Victor em reunião da Cheesecake: ele abriu mão de ações do Uber que hoje valeriam pelo menos 12 milhões de reais (foto/Divulgação)
Gian Kojikovski
Publicado em 5 de outubro de 2017 às 06h30.
Última atualização em 5 de outubro de 2017 às 06h30.
Em fevereiro de 2011, o estudante brasileiro Victor Gomes de Oliveira teve um daqueles encontros que mudam uma vida. Então com 20 anos, fez uma entrevista de emprego com Travis Kalanick, o fundador da empresa de transporte Uber, em uma das salas do coworking Rocket Space, em São Francisco, na Califórnia. Morador de Florianópolis, em Santa Catarina, Victor estava nos Estados Unidos para um estágio de três meses na aceleradora i/o Ventures, onde ajudava a desenvolver um aplicativo para os recém lançados iPads.
Os diretores da aceleradora, os irmãos Paul e Daniel Bragiel, gostaram de Victor e arrumaram uma entrevista para ele com um amigo em comum. No início de 2011, nenhum deles sabia, mas poucos anos depois Kalanick se tornaria um dos empreendedores mais influentes do mundo – e o Uber, a empresa de capital fechado mais valiosa do planeta.
Kalanick chamou um carro pelo aplicativo e a conversa continuou enquanto ambos rodavam pela cidade. A intenção era mostrar para o estudante como o negócio funcionava. De volta ao Rocket Space, o coworking que foi a primeira sede do Uber, Victor foi convidado para um teste de programação. Não conseguiu concluir o exercício, mas foi contratado mesmo assim.
“Desde que nos conhecemos, nos demos muito bem. O Travis é um cara muito aberto e confiou em mim, mesmo eu sendo muito jovem”, diz Victor. Ele foi o primeiro desenvolvedor focado no sistema operacional Android do Uber e o décimo funcionário contratado pela startup.
É comum que os primeiros funcionários de startups que viram gigantes da tecnologia tornem-se milionários. Eles costumam receber a opção de comprar uma quantidade de ações a preço de banana e, se o negócio explodir, o rendimento se multiplica milhares de vezes. No caso de um unicórnio de 69 bilhões de dólares, como é o caso do Uber, alguns tornaram-se bilionários, como é o caso de três dos nove que dividiam mesa com Victor no coworking em São Francisco em 2011.
Mas a história do brasileiro foi diferente. No começo de 2012, quando estava completando um ano de casa – o período necessário para que pudesse “adquirir” sua opção de ações –, ele precisou voltar ao Brasil. Sua mãe teve câncer e ele precisava voltar para concluir o curso de engenharia de controle e automação na Universidade Federal de Santa Catarina. Assim, mesmo sem fazer ideia no momento, abriu mão de um valor que, calcula hoje, estaria em torno de 12 milhões de reais – que poderiam ser multiplicados por quatro caso continuasse na empresa até hoje. Normalmente, o funcionário pode comprar 25% do total de ações a que tem direito a cada ano na empresa, convertendo 100% do total depois de quatro anos.
Os milhões perdidos não o desanimaram. Victor voltou para Florianópolis com vontade de colocar em prática o empreendedorismo que viu no Vale do Silício. Juntou-se com amigos da faculdade e, do quarto da casa em que moravam, começou a pensar em novos negócios. Depois de duas tentativas fracassadas, eles criaram a Cheesecake Labs, uma desenvolvedora que terceiriza a fabricação de softwares para empresas de tecnologia, geralmente do Vale do Silício.
Os primeiros clientes eram amigos ou indicados por amigos dos tempos em que Victor morou nos Estados Unidos. Entre eles estão startups como a Camio, que faz câmeras de monitoramento inteligente e foi criada pelo ex-diretor de gestão de produtos do Google, Carter Maslan, e a Singularity University, que terceirizou a produção de um aplicativo e de um site para ex-alunos.
Criada oficialmente no final de 2013, a Cheesecake tem 50 funcionários e deve terminar 2017 com um faturamento de oito milhões de reais – para 2018, a previsão é que chegue aos 12 milhões. Sem nunca ter recebido investimentos externos, algumas das ideias que Victor trouxe da Califórnia ajudaram a acelerar o crescimento.
Uma delas é fornecer opção de ações para os funcionários. Isso tornou-se comum para executivos de grandes empresas e para os primeiros empregados de startups, mas a ideia da Cheesecake é fazer com que todos, incluindo os que trabalham em áreas adjacentes, como a secretária, possam virar sócios da empresa. “A vivência que tive na Uber deixou muito claro que era importante todo mundo estar engajado para a empresa ser bem-sucedida”, diz Victor.
Hoje, a Cheesecake tem 15 sócios – entre eles os quatro fundadores. Os outros empregados ainda não completaram o período de tempo para que possam adquirir sua cota. A tendência é que os primeiros tenham direito a uma porção maior, já que entraram no negócio quando os riscos também eram maiores.
No Brasil, o que dificulta a popularização da distribuição de ações é o número pequeno de vendas de startups ou de aberturas de capital, momentos em que os executivos e fundadores costumam transformas as opções em dinheiro. “Todo mundo no Vale do Silício conhece alguém que ganhou dinheiro sendo acionista de startups que tiveram saídas. Aqui, só recentemente temos visto o interesse nesse tipo de plano aumentar”, diz Pedro Waengertner, co-fundador da aceleradora ACE, uma das mais ativas do país.
O problema da liquidez foi previsto pelos fundadores da Cheesecake. “Temos uma divisão de lucros trimestral e um plano de recompra das ações por um valor maior do que quando foram entregues caso a pessoa queira liquidez por algum motivo”, diz Victor. A relação da desenvolvedora com as empresas para a qual faz softwares também é feita em um modelo pouco comum no mercado. “Nos tornamos sócios minoritários das empresas. Algumas delas já estão valendo mais do que quando entramos no negócio. Em uma eventual saída, esse dinheiro também serve para remunerar os acionistas”. Além disso, claro, em alguns anos, não é descartada um IPO ou uma venda da própria Cheesecake.
Tentar construir esse caminho no Brasil não foi fácil, porque a estrutura jurídica do país não ajuda. “Temos muitos problemas porque a nossa legislação não previa esse tipo de contrato. Então, ainda existe uma série de questionamentos trabalhistas e tributários”, diz o advogado Erik Fontenele Nybo, sócio do escritório SBAC, especializado em direito para startups.
Criar uma SA foi o caminho encontrado pela Cheesecake. Mas só depois de gastar muita sola de sapato. Foram a quatro escritórios de advocacia especializados em direito societário para achar algum que se dispusesse a fazer o modelo que os fundadores tinham desenhado.
“O primeiro escritório que procuramos disse que era uma maluquice tentar fazer isso no Brasil”, diz Victor. “Até que achamos um que topava, mas desaconselhou fortemente por causa dos gastos. Éramos uma empresa muito pequena para arcar com os custos de uma SA”.
Se a Cheesecake Labs chegar a valer uma pequena fatia do que vale o Uber, os custos e os riscos terão valido muito a pena. Enquanto isso, Victor relembra dos dias de Uber andando pra lá e pra cá nos carros da empresa, em Florianópolis.