado se estressa ainda mais. Por isso, estamos recebendo mais contato de muitas empresas que procuram alternativas aos Correios”, diz Ricardo Araujo, presidente da Kangu.