Especialista esclarece o que os investidores chamam de startup (Chris Denbow/Creative Commons)
Da Redação
Publicado em 31 de dezembro de 2011 às 12h44.
O currículo de Reinaldo Normand é invejável. Aos 36 anos, formado pela FGV e pela Universidade de Stanford, comandou operações de empresas nos Estados Unidos, México, China e Japão. Sua atual empreitada, contudo, acontece no Brasil. Ele comanda a 2Mundos, uma empresa recém-fundada de jogos sociais, gênero que se popularizou e faturou milhões de dólares na internet a partir do sucesso de títulos como FarmVille e CityVille. Para iniciar o negócio – que inclui boa dose de risco –, obteve financiamento de um consórcio de investidores americanos e brasileiros, em um montante mantido por contrato sob sigilo. "O Brasil criou um mercado interno que não existia. Temos um setor de tecnologia em plena expansão."
O que se vê enfim surgir no Brasil são as chamadas startups – empresas que buscam a inovação em seu segmento e operam com uma lógica de experimentação rápida, segundo a qual apenas ideias que logo se mostram promissoras recebem mais investimentos. Até recentemente, empreendedores e investidores brasileiros e estrangeiros levariam seus negócios e dinheiro para o Vale do Silício, região ao sul de São Francisco, na Califórnia, que concentra o maior número de startups. Hoje, eles colaboram para testar e colocar de pé projetos em solo nacional. É o que comprova um estudo da Fundação Getulio Vargas: entre 2005 e 2008, apenas 300 milhões de dólares foram dirigidos a empresas de inovação, valor que deve saltar para 750 milhões de dólares em 2011. Ainda é uma cifra minúscula se comparada ao que atraem os negócios nascentes do Vale do Silício (entre 2009 e 2011, cerca de 40 bilhões de dólares), mas trata-se de um número maiúsculo quando se lembra que esse setor praticamente inexistia no país há alguns anos. "Hoje, podemos dizer que há espaço para negócios inovadores no Brasil", diz o argentino Hernan Kazah, cofundador do Mercado Livre e também investidor.
A razão da aurora das startups no Brasil está bem definida: confluência de capital financeiro e humano. A expansão econômica vivida pelo país nos anos recentes foi determinante para alargar a base de potenciais consumidores dos serviços digitais. São especialmente significativos os avanços do número de brasileiros com acesso à rede e do volume do e-commerce, que, neste ano, devem chegar, respectivamente a 78,5 milhões de pessoas e 19 bilhões de reais. Com mais consumidores à vista, cresce o interesse de investidores: startups ligadas a e-commerce e games são as que mais atraem atenção (e recursos).
"O interesse pelo Brasil no exterior é impressionante. O país é visto como a China no passado, que atraía todas as atenções e enormes investimentos", diz a investidora brasileira Bedy Yang, de 33 anos. Ela tem exercido um papel fundamental no desenvolvimento de novos negócios, fazendo a ponte entre investidores americanos e empreendedores brasileiros. Os investimentos são provenientes da 500 Startups, fundo americano que aplica entre 10.000 e 250.000 dólares em companhias em estágio inicial. Para a escolha dos afortunados que receberão os aportes, Bedy criou a plataforma on-line Brazil Innovators, que já garimpou dez startups brasileiras: as empresas receberam dinheiro para tocar o negócio e seu gestores são levados ao Vale do Sílicio para uma imersão no ambiente de alta competitividade, empreendedorismo e inovação. É o caso dos serviços Descomplica, que oferece aulas em vídeo para vestibulandos, Conta Azul, que desenvolveu uma solução de contabilidade on-line para empresas, e Rota dos Concursos, um banco digital de simulados. Após a primeira rodada de investimentos, os resultados são apurados: os melhores empreendimentos recebem mais recursos; os mal-sucedidos são descartados. São as regras do jogo.
A outra razão a impulsionar as startups é humana: acúmulo de conhecimento. Uma das condições indispensáveis ao aparecimento e à expansão do Vale do Silício americano foi – além do capital de risco – a amigável parceria entre empreendedores e centros universitários de excelência, caso de Stanford e da Universidade da California. De Stanford, vale lembrar, saíram Larry Page e Sergey Brin, os criadores do Google, gigante que já foi startup. A dupla inventora do célebre algoritmo que organiza buscas de conteúdos na internet já reconheceu que, sem os milhares de PhDs com quem conviveram na universidade, o Google provavelmente não existiria. No Brasil, é claro, a parceria entre empreendedores e centros de pesquisa também tem sido vital.
Um dos locais onde o casamento se dá de forma produtiva éa região de Campinas, interior de São Paulo. Lá, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) ajuda a dar vida a empreendimentos que nascem nas cercanias e que buscam introduzir inovação. Um estudo feito há três anos pelo Ministério da Ciência e Tecnologia identificou ainda outros seis pólos que compartilham a mesma prática: induzem inovação tecnológica. Juntos, eles faturavam 4 bilhões de dólares e abrigavam 3.700 PhDs, divididos em 1.000 empresas de tecnologia. Para isso, a parceria com universidades locais, de Santa Catarina a Campina Grande, é fundamental.
Smith, de 33 anos, cresceu nos Estados Unidos, mas passou a adolescência em países da América Latina. Antes de abrir sua empresa no Brasil, investiu no site PoolTables.com, uma loja on-line de mesas de bilhar que rapidamente se tornou a maior varejista americana do setor. Depois de vender a companhia, escolheu o Brasil como seu próximo destino. "Decidi vir para cá por causa das oportunidades. A economia está crescendo muito rápido e o e-commerce está explodindo, enquanto os Estados Unidos encaram uma crise", diz o executivo. Smith e seu sócio, Kimball Thomas, de 32 anos, são donos do site Baby.com.br, loja digital que vende produtos para bebês e gestantes. Receberam aportes que somam 8 milhões de reais e fecharam uma parceria de peso junto ao público consumidor: a apresentadora da Rede Globo Angélica.
Para seguir avançando, o Brasil terá de aprimorar essa união ainda tímida inovação tecnológica e gestão empresarial ousada. "Estamos conversando com algumas escolas de administração renomadas do país, como USP, Fundação Getulio Vargas e Unicamp. A ideia é criar parcerias e programas para fomentar o empreendedorismo no Brasil através de eventos e incentivos. Os alunos precisam de espelhos e casos de sucesso fazem com que eles se sintam motivados a buscar investimento para seus projetos", diz Bedy. Outro ponto considerado fundamental é o desenvolvimento de uma cultura que aceita o risco, e na qual erros eventuais são valorizados como experiência. "Se tiver de escolher entre duas boas ideias, provavelmente vou preferir aquela cujo dono já se arriscou antes, mesmo que o empreendimento tenha fracassado"
Por ora, a troca entre brasileiros e estrangeiros é o caminho mais curto para a inovação. É a estratégia de Marco Vanossi, de 24 anos, inventor de uma tecnologia de reconhecimento de imagem para aplicativos para smartphones. Agora, ele tenta fazer disso um negócio, com ajuda de investimentos brasileiros e americanos. Isso exige que o jovem inovador divida seu tempo entre os dois países. "Passo metade do tempo aqui e a outra metade lá", diz. Mais do que dinheiro, ele recorre ao Vale do Silício para aprender como a cultura da inovação e do empreendedorismo podem fazê-lo ir mais longe. "Lá, trabalhamos em um escritório no sistema de coworking, onde diferentes empresas trocam experiências visando aprimorar o produto final de cada um. É uma verdadeira lição."