Micro e pequenas empresas: esse segmento representa 30% do produto interno bruto brasileiro (Germano Lüders/Exame)
Carolina Ingizza
Publicado em 22 de julho de 2020 às 18h25.
Última atualização em 22 de julho de 2020 às 18h57.
As micro, pequenas e médias empresas foram duramente afetadas pela crise causada pela pandemia do novo coronavírus no Brasil. Sem estrutura de caixa para aguentar muitos dias sem receita e presentes em setores duramente impactados pelo isolamento social, como bares, restaurantes e comércio varejista, um quarto dessas empresas corre o risco de fechar de vez, segundo o Sebrae. Por esse motivo, discutir a retomada econômica do país é, também, discutir o apoio a esses negócios.
As microempresas e as empresas de pequeno porte são vitais para a economia. Juntas, elas representam 96,6% dos negócios e contribuem para cerca de 30% do produto interno bruto (PIB) brasileiro. Além disso, elas são responsáveis pela maioria (52%) dos empregos formais. Em 2019, enquanto as médias e grandes empresas fecharam 88.000 postos de trabalho, as micro e pequenas empresas abriram 731.000 vagas, de acordo com uma análise do Sebrae feita com base em dados do Ministério da Economia.
“A retomada seguramente depende do forte apoio a micro e pequenas empresas”, afirma André Rauen, diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Nesta terça-feira, 22, o instituto tornou público seu plano de retomada econômica para o Brasil pós covid-19. Ao todo, 33 propostas foram apresentadas ao ministro Paulo Guedes no último final de semana. Entre elas, estão sugestões de programas para apoiar a atividade produtiva de pequenas empresas e startups.
O relatório do Ipea defende que o Brasil ofereça crédito subsidiado para as micro e pequenas empresas (MPEs). A proposta do instituto é que seja criada uma linha com juros iguais a zero e carência de um ano, com o crédito condicionado à manutenção dos empregos por um período de até seis meses após fim do isolamento social.
“Os bancos ficam temerosos em dar crédito sem garantias. Nossos técnicos propõem resolver isso vinculando o crédito ao faturamento ou renda futura da empresa”, diz Rauen. A ideia é que a empresa comece a pagar o empréstimo um ano depois, com uma parcela de até 5% do faturamento da companhia. Ao associar o pagamento ao imposto de renda, o instituto espera uma inadimplência menor. Para evitar que o empresário feche a empresa para se esquivar das parcelas, o crédito ficaria vinculado também ao CPF do proprietário.
Bancos, fintechs, cooperativas e agências de desenvolvimento seriam remunerados com 1,5% do valor concedido. Para funcionar, o Ipea defende uma análise de risco simplificada, com o Tesouro Nacional garantindo a inadimplência. O programa poderia ser financiado por meio da emissão de títulos públicos, que seriam resgatados nas datas das amortizações dos empréstimos.
A proposta é que as empresas de setores mais afetados pela crise, como artesanato, beleza e construção civil consigam empréstimos maiores no mercado que aquelas empresas de segmentos menos afetados. Estima-se que o Tesouro teria de desembolsar de 274,4 bilhões a 685,8 bilhões de reais para o programa, com parte do dinheiro recuperado após a amortização dos créditos.
O Ipea incentiva também que os governos criem mecanismos para favorecer micro e pequenas empresas nas compras públicas. Hoje, somente 14% do valor empenhado nas compras públicas federais está vinculado a MPEs.
A proposta do instituto é que haja maior subdivisão de itens de compra, de modo a haver mais itens que possam ser atendidos por essas empresas, bem como a criação de itens exclusivos para MPEs. Além disso, a proposta defende uma simplificação da documentação exigida e um apoio técnico do Sebrae para auxiliar essas empresas a fornecer serviços e produtos ao governo.
Em outra frente, o Ipea propõe que o governo crie um marketplace para credenciar os fornecedores. Assim, as unidades compradoras nos níveis federais, estaduais e municipais poderão fazer cotações com as diferentes empresas cadastradas. Países como Chile, Itália, Ucrânia e Dinamarca adotaram soluções similares a essa nos últimos anos.
Especificamente no setor da Saúde, o instituto propõe um investimento direcionado nas startups que desenvolvem tecnologias que possam ser aproveitadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Há diferentes formas de fazer isso. Uma delas é por meio de desafios em que se premia a startup com a melhor capacidade tecnológica”, diz Rauen. Além disso, as empresas com protótipos em fase avançadas poderiam se tornar fornecedoras do SUS.
Para o pesquisador, essa é uma forma eficiente de não depender de tecnologia importada e promover o investimento em pesquisas com risco tecnológico. De acordo com ele, garantir uma capacidade tecnológica nacional é essencial para o futuro do país, principalmente considerando a possibilidade de novas pandemias. “O SUS tem muito poder de compra, podemos usar esse poder para alavancar as startups de saúde”, afirma o diretor do Ipea.