Black Friday: competição entre empresas pode gerar dúvidas sobre cópia desleal; entenda (Leandro Fonseca/Exame)
Da Redação
Publicado em 26 de novembro de 2021 às 15h51.
Por Flávio Machado, sócio do escritório Filhorini Advogados Associados
É frustrante quando se investe tempo e dinheiro realizando estudos e pesquisas, preparando materiais de divulgação, ou aperfeiçoando sites, fluxos e campanhas e, quando são colocadas no ar, são imediatamente copiadas ou “mimetizadas” por seus concorrentes.
Na internet, esse tipo de aborrecimento é ainda mais frequente porque tudo (ou quase tudo) no ciberespaço é virtual e, portanto, reconfigurado por alterações de programas de forma fácil e rápida e a custo baixo. Por essa razão, novas ideias são rápida, se não instantaneamente, apropriadas e reproduzidas.
A própria internet (o ciberespaço), desde os seus primórdios, foi sempre tratada de uma forma utópica e até romântica, como um mundo virtual e à parte, onde a liberdade, a inovação e a competitividade não teriam limite e o nanico e o gigante competiriam ombro-a-ombro pelo consumidor atrás da janela de seu monitor.
Assim é que, nessas últimas décadas, assistiu-se à rápida migração do mundo físico das lojas, galerias, mercados e shopping centers para o mundo virtual, online, transformando-se em sites próprios, marketplaces e mesmo “plataformas dentro de plataformas”, todos virtuais. Não raramente compartilhando, no todo ou em parte, toda uma cadeia de serviços financeiros e de logística, principalmente, os empreendedores e o empreendimento de pequeno e médio porte.
Tais características traduzem a competitividade acirrada desse setor. Para os negócios de pequeno e médio porte, essas características também são vantagens competitivas, como a capacidade do empreendedor de criar promoções e ações de marketing.
A verdade é que, no mais das vezes, além de criatividade e força de vontade, tais ações de propaganda e marketing demandam pesquisas, estudos e tempo, com custos consideráveis que, se indevidamente apropriadas, resultam, de um lado, em prejuízos e, de outro, em competição desleal.
Contudo, se é verdade que a competição é a regra geral que orienta esse mercado e que esquemas de preço e de pagamento, publicidade para um público definido, estratégia promocional e assemelhados não caracterizam — pelo menos, não à primeira vista — competição desleal e, portanto, não gozariam de proteção legal, por outro lado, a inovação e as características que individualizam um empreendimento são legalmente protegidas.
Desta forma, há certos limites que não podem ser ultrapassados. Esses limites se encontram estabelecidos nas leis que protegem a concorrência (leal) e os direitos de propriedade intelectual, seja o direito de autor ou o de propriedade industrial e comercial. Há, portanto, um limite de razoabilidade para a cópia de promoções e a mímica de ações de marketing pela concorrência.
O primeiro limite, e mais óbvio, encontra-se no Direito Marcário e de propriedade intelectual. Certas condutas, seja por seu teor e, em certos casos, até mesmo pela sua reiteração, podem ser consideradas como concorrência desleal e até mesmo constituir crime contra propriedade intelectual (como a contrafação).
Entre elas, tem-se a falsificação e violação de marcas distintivas, o que, além daquelas que podem ser protegidas por depósito no INPI, pode também incluir a replicação de “assinaturas” (características) que individualizam o vendedor de produtos, seus produtos ou o prestador de serviços, como, por exemplo, um determinado “look and feel” do arranjo de sua loja virtual.
Essa mesmo proteção legal pode se estender ao material publicitário envolvido da ação promocional como, por exemplo, folders e determinados aplicativos que possam ser utilizados para captar “prospects” e clientela em determinadas campanhas.
A “chave”, que dispara a proteção legal com relação a este aspecto, é uma conduta da concorrência que, ainda que potencialmente, conduza o consumidor a adquirir produto ou serviços de outro prestador, julgando estar adquirindo o produto ou serviço original.
Para além do uso de marca, slogan ou outra característica protegida legalmente, são também proibidas condutas que vão desde o plágio, que é a violação de direito autoral, ou seja, cópia ou uso integral ou parcial de algum conteúdo (textos, programas, software, arranjos de dados, e até estudos), sem a autorização do autor da obra, até a utilização de obras claramente derivadas de tais conteúdos.
Nesse aspecto, a solução para compreender a legalidade ou ilegalidade de uma ação, que mimetize a outra, é seu conteúdo de inovação e de originalidade.
Uma outra ação ilegal frequente em tais atitudes anticompetitivas, em ações de propaganda e marketing, diz respeito à utilização indevida da base de dados que delimita o público-alvo destas ações promocionais.
Houve um tempo em que o disparo em massa de e-mails contendo propaganda promocional foi um meio muito efetivo de propaganda. Hoje, os e-mails vêm sendo substituídos, se não totalmente, em grande parte, pela veiculação de propaganda em aplicativos como WhatsApp, Facebook, Instagram, entre outros, e até a coleta de dados em “apps” privativos do anunciante. Em qualquer caso, a importância das bases de dados e dos critérios de seleção destes, nestas promoções, permanece sendo estratégica em tais situações, pois pode aumentar consideravelmente a efetividade da campanha.
Este tipo de promoção é realizada, geralmente, a partir da base de dados do próprio empresário, sempre respeitando as disposições da LGPD, quanto aos permissivos legais para a utilização dos dados. Estes dados podem ser “pirateados” por terceiros, inclusive, concorrente.
Mas é também muito frequente, nessas ações promocionais, a contratação de birôs que acrescentam, legalmente, de suas próprias bases de dados, endereços de um determinado conjunto de destinatários, especialmente selecionados para uma determinada ação promocional, com base nos critérios estabelecidos pelo contratante de acordo com seus levantamentos e estudos.
Em regra, não se pode impedir que um concorrente se utilize dos mesmos prestadores de serviços. Contudo, um nível razoável de proteção pode ser alcançado ao se contratar tais empresas, mediante a inclusão, no contrato, de disposições legais que proíbam o birô de serviços replicar tais critérios em disparos para competidores diretos. Ao menos durante o prazo da campanha e algum tempo após o final de sua veiculação.
Em conclusão, é possível afirmar que, embora a livre-concorrência seja a regra principal que rege o mercado também quanto a ações de propaganda e marketing, é forçoso reconhecer que há uma relação entre os direitos de propriedade industrial e autoral e o empreendedorismo.
Essa relação limita as condutas empresariais que são legalmente admissíveis, assim entendidas como aquelas que traduzem competição leal. Tendo em mente que a inovação constitui um dos pilares para o desenvolvimento saudável da livre concorrência e dos benefícios que advêm dela e, portanto, é protegida nos termos da lei.
A conceituação e a interpretação dos diversos dispositivos legais que regulam essa matéria nem sempre é uma tarefa fácil, especialmente na área de propaganda e marketing. Nossa recomendação é que o empreendedor busque uma consultoria especializada para ações desse tipo ou, ao se deparar com ações reiteradas que mimetizem ou repliquem suas campanhas.
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