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“Empreendedor é o herói do nosso mundo”, diz guru indiano

Em entrevista a EXAME.com, o consultor de negócios Raj Sisodia fala sobre o papel do empreendedor na evolução da sociedade e defende empresas mais humanas, com foco no amor e não só no lucro.

O consultor Raj Sisodia, um dos mentores do movimento Capitalismo Consciente (Joyce Cury/Divulgação)

O consultor Raj Sisodia, um dos mentores do movimento Capitalismo Consciente (Joyce Cury/Divulgação)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 25 de agosto de 2015 às 15h21.

São Paulo – As empresas do futuro devem deixar de focar apenas no lucro, e trabalhar por valores como amor, respeito e confiança. Nos tempos de crise, melhor do que colocar funcionários na rua é tratá-los como parte da família. Essas são apenas algumas das bases de um movimento chamado Capitalismo Consciente, do qual o principal militante é o indiano Raj Sisodia, consultor e professor de negócios do Babson College.

O discurso “paz e amor” tem convencido empreendedores ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Algumas das empresas brasileiras que aderiram são Natura, Embraer, Porto Seguro, Okena e a cooperativa de catadores YouGreen, dentre outras. Lá fora, a filosofia já ganhou Whole Foods Market, Starbucks e Google, para citar algumas.

Na semana passada, Sisodia esteve em São Paulo para uma conferência do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, e deu entrevista exclusiva a EXAME.com. “Fomos levados a acreditar que os negócios são apenas sobre fazer dinheiro. Na verdade, assim como os seres humanos, as empresas podem ter um propósito maior”, afirma o consultor.

Para Sisodia, os empreendedores devem ser celebrados como “heróis”, e não vistos como “gananciosos”. “Em que mundo viveríamos sem o empreendedorismo de pessoas como Thomas Edison, os irmãos Wright, e todos os outros que foram pioneiros em indústrias totalmente novas?”, questiona.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista:

EXAME.com - O que é capitalismo consciente?

Raj Sisodia - O capitalismo consciente é um jeito de pensar sobre negócios, é uma filosofia diferente daquela que se tornou comum, de que os negócios existem apenas para gerar dinheiro para os acionistas.

Na verdade os negócios são muito mais do que isso. O dinheiro para os acionistas é um tipo de valor para uma das partes interessadas. Mas os negócios impactam outras tantas pessoas: clientes, funcionários, fornecedores, comunidades e os próprios acionistas. O papel real das empresas deve ser criar valor para todos eles, e não simplesmente usá-los para gerar dinheiro para os acionistas.

EXAME.com – Uma empresa não existe apenas para fazer dinheiro?

Raj Sisodia - Nós fomos levados a acreditar que os negócios são apenas sobre fazer dinheiro. Na verdade, os negócios, assim como os seres humanos, podem ter um propósito maior. Nas empresas conscientes, há uma cultura baseada no respeito, no amor, na confiança.

Na maioria dos negócios há muito medo e muito estresse. As pessoas têm medo de perder seus empregos. É por isso que, na maioria das empresas, as pessoas não estão animadas em trabalhar, o engajamento dos funcionários é muito baixo, os níveis de estresse são muito altos e com isso aparecem muitas doenças. Mas não precisa ser assim. Nós podemos ter um trabalho que as pessoas gostem, e no qual as pessoas se importem com as outras. Esse é um jeito de pensar no negócio em que todo mundo vence.

EXAME.com – Quais as vantagens competitivas de uma empresa consciente?

Raj Sisodia - As empresas conscientes têm muitas vantagens competitivas. Em primeiro lugar, elas têm uma força de trabalho muito mais inspirada, criativa e engajada. Enquanto as empresas comuns têm um engajamento de 25%, essas empresas têm de 78% a 90% das pessoas realmente dedicadas ao trabalho. Então elas conseguem mais produtividade e mais inovação de seu pessoal.

Ao mesmo tempo, elas têm uma baixa rotatividade. Em segundo lugar, essas companhias têm clientes muito leais e dedicados, que são realmente apaixonados pelo negócio. Então essas empresas também não precisam gastar muito dinheiro com marketing. Além disso, elas atraem os melhores fornecedores. Outras empresas vão tentar usar o seu poder para apertar o fornecedor, para conseguir o preço mais baixo possível, e pagá-lo depois do maior tempo possível. Já as empresas conscientes tratam bem os fornecedores.

EXAME.com - Como essas ideias podem ser aplicadas para pequenas e médias empresas?

Raj Sisodia - Qualquer empresa pode ter um propósito maior. Todo negócio tem sempre pessoas, e você pode pensar no seu pessoal como o seu propósito. Como? Criando uma boa vida para essas pessoas, medindo seu sucesso pelo tanto que você melhora a vida delas. Muitos dos que vêm às nossas conferências são empreendedores que têm pequenos negócios. São pessoas que não começam um negócio apenas para ganhar dinheiro, elas querem fazer a diferença.

EXAME.com - Na sua opinião, o que significa ser um empreendedor?

Raj Sisodia - Basicamente, o empreendedor tem o sonho de fazer o mundo um lugar melhor, através do produto ou serviço que oferece. Se ele estiver certo, aquilo vai criar valor para o cliente e também oportunidades para as pessoas trabalharem. São pessoas que tomam riscos pessoais enormes, investem todo o seu dinheiro, o seu tempo, em boa parte dos casos não recebem nenhum pagamento.

