Estudantes de grupo atendido pela Campus Brasil: negócio já trouxe 2.500 estudantes ao Brasil (Campus Brasil/Divulgação)
Mariana Fonseca
Publicado em 9 de março de 2018 às 06h00.
Última atualização em 9 de março de 2018 às 10h29.
São Paulo – Quando se fala em intercâmbio, a maioria dos brasileiros pensa em viajar para a América Latina, para os Estados Unidos ou para a Europa. Porém, a empresa Campus Brasil quer provar que o contrário também pode funcionar: recepcionar estrangeiros não é apenas financeiramente viável, mas contribui para o desenvolvimento de alunos e empresas nacionais.
A ideia do empreendedor e turismólogo Daniel Amgarten, em 2010, era se tornar um player de educação internacional, mais do que trabalhar como uma agência de turismo (e adentrar um mercado extremamente concorrido).
A Campus Brasil, focada em programas de curta duração em terras nacionais, já recepcionou 2.500 estudantes estrangeiros no Brasil. O negócio coleciona parceiros acadêmicos e empresariais, da Cornell University à Ambev, e faturou 3 milhões de reais em 2017.
Amgarten fez graduação em Turismo na Universidade de São Paulo e conta que o foco do curso estava em trabalhos de planejamento na área governamental. Porém, o estudante se interessava mais pelo mercado de educação internacional e seu primeiro estágio foi em uma agência do ramo, mandando brasileiros ao exterior.
“Fiquei pensando se não havia um negócio que fizesse o contrário, recebendo estrangeiros no país. Botei na cabeça que queria mostrar o Brasil para o mundo no quesito de educação”, conta.
Amgarten contatou comissões de cooperação internacional da USP e conseguiu um primeiro trabalho nesse modelo, recepcionando 42 estudantes americanos que chegariam à Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade.
Além da parte acadêmica, o estudante mostrou aos recém-chegados pontos turísticos de São Paulo e do Rio de Janeiro. “Achei o trabalho muito interessante e entendi que era aquilo que eu queria”, afirma. Após um intercâmbio de um ano na Europa, Amgarten se formou e resolveu tocar sua ideia de negócio.
Diferentemente dos intercâmbios acadêmicos, que duram um ou dois semestres e são focados na América Latina e na Europa, o empreendedor optou por programas de intercâmbio educacional de curta duração, ministrados em inglês.
“As universidades brasileiras não têm braço para organizar toda a logística desse procedimento, incluindo visitas a empresas. Elas estão mais preocupadas com aspectos acadêmicos, como o docente que ministrará as aulas. Vi nisso uma oportunidade de negócio.”
Amgarten afirma que as agências de viagem tradicionais não são concorrência, pois não teriam tradição em educação e e não fechariam parcerias com instituições de altíssimo nível, focando mais nos serviços de lazer e turismo.
O empreendimento, chamado de Campus Brasil, foi lançado em 2010. O negócio já acumulou 50 universidades parceiras, com instituições como Cornell University, University of Florida e Ohio State University.
A Campus Brasil trabalha por projetos individuais das instituições de ensino e pesquisa. Geralmente, tudo começa pela ligação de algum docente ou representante universitário interessado em conhecer alguma área brasileira.
A motivação dos clientes da empresa é mostrar realidades que só a sala de aula não daria conta - por exemplo, o acesso de populações ribeirinhas a serviços de saúde na Amazônia ou o potencial da agricultura no Centro-Oeste brasileiro. A partir do contato, a Campus Brasil monta um roteiro de viagem adequado a tais necessidades.
A maioria dos viajantes (50%) é estudante de pós-graduação e MBA e busca estudar potenciais negócios no Brasil. Nesse caso, o roteiro inclui visitas a empresas como GOL, Natura e XP Investimentos.
A Campus Brasil começou recentemente a fechar parcerias com negócios que tenham cases a serem resolvidos por esses alunos estrangeiros, em times formados também por estudantes brasileiros de instituições como Insper e USP.
Um exemplo foi "um cliente no setor de bebidas" que ofereceu o problema de “como exportar o refrigerante de guaraná” para estudantes da USP e da University of Illinois. “É um programa que gera benefícios tanto para os estudantes, brasileiros e visitantes, quanto para os empreendimentos.”
Os outros 50% dos viajantes estão distribuídos entre estudantes de áreas como agricultura, arquitetura, arte, ecologia e sustentabilidade.
Um dos exemplos de sucesso da startup foi receber 120 alunos americanos do curso de Jornalismo para a cobertura das Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, em parceria com alunos tutores da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
“Foi um grande esforço de logística, que fez com que metade da nossa equipe se mudasse para a cidade durante esse programa”, conta Amgarten. Hoje, o negócio possui 14 membros.
Em 2012, a Pontifícia Universidade Católica (PUC) negociou que a Campus Brasil levasse seus estudantes de Direito para a Europa em um curso pago de curta duração, um procedimento inverso ao que o negócio costuma fazer. Algumas visitas foram ao Tribunal Internacional de Justiça, em Haia (Holanda), e à Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra (Suíça).
Desde então, a Campus Brasil também realiza programas de curta duração para brasileiros que querem ir ao exterior – mas em proporção bem menor, de 20% dos serviços totais da empresa. Alguns parceiros acadêmicos nacionais são Insper, Panamericana, Uninove e a própria PUC.
Em outubro de 2017, o empreendimento tornou-se uma empresa B, selo dado a negócios que unem lucro e impacto social com base em 160 indicadores. Alguns empreendimentos brasileiros que possuem o selo são Mãe Terra e Natura.
Cerca de 2.500 estudantes estrangeiros já foram recepcionados nos quase oito anos de Campus Brasil, sendo que 85% deles foram americanos. “É um número bastante expressivo. Se fôssemos uma universidade, seríamos a que mais recebe estudantes dos Estados Unidos.”
O mercado ainda é pequeno. Segundo o empreendedor, o Brasil recebe 3.500 alunos americanos por ano, enquanto no mesmo período a Campus Brasil recebe 500.
Mesmo assim, o lançamento em janeiro de 2018 do visto eletrônico para o Brasil, incluindo uma categoria de estudos, pode aquecer o setor. A Campus Brasil, em cinco anos, quer alcançar 30% de share, dobrando sua participação de mercado.
Em 2017, o negócio recebeu 21 grupos de americanos e levou seis grupos de brasileiros ao exterior. Cada grupo possui, em média, 20 alunos.
Segundo Amgarten, a epidemia do vírus da zika afetou os planos das universidades e limitou os projetos da Campus Brasil em 2017 – vale lembrar que tais programas são combinados com cerca de um ano de antecedência. O faturamento foi de 3 milhões de reais, contra 4,2 milhões de reais em 2016.
Contra tais imprevistos, um plano é oferecer aos americanos outros países da América do Sul como destino, como Argentina, Chile e Peru. A Campus Brasil já fez pilotos nesse sentido e diz ter recebido bons feedbacks, como uma visita de estudantes de engenharia às obras de um aeroporto em Santiago (Chile).
“É uma forma de nos protegermos também, de minimizarmos riscos como crises políticos e epidemias de saúde. Queremos nos firmar como uma empresa não apenas brasileira.”
A expectativa de 2018 é recuperar os números e receber 28 grupos, chegando a um faturamento de 5 milhões de reais. Amgarten aposta que, aos poucos, o Brasil poderá voltar a chamar a atenção do mundo todo.