Dinheiro: startups que concedem empréstimos e financiamentos por meio de plataformas eletrônicas finalmente possuem uma regulamentação própria (SIphotography/Thinkstock)
Mariana Fonseca
Publicado em 3 de maio de 2018 às 11h00.
Última atualização em 3 de maio de 2018 às 15h27.
São Paulo — As fintechs de crédito, agora, devem ter sua atuação regulamentada por algumas das maiores autoridades monetárias do Brasil – o Banco Central e o Conselho Monetário Nacional. Na semana passada, as autarquias aprovaram duas resoluções com regras para as startups que oferecem produtos e serviços de crédito, como empréstimos e financiamentos.
A grande mudança é que as fintechs podem se registrar como duas formas de instituição financeira: uma Sociedade de Crédito Direto (SCD) ou uma Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP). Com isso, elas podem assinar sua “declaração de independência” das instituições financeiras e deixarem de ser apenas correspondentes bancárias.
O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, já havia afirmado que a autoridade monetária não queria regular as startups em excesso, e sim incentivá-las. Isso só foi possível porque a legislação não partiu de forma autoritária do Banco Central. Foi discutida durante meses por agentes do mercado de crédito, incluindo as fintechs.
A defesa da autonomia foi ecoada pelas fintechs de crédito ouvidas por EXAME, que destacaram como a nova regulamentação estimula a entrada de novos empreendimentos na oferta de serviços financeiros. A expansão do mercado pode, inclusive, diminuir as taxas de juros exorbitantes cobradas em empréstimos e financiamentos no Brasil.
Até então, as fintechs de crédito precisavam passar um por um longo e custoso processo para se tornarem instituições financeiras. Afinal, precisavam cumprir os mesmos requisitos que grandes bancos em termos de estrutura organizacional e detalhamento de resultados enviados ao Banco Central, por exemplo.
Agora, essas startups poderão se registrar como instituições financeiras de atuação mais limitada, o que também diminui as despesas com cumprimentos de leis. As fintechs de crédito poderão ser uma Sociedade de Crédito Direto (SCD), que empresta a partir de capital próprio por meio de plataforma eletrônica, ou uma Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP), que intermedeia capital entre o credor e o devedor em modelo de peer to peer lending (ou P2P) por meio de plataforma eletrônica.
Tendo o status de instituição financeira, as fintechs poderão se responsabilizar pela emissão de seus títulos de crédito – papéis de dívida responsáveis por captar dinheiro com investidores no mercado de capitais de recursos restritos e, assim, financiar os empréstimos e financiamentos cedidos pelas startups. Antigamente, essa emissão de títulos só poderia ser feita por meio de uma instituição financeira e as fintechs ficavam como correspondentes bancárias – uma espécie de escritório de representação dos bancos e corretoras.
A Geru, que se enquadraria na categoria de Sociedade de Crédito Direto, comemorou a regulamentação. A fintech de crédito opera desde 2015 e já captou 500 milhões em títulos de crédito até hoje.
“Podermos criar nossos próprias CCBs [Cédulas de Créditos Bancários, espécie de título de crédito] agora. Além de conferir mais agilidade e diminuir custos de integração com instituições financeiras, isso nos dá a chance de pensar em produtos mais flexíveis e de acordo com nossa proposta. Não precisamos mais de um intermediador, ainda que essa ainda seja uma opção para nós”, afirma Sandro Reiss, CEO da Geru.
“Considero fundamental que as fintechs possam tomar a decisão entre manter as parcerias com instituições tradicionais ou alçar voos sozinhas. Acredito muito no modelo híbrido de empresas”, completa em comunicado Sergio Furio, CEO da fintech Creditas, que também se enquadraria em uma Sociedade de Crédito Direto e já captou 300 milhões de reais em títulos de crédito. “A Creditas possui parcerias com instituições tradicionais, que ganham mais eficiência conosco, ao mesmo tempo que origina o próprio crédito, agora respaldada pela nova regulamentação.”
A Nexoos é uma fintech de peer to peer lending, que se enquadraria na definição de Sociedade de Empréstimo entre Pessoas. Até agora, o negócio já captou 50 milhões de reais em recursos e financiou mais de 400 empresas a partir de 1.500 investidores.
“Certamente teremos alguns custos operacionais e de observância, então temos de colocar essa mudança na ponta do lápis e ver se ficamos ou não no modelo antigo”, avalia Daniel Gomes, CEO da Nexoos. “Mas, com maior volume transacionado, é interessante não dependermos de terceiros. Qualquer novo produto que a Nexoos queira lançar pode ser feito de forma independente e isso gera melhores soluções para o consumidor final."
Para as SEPs, outro ponto positivo da nova regulação é que os investidores podem realizar operações com limite máximo de 15 mil reais cada. Antigamente, cada credor só poderia aportar 50 mil reais na soma de todas as suas operações (exceto investidores qualificados).
As empresas interessadas já podem começar seu processo de autorização de funcionamento oficial junto ao Banco Central e o Conselho Monetário Nacional. Furio, da Creditas, destaca que velocidade é crucial no mercado de inovação – e que esse processo de formalização das fintechs precisa ser rápido.
A Creditas e a Nexoos ainda estão analisando a regulamentação antes de ingressarem com tal pedido. A Geru também não deu entrada na requisição, mas diz "ter interesse em seguir de acordo com a regulamentação" e "estar apenas esperando o momento oportuno".
Para o consumidor, o grande impacto da mudança estará na maior segurança em tomar créditos das fintechs, agora regulamentadas, e também na possibilidade de que a competição traga mais descontos nas taxas de juros cobradas em empréstimos e financiamentos.
“Há cinco grandes bancos nesse setor, tradicionalmente, e muitas pessoas ficam de fora do mercado de crédito. Agora, aumentará a competitividade das instituições financeiras menores. Com mais quantidade de produtos no mercado, a tendência que o spread [diferença entre o que os bancos pagam na captação de recursos e o que eles cobram ao conceder um empréstimo para uma pessoa física ou jurídica] praticado diminua – e o sistema financeiro mude no Brasil”, analisa Gomes.