PME

Falta um choque cultural contra o desperdício

O investidor Juliano Graff explica por que consumidores, empresas e governos precisam se engajar na caça ao desperdício que rouba a competitividade do país — e como os empreendedores podem ter papel decisivo na mudança

Juliano Graff, da Master Minds (Daniela Toviansky)

Juliano Graff, da Master Minds (Daniela Toviansky)

DR

Da Redação

Publicado em 8 de novembro de 2013 às 14h34.

São Paulo - Quando era adolescente, no começo dos anos 90, o gaúcho Juliano Graff, de 39 anos, passou um ano na Alemanha participando de um intercâmbio cultural. Ficou marcado em sua memória como os alemães são intolerantes ao desperdício. "Eles são fanáticos por eficiência", diz.

Eis aí um ensinamento que Graff sempre guardou consigo. Há seis anos, quando fundou a Master Minds, empresa que assessora aportes financeiros em pequenas e médias empresas, Graff começou a olhar para negócios com potencial de crescimento em áreas como logística, incorporação imobiliária e tecnologia.

Já foram mais de 500 empresas analisadas e cerca de 30 operações concluídas. "Nessas áreas, todo desperdício pode representar um alto impacto nos custos", afirma.

A seguir, Graff diz por que acredita que as empresas dedicadas a aumentar a eficiência de qualquer setor têm futuro.  

EXAME PME - Os indicadores de desperdício no Brasil são alarmantes em muitos setores. Os empreendedores são capazes de mudar uma realidade tão complexa?

Juliano Graff - Os empreendedores estão entre os principais responsáveis pelas mudanças. Tradicionalmente, são eles que propõem inovações capazes de impactar o modo como as empresas administram seus recursos.

O governo pode — e deve — ajudar com algum incentivo fiscal empresas que criam maneiras de diminuir o desperdício de recursos, como água, comida e energia. As pessoas comuns também deveriam se engajar e reavaliar seus hábitos de consumo. Mesmo assim, acredito fortemente que as mudanças começam a aparecer a partir da atuação dos empreendedores.


EXAME PME - Isso já pode ser verifcado em algum mercado específico?

Graff - Sim. Veja o exemplo do mercado de reciclagem. Praticamente todo o alumínio usado em latas de refrigerante e de cerveja é reciclado no país. O desperdício é próximo a zero. O ciclo brasileiro de reciclagem de alumínio é um exemplo para todo o mundo. Demora apenas um mês para que a lata que você joga fora hoje volte às prateleiras dos supermercados. 

O processo começa com um catador de rua, que junta as latas e as vende para uma cooperativa, que recicla o material e revende aos engarrafadores. Todos os envolvidos são empreendedores. Eles podem não ter uma empresa formal, mas estão envolvidos numa cadeia produtiva bem definida. 

EXAME PME - Como essa experiência pode ser copiada em outros setores?

Graff - Tudo depende da capacidade do empreendedor de demonstrar que sua ideia é viável. No caso da reciclagem de alumínio, há uma pressão, até por normas do governo, para que esse material volte ao mercado. As grandes empresas devem ter resistido num primeiro
momento — mas acabaram aderindo à ideia de reutilizar o metal em vez de buscar mais na natureza.

A conclusão é que, se os empreendedores forem capazes de demonstrar como conseguem eliminar o desperdício, com certeza haverá quem se interesse. Inclusive, essa é uma boa porta de entrada para que negócios emergentes forneçam para grandes companhias — o que pode gerar a escala necessária para que uma pequena ou média empresa cresça ainda mais. 


EXAME PME - Você tem razão. Todas as empresas encontradas por nossa reportagem fornecem para grandes clientes.

Graff - Esse é um caminho natural. As grandes empresas costumam ter estruturas muito engessadas. Além disso, o principal negócio delas não é cortar o desperdício. Mas elas podem ser beneficiadas por produtos e serviços que aumentem a eficiência. Está aí um bom ponto de partida para quem quer começar um negócio — pensar em maneiras de evitar perdas em qualquer setor da economia.

EXAME PME - Você faz parte de um grupo de investidores-anjo que aportaram dinheiro numa das empresas que escolhemos para aparecer na revista — a MobWise. O que chamou sua atenção na empresa?

Graff - Por meio do Inova Venture Participações, a Master Minds investiu na MobWise e hoje detém uma parte minoritária da empresa. Uma das coisas de que mais gosto é a solução encontrada pelos empreendedores para ganhar dinheiro. Uma empresa que evita o desperdício não vende um produto específco, mas oferece a oportunidade de cortar custos.

É uma equação um tanto complexa de precifcar. A MobWise resolveu esse impasse oferecendo seu aplicativo que mapeia o trânsito de graça para o usuário. Como o programa já foi baixado por mais de 200.000 pessoas, ficou mais fácil chegar a clientes como Nivea e Fiat para explicar como o sistema funciona.

Assim, a MobWise começou a adaptar seu sofware para mapear a trajetória que os funcionários de seus clientes fazem a trabalho. O programa gera uma clara redução de custos com combustível e tempo.


EXAME PME - Se alguns caminhos para aumentar a eficiência já foram desbravados, por que continuamos desperdiçando tanto?

Graff - Porque ainda há setores muito resistentes às mudanças. Um exemplo é o mercado da RodoLinea, empresa paranaense que produz carrocerias vedadas que evitam a perda de grãos no trajeto dos caminhões pelas estradas brasileiras.

O empreendedor provavelmente se relaciona com muitas transportadoras. O frete é um negócio que, em geral, não rende margens altas. Essas empresas muitas vezes operam com caminhões com um bom tempo de uso e podem resistir a comprar uma carroceria mais cara para sua frota.

A RodoLinea pode argumentar que a mudança evitaria o desperdício. Mas é bem possível que os empresários já contem com essa perda ao fechar negócios. A discussão pode não levar a lugar algum.

EXAME PME - Quer dizer que boa parte da solução depende de uma mudança cultural?

Graff - Isso mesmo. Quando vivi na Alemanha, no início da década de 90, passei por um choque cultural. Eu era adolescente e tinha recém-saído de Santa Catarina para estudar em São Paulo. Estava acostumado com a realidade de Blumenau, onde minha família fazia churrascos em que sobrava um montão de comida. 

De repente, cheguei a um país em que não se desperdiça nada. Adquiri o hábito e uso esse princípio até hoje, tanto na minha vida pessoal quanto nos negócios. Como investidor, costumo analisar rigorosamente todos os pontos de desperdício de uma empresa.

Nesse caso, a lógica é muito mais financeira — desperdício, para mim, signifca custo desnecessário. Note que seus malefícios atingem todo mundo — nós, as empresas e o país.

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