Darci Schneid, da Sirtec: "Trabalhar nunca me assustou” (Endeavor)
Mariana Fonseca
Publicado em 9 de dezembro de 2016 às 06h00.
Última atualização em 16 de dezembro de 2016 às 14h30.
Não faz muito tempo, a Sirtec fechou um ano com um lucro de R$ 3 milhões. Darci Schneid ficou tão satisfeito que resolveu dividir parte do montante com seus 1 300 funcionários. Quando compartilhou o plano com seus conhecidos, a reação da maioria era controversa:
“Você está louco, Darci. Vai dar R$ 2 mil para cada um, não vai fazer diferença para eles. Se o lucro ficasse todo para você, aí sim faria diferença.”
Mas, sobre o dinheiro, Darci estava decidido: "Ele não é só meu."
O episódio acaba sendo um reflexo da preocupação de Darci com o bem-estar das pessoas, um valor que ajudou a Sirtec — uma empresa que constrói e mantém redes elétricas em locais rurais e urbanos — a dar um grande salto.
Darci não tinha tantas referências empreendedoras em São Lourenço do Sul, área rural do Rio Grande do Sul, onde nasceu. Tinha, no entanto, um tio dono de uma marcenaria, que sempre o provocava: “Se você só fizer o que os outros mandarem, você não vai fazer nada de relevante na vida.”
Por essas e outras, desde muito novo, sempre fez questão de estudar. Darci cresceu na roça, em uma região de colônia. Aprendeu alemão antes do português — tradição do bisavô, que também passou valores éticos muito fortes de geração em geração.
Não havia energia elétrica por lá, então não era comum armazenar comida, por exemplo. Picolé? Só no inverno. O truque era fazer o suco de limão e deixar do lado de fora da casa em uma caneca de alumínio. Se tivesse geada à noite, na manhã seguinte a guloseima era certa.
Em São Lourenço, quando as crianças concluíam a 4ª série, se quisessem continuar, precisavam ir até uma cidade próxima. Darci foi morar na casa de outra família para poder estudar, mas nesse meio tempo sua mãe adoeceu e faleceu. Ele tinha apenas 10 anos e teve que decidir se saía ou não da escola para ajudar em casa.
Apesar do momento difícil, não retornou. Pelo menos não até terminar o que, na época, era a 8ª série. De volta à chácara, plantava feijão, soja, milho, mas queria mesmo era continuar sua formação. Tinha o sonho de fazer um curso técnico, só que a escola era em Pelotas, onde também era o exame de admissão. Para o pai, Darci já havia estudado o suficiente.
Toda manhã, quando acordavam para cuidar da lavoura, o menino insistia em pedir para ir à cidade para fazer a inscrição, mas o pai nem dava resposta. Os dias iam passando, o prazo se aproximando, e nada. Darci nunca tinha ido a Pelotas, mas sabia que o ônibus passava às 11h.
Às 9h de uma quarta-feira, último dia para inscrição, seu pai largou a enxada de lado: “Então tá, guri, vai lá tomar um banho e vamos para a cidade”.
Chegando lá, pegou carona com um caminhoneiro que o explicou onde tinha que ir. O sotaque alemão era tão forte que ficou difícil se virar.
Anos depois, seu pai admitiu que só concordou em levá-lo porque pensava que não seria aprovado. Mas Darci não só passou no exame, como recebeu o apoio do pai, que arrumou uma pensão para o filho ficar. Só que rapidamente o garoto fez amigos, passou a focar mais em se divertir que em se aplicar aos estudos e o comportamento de bom aluno que sempre teve começou a deixar a desejar. No 4º semestre, precisou negociar com o professor um ponto que faltava para não bombar.
“Nem que faltasse só um décimo eu daria. Você pisou na bola e vai ter que aprender com isso”, foi a resposta. Darci aprendeu e retomou um valor que já havia herdado de seus pais: sempre fazer por merecer.
As primeiras obras elétricas que Darci realizou foram ainda na escola técnica. Como parte de um projeto de pesquisa, ele e o professor visitavam regiões afastadas e mobilizavam mutirões de moradores para montar e instalar as redes.
Por conta desse conhecimento, Darci foi estagiar na Prefeitura de Pelotas e logo depois foi procurado pela de São Borja, uma cidade na fronteira com a Argentina que tinha a missão de eletrificar o campo para desenvolver o agronegócio.
Só que, na prefeitura, sentia que não tinha liberdade suficiente ou grandes desafios. Mesmo que não concordasse com alguma atividade, ele tinha que fazer. Logo lembrou das palavras de seu tio:
“Se você só fizer o que os outros mandarem, você não vai fazer nada de relevante na vida.”
Bom, se algo está ruim, o jeito é mudar — mesmo que aos poucos. Com uma moto e um fusca, Darci começou fazendo projetos aos fins de semana em municípios próximos, mais ou menos no mesmo modelo que deu certo na escola técnica, com mutirões. O sucesso se repetiu, mas ele tinha apenas 23 anos e a insegurança de deixar seu emprego era alta.
