Nubank: um executivo do BC disse que o órgão está acompanhando o movimento de perto, mas ainda não discute uma regulação para as fintechs (Nubank/Divulgação)
Reuters
Publicado em 3 de março de 2017 às 16h44.
São Paulo - As plataformas tecnológicas de serviços financeiros estão se espalhando em ritmo exponencial no Brasil com fiscalização atenta do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que se movimentam para atualizar uma regulação precária.
Em apenas dois anos, o número de fintechs, como são conhecidas, passou de poucas dezenas para cerca de 250, divulgou a consultoria Fintechlab em fevereiro, numa efervescência que lembra a bolha de internet na virada do século.
Cientes de que não podem deter o curso desse rio de proporções globais, os reguladores brasileiros têm preferido adotar uma abordagem de bastidores, seja "chamando para conversar", ajustando exigências da regulação ou até estimulando a criação de entidades de classe.
Um executivo do BC, que pediu anonimato, disse que o órgão está acompanhando o movimento de perto, mas ainda não discute uma regulação para as fintechs.
"Não há motivo para criar regulação para setores que estão trazendo inovação e que têm representatividade pequena no mercado", afirmou.
De fato, os montantes financeiros movimentados pelo setor ainda são residuais.
O estoque conjunto de empréstimos das fintechs de crédito, por exemplo, não supera algumas centenas de milhões de reais, saldo inexpressivo em relação aos 1,56 trilhão de reais dos empréstimos totais do sistema para o varejo, segundo dados do BC referentes a janeiro.
Em número de clientes, no entanto, a dimensão é diferente. A Simplic, de crédito, informou ter alcançado em fevereiro a marca de um milhão.
O Nubank, de cartões de crédito, não revela seus números, mas profissionais do setor estimam que a empresa já tenha entre 700 mil e 800 mil cartões ativos.
BC e CVM criaram em 2016 núcleos internos para monitorar fintechs, enquanto se movimentam para regular atividades que vêm ganhando maior visibilidade.
Após o Banco Original, do grupo J&F, criar uma plataforma digital há um ano, o BC chegou a mandar o banco interromper as operações, por avaliar que esbarravam em falta de controles, segundo outra fonte do BC a par do assunto.
As operações foram logo retomadas, e semanas depois o BC editou uma regulamentação específica para contas online.
Da mesma forma, a CVM diz não ver necessidade de normas específicas para fintechs.
"Atividades como a de assessoria de investimento dado que os profissionais que atuam em startups que usam inovações como os 'robô advisers', por exemplo, precisam ter as mesmas certificações que qualquer outro profissional do setor", disse o superintendente de desenvolvimento de mercado da CVM, Antonio Berwanger.
A autarquia, no entanto, deve divulgar ainda este ano uma instrução normativa para os projetos de financiamento coletivo, o chamado crowdfunding, que considera um assunto mais crítico para o qual não há previsão regulatória.
Enquanto fiscalizam, os reguladores monitoram a movimentação de seus pares em mercados como os Estados Unidos, a Europa e o Japão, onde a discussão sobre como regular o setor está mais adiantada.
Um passo seguinte para BC e CVM será o blockchain, sistema que garante a segurança das operações realizadas por bitcoins, as moedas criptografadas.
Nos EUA, já há um pedido à Securities and Exchange Comission (SEC, CVM dos EUA) para que bitcoins possam ser negociadas nas bolsas de valores do país.
Por ora, contudo, o dia a dia no Brasil tem tido uma dimensão mais artesanal, com os reguladores tentando ajustar os novos negócios à legislação existente.
Fintechs que oferecem serviços típicos de bancos, como crédito, por exemplo, operam com licenças de correspondente bancário.
De forma geral, os empreendedores elogiam a atuação dos reguladores, que têm se mostrado flexíveis para evitar o cumprimento de regras anacrônicas.