Se nós não tivéssemos pessoas tomando esses riscos, não evoluiríamos como seres humanos. Em que mundo nós viveríamos sem o empreendedorismo de pessoas como Thomas Edison, os irmãos Wright, e todos os outros que foram pioneiros em indústrias totalmente novas? Na maioria dos casos, os empresários são criticados, são tratados como trapaceiros, gananciosos, egoístas. Mas os empreendedores são heróis do nosso mundo, e tem sido assim nos últimos séculos. Nós precisamos reconhecê-los e celebrá-los.

EXAME.com - O Brasil passa por um período de crise econômica. Como um negócio consciente sobrevive na crise?

Raj Sisodia - É nesses momentos difíceis que o caráter da empresa é revelado. Nos tempos de crescimento, qualquer empresa pode tratar bem as pessoas. Os negócios conscientes têm uma cultura forte, têm a confiança dos funcionários, dos clientes e dos fornecedores. É quase como uma família. Quando chegam os tempos difíceis, o que uma família faz? Todos sacrificam algo e se unem para sobreviver.

Na crise de 2008 e 2009 nos Estados Unidos, a maior parte das empresas conscientes não teve demissões massivas. Uma dessas empresas, em vez de demitir 20% do pessoal, pediu para todos tirarem um período de férias não remuneradas, para que a empresa pudesse economizar algum dinheiro. Com isso, todos tiveram um sentimento de sacrifício compartilhado. Se todos têm que fazer um sacrifício, as pessoas não se importam em se sacrificar também. O problema é quando um tem que sacrificar tudo, enquanto o outro não sacrifica nada.

EXAME.com - Como uma atitude como esta ajuda a empresa a superar a crise?

Raj Sisodia - As crises não duram para sempre. Então, quando esse período difícil acaba, a empresa está numa posição muito mais forte. As outras empresas, que demitiram 25% dos seus empregados, agora estão desesperadas tentando contratar de novo, não conseguem dar conta dos pedidos dos seus clientes porque não têm pessoal. Nas companhias conscientes, os funcionários já estão todos em seus lugares, então elas acabam ganhando uma fatia do mercado. Essas empresas pegaram algo negativo e transformaram em positivo.

EXAME.com - Como o capitalismo consciente pode ser aplicado em países em desenvolvimento como Brasil ou Índia?

Raj Sisodia - Esse conceito é essencial para os países em desenvolvimento. Por duas razões: a primeira é que muitos desses lugares estão adotando as ideias do capitalismo de livre mercado. Mas, em muitos casos, ainda adotam o velho capitalismo, e por isso estão destinados a cometer os mesmos erros do capitalismo de estilo americano, centrado no investidor, que tem uma série de efeitos negativos. A vantagem que temos em países em desenvolvimento é que podemos tirar vantagem dos erros dos outros, do que já foi aprendido. Esses países precisam aproveitar essa oportunidade.

A segunda coisa é que o impacto dos negócios na vida das pessoas é ainda maior nesses países. Porque nos países em desenvolvimento você não tem uma rede de seguridade social, não tem um governo rico que provém um nível básico de saúde e educação, as pessoas estão muito próximas do limite, e por isso o impacto de uma empresa na vida delas é ainda maior.

EXAME.com - O economista Thomas Piketty, autor de “O capital no século 21”, ficou conhecido por discutir o capitalismo atual, e não é tão otimista. Segundo ele, o capitalismo possui uma tendência à concentração de renda e ao aumento da desigualdade. O que acha disso?

Raj Sisodia - Acho que o capitalismo tradicional, se você tem uma mentalidade de maximização dos lucros, se você acha que é disso que se trata o seu negócio, então isso pode resultar em usar as pessoas, pagar a elas o mínimo possível e tirar todo o valor que elas criam para você. Acho que o capitalismo tradicional tem esse perigo. Mas a resposta para isso não é o socialismo, é o capitalismo consciente. Porque o socialismo não funciona. Se você tem apenas a igualdade como objetivo, todos serão igualmente miseráveis. A liberdade tem que ser um valor maior.

EXAME.com – Qual a resposta do capitalismo consciente para esse problema?

Raj Sisodia – As empresas conscientes pagam bem os seus funcionários, e tendem a ter uma diferença menor entre os que ganham mais e os que ganham menos. Nos Estados Unidos, a maioria das empresas tem uma diferença salarial de 375 para 1. Nas empresas conscientes, essa diferença é de 20 para 1. Elas pagam mais para as pessoas da base, e pagam menos para as pessoas no topo. Acredito que Piketty diagnosticou o problema, mas não gosto do tratamento que ele sugere.

EXAME.com - O senhor nasceu na Índia, um país em que a espiritualidade está mais presente no cotidiano das pessoas do que na maior parte do ocidente. O que o capitalismo consciente tem a ver com espiritualidade?

Raj Sisodia - Há milhares de anos, já existiam mestres na Índia que pensaram profundamente sobre muitas dessas questões. Sobre trabalho, liderança, esse tipo de coisa. E isso é uma coisa que eu, mesmo sendo da Índia, não sabia. Fui educado num sistema educacional católico, e meus pais não falavam sobre a sabedoria indiana em casa.

Mas, em 2007, quando escrevi “Empresas Humanizadas”, eu fui até a Índia e mostrei o livro para um professor que conheci na escola de negócios. Ele leu e disse: ‘Tudo o que você escreve já foi escrito há 4 mil anos, está tudo no Bhagavad Gita [livro religioso hindu]’. E foi então que eu comecei a ler mais sobre sabedorias antigas, não só indianas, mas também o judaísmo, a tradição sufi, o budismo.

Nós precisamos misturar o melhor da eficiência e da modernidade que o capitalismo tem, especialmente no ocidente, com a sabedoria antiga do oriente, que fala sobre significado, propósito, bem-estar espiritual e emocional, que fala sobre viver em harmonia com a natureza e pensar nas próximas gerações.

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