Rebbeca Nogueira, do Lemni Café: ela abriu seu próprio anticafé em junho do ano passado (Victor Alvarenga/Lemni Café/Divulgação)
Mariana Fonseca
Publicado em 15 de dezembro de 2017 às 06h00.
Última atualização em 15 de dezembro de 2017 às 11h01.
São Paulo – A decisão por empreender não costuma surgir apenas de uma insatisfação com a vida de funcionário ou do desejo de ter maiores ganhos: a maioria dos negócios de sucesso surge a partir do desejo de fazer diferente, que se reflete em um produto ou serviço com demanda comprovada.
A empreendedora Rebecca Nogueira é um exemplo de tal máxima. Insatisfeita com os rumos prometidos por sua graduação em Economia, ela começou a estudar mais sobre economia colaborativa. Em Paris, esbarrou com um conceito que lhe daria uma ideia de futuro negócio: o anticafé.
“O que não falta é lugar para tomar um café. Mas qual café? E de quem? Eu percebi que essa bebida é uma porta de entrada maravilhosa para o consumo consciente: quem toma um café de qualidade logo se torna um bom consumidor de forma geral, procurando produtos de melhor qualidade e procedência. Isso fortalece o mercado como um todo”, afirma a empreendedora.
O empreendimento que surgiu a partir de tal reflexão, chamado de Lemni Café, recebe hoje entre 50 e 60 visitantes de segunda a sexta-feira. A cafeteria fatura entre 5 e 20 mil reais por mês, sem se esquecer da missão de fomentar produtores locais e promover a ocupação do centro de São Paulo.
Inspiração e criação
Rebecca Nogueira formou-se em Economia pela Universidade de São Paulo (USP), mas desde sua vida de estudante percebeu que não se adequaria nas carreiras mais tradicionais que a graduação oferece.
“Eu já procurava estudar na faculdade mais sobre economia colaborativa, de acesso. Até estagiei em bancos de investimentos e no mercado financeiro e de resseguros, mas não me identifiquei”, conta Nogueira.
No último ano da graduação, a estudante fez um intercâmbio para a França, na Universidade Paris-Sorbonne. Além dos estudos, Nogueira percebeu como era viável viver a cidade de outra maneira: perto da universidade, havia um “anticafé” abrindo as portas.
“Hoje, existem várias unidades. Era um lugar onde eu me sentia livre para usar a internet e consumir quanto eu quisesse, sem a sensação de estar ‘pedindo um favor’ que eu passava em outros cafés. Era um ambiente heterogêneo, que reunia os que queriam pagar pelo tempo de permanência: desde artistas até turistas”, conta.
Quando Nogueira voltou ao Brasil, passou a trabalhar na área de cultura e educação de uma biblioteca de tradição francesa. Ao mesmo tempo, porém, pensava em como empreender e manter sua preocupação em fazer uso consciente do dinheiro, consumindo direto do pequeno produtor, e do tempo.
Alguns amigos de Nogueira estavam com um lugar vago em sua residência no bairro de Pinheiros (São Paulo). A futura empreendedora percebeu que era o espaço perfeito para montar seu próprio café, do jeito que havia visto em Paris. E assim nasceu o Lemni Café, em junho de 2016.
O Lemni Café ficou um ano e dois meses no sobrado de Pinheiros, mas o encarecimento do aluguel fez com que Nogueira buscasse um novo local e se mudasse em agosto deste ano. “Recebi a proposta de espaço de uma casa no centro de São Paulo que apenas operava de noite, sendo que o meu café operava de dia. Isso casou com nossa proposta de aproveitar recursos existentes para criar novas oportunidades, então aceitamos.”
Como funciona?
No local, os clientes podem acessar bebidas e comidas do buffet de forma livre – o cardápio inclui cafés, chá e quitutes como o pão de queijo. Os frequentadores também podem expor seu trabalho no Lemni Café: um ilustrador pode dar uma oficina sobre como ilustrar, por exemplo; já um autor pode fazer a festa de lançamento de seu novo livro.
A cobrança no Lemni Café é feita de acordo com o tempo de permanência. Parte de 15 reais, para até 30 minutos, e mais 3 reais são adicionados a cada mais 15 minutos de permanência. Ainda existe a possibilidade de pagar pela diária de 5 horas ou mais, que custa 69 reais, e pacotes de 25, 50, 75 e 100 horas.
Como o conceito de anticafé ainda não foi incorporado pelos brasileiros, o Lemni Café teve de adaptar seu modo de operação em relação ao que Nogueira viu na França. Por isso, além do buffet livre, são vendidos doces e salgados diferenciados à parte, para levar.
“Essa é a parte que está dando mais certo, mas nosso espírito não deixou de ser a economia colaborativa, que envolve o fomento aos produtores locais e a ocupação do centro de São Paulo. Temos, por exemplo, rótulos de café ilustrados por um artista local e cogitamos colocar um cabide coletivo na nossa entrada, fomentando as trocas de roupa no próprio bairro.”
O Lemni Café abre de segunda a sexta-feira, das 10h às 17h30. Por dia, recebe de 50 a 60 visitantes. Segundo Nogueira, a maioria dos clientes fica entre 2h30 e 3h.
A empreendedora afirma que o ponto de equilíbrio já foi atingido e o café “se paga, sem dívidas”. O faturamento médio mensal varia de 5 a 20 mil reais.
Para o futuro, Nogueira planeja enxugar ainda mais o espaço: não possui a pretensão de abrir um espaço de coworking em seu anticafé, por exemplo. “Isso exigiria uma contagem de tempo mais sofisticada, sem falar no investimento em internet e tecnologia. Penso que quanto menor eu for, melhor será para meu negócio: mais especializado ele vai ser”, diz.
O plano, pelo contrário, é vender menos bebidas e comidas, mas conhecendo de ponta a ponta cada cadeia de produção e ter excelência na hora de servir. “Quero viver no meu negócio de acordo com algo que eu acredite, e isso não necessariamente passa por tornar-se grande.”