"Outro dia conversamos com técnicos do BC sobre a regra de que os funcionários dos correspondentes bancários que atendem o público devem trabalhar uniformizados, o que não faz sentido para uma plataforma toda digital", disse o executivo de um fintech que pediu anonimato.
Empresários do setor dizem que os reguladores no país têm mostrado preferência por um aparato regulatório similar ao britânico, baseado no conceito sand box, de regras simplificadas para startups, que vão ficando mais rigorosas à medida que o tamanho delas apresenta mais risco ao sistema.
"Parece um modelo mais apropriado para evitar engessar logo no começo negócios inovadores que podem ser muito positivos para todo o sistema financeiro", disse o presidente da Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD), Rafael Pereira.
É uma postura diferente dos EUA, onde reguladores têm sinalizado preferência por regras para disciplinar o setor antes que ele se torne grande demais.
Mas, segundo executivos da própria indústria financeira, a abordagem mais amigável dos reguladores no Brasil também tem entre as motivações o reconhecimento deles mesmos de que foram rigorosos demais no passado.
Anos atrás, o BC fechou o cerco contra a operação da Fair Place, uma comunidade criada para oferecer empréstimos, mesmo após os sócios do negócio terem recebido sinal positivo do órgão para ir em frente. Até a Polícia Federal foi colocada no encalço dos sócios do negócio.
"Hoje o próprio BC reconhece que exagerou", disse a fonte da autoridade monetária.
Além disso, a preferência por um diálogo com entidades de classe, em que elas mesmas propõem assuntos de interesse comum e criam padrões mínimos de conduta para os seus sócios, facilita o trabalho dos reguladores cujas restrições orçamentárias praticamente inviabilizam um acompanhamento ostensivo sobre uma miríade de negócios que vão de consultoria financeira a seguros, moedas criptografadas, cotação de câmbio e investimentos.
"O BC tem mostrado que não quer ter que falar com todo mundo", disse Marcelo Ciampolini,presidente da Lendico de uma das sete fintechs de crédito que em novembro criaram a ABCD.
É um movimento similar que levou outro setor monitorado pelo BC, o de programas de fidelidade, que fatura em conjunto cerca de 5 bilhões de reais por ano, a criar a Abemf.
"Falta braço no BC", disse recentemente à Reuters o presidente da Smiles, Leonel Andrade.
No caso de empresas de tecnologia financeira, os reguladores têm preferido esperar o próprio setor definir quem é fintech, dado que a resposta rápida do público ao apelo de serviço ágil, descomplicado e barato, quando não gratuito, tem atraído bancos, empresas de tecnologia e investidores gigantes.
Consultado, o BC não se manifestou até a publicação desta reportagem.
Entre os bancos, Itaú Unibanco, Bradesco e Banco do Brasil criaram, cada qual ao seu modo, seus laboratórios de fintechs. O mesmo fizeram gigantes globais como IBM, Microsoft e Google, só para citar algumas, assim como as bandeiras de cartões Visa e Mastercard.
BB e Bradesco, por exemplo, criaram no ano passado a Digio, plataforma tecnológica de cartões de crédito, na esteira da emergência do Nubank.
"O problema é que muita empresa grande vai querer ter regras e exigências mais simples, mesmo tendo porte de capital muito superior", disse o cofundador e presidente da Vérios, uma startup de robô advisor, Felipe Sotto-Maior.
A multiplicação das entidades de representação do setor, porém, pode complicar, em vez de ajudar, no diálogo com reguladores.
Uma das primeiras entidades do segmento, a Associação Brasileira de Startups (Abstartups), criou recentemente um comitê de fintechs.
Depois surgiram a FintechBrasil, a Abfintech, a Equity (de crowdfunding), além da própria ABCD, só para citar algumas das mais conhecidas.
"Não vejo sentido em ter tantas entidades, quando o conceito ainda está difuso, tanto para o que é fintech quanto para o que é startup", diz Sotto-Maior.