Recorreu a pessoas que admirasse para pedir conselho. Entre elas, estava o Seu João, prefeito de uma cidade vizinha que havia acabado de se emancipar. Seu João era um homem muito simples, mas de uma enorme sabedoria: "Darci, se tu continuar trabaiando direitin, como tu sempre trabaiô, tu vai conseguir chegar onde tu quer."
Darci sabia o que ele queria dizer com “direitinho”: valores éticos e princípios como os que seus pais e avós o ensinaram. Ali, ele confirmou que isso guiaria toda a sua carreira empreendedora.
Quando pediu demissão, o garoto já tinha um caminhão velho — carinhosamente apelidado de Azulão –, que comprou como sucata de um concorrente, e foi atrás de clientes para a Sirtec.
Para o empreendedor, aquela era uma tentativa de um trabalho que pudesse trazer maior realização. No entanto, como não tinha esposa, filhos nem ninguém que dependesse de sua renda, o sentimento era de “se não der certo, o problema é meu”.
Nada foi planejado. “Eu tinha apenas muita vontade, mas nenhum capital”, diz. Ninguém achava que ia dar certo, já que por alguns meses esteve tudo nas mãos de Darci. “Trabalhei muito. Fazia projeto, subia no poste, atendia cliente, fechava contrato. Trabalhar nunca me assustou.”
Apesar disso, Darci confessa que, se tivesse alternativas mais fáceis que empreender, poderia ter desistido. “Um pouco vinha da minha determinação de fazer acontecer, um pouco era ‘agora fica feio eu voltar atrás’.”
Menos de um ano depois da abertura da Sirtec, Darci organizou um churrasco para seus funcionários e pediu para que levassem suas famílias. Uma foto foi tirada e revelada dias depois. “Eu contei todo mundo que estava na foto e dava 17 pessoas”, conta.
De repente, veio uma epifania: “Poxa vida, se der errado o problema não é só mais meu. Todas essas pessoas estão contando comigo."
A partir desse dia, Darci passou a encarar seu negócio com outros olhos. Talvez aquela pudesse ser uma empresa grande.
No início, o único recurso disponível para desenvolvimento empreendedor em São Borja era o Sebrae. Qualquer curso que aparecia por lá, ele ia — até decoração de vitrine entrou para a lista. Corria atrás dos professores para tirar um pouco mais de conhecimento deles e devorava todos os livros aos quais tinha acesso.
Um dos aprendizados dele, nesse meio tempo, foi que, para vender bem, é preciso comprar bem. “Tinha um fornecedor que me dizia: ‘Você é o cara que mais me dá problema na hora de vender, mas pelo menos não me dá problema depois. Tem gente para quem eu vendo fácil, mas depois não recebo.”
E se o negócio começou sem planejamento, para crescer, passou a depender de sistemas, operação e liderança fortes. Às vezes, essas lições vinham acompanhadas de decisões bastante difíceis.
Na hora de implementar um ERP, por exemplo, Darci precisou colocar na balança os custos e os resultados. Isso porque o custo do sistema era equivalente ao lucro da empresa nos 18 meses anteriores. Muita gente desaconselhava, mas ou a Sirtec se tornava mais robusta e tecnológica, ou estagnaria. “Entre arriscar perder e arriscar acertar, sempre vou arriscar acertar.”
Quando identificou a demanda para expandir a Sirtec para o Nordeste, de novo encontrou as vozes que o chamavam de louco. Darci, no entanto, preferia pensar no impacto que poderia causar: “Eu sabia que teria dificuldades, mas não consigo pensar ‘lá não é bom, lá não vou’. Se tem oportunidade, o desafio não me abala.”
O crescimento, por sinal, é parte da estratégia de perpetuidade da Sirtec. “O negócio não é mais meu, tem que continuar. Temos obrigação de crescer”, explica.
Por falar em fazer o bem, como mostra a história que abre esse texto, a atenção às pessoas começa dentro da empresa. Darci diz que conseguiu chamar para perto pessoas boas, mas muito da cultura da Sirtec vem de seu próprio exemplo e abertura.
Para garantir um bom ambiente de trabalho, o empreendedor aposta na transparência e na simplicidade que carrega desde a infância. “Me sinto bem estando no meio de todo mundo e o pessoal confia em mim por isso”.
Toda semana, por exemplo, Darci prepara um café da manhã em todas as bases da operação. Não tem convocação, não se fala de trabalho. Vai quem quer. “Também nunca atrasamos o pagamento de salário de ninguém. Em uma empresa de mão de obra, isso faz muita diferença”, conta.
Não à toa, pela terceira vez a Sirtec está entre as melhores empresas para se trabalhar no país.
Além disso, é uma preocupação também conectar cada um à missão da empresa. Às vezes, o eletricista precisa sair de madrugada, na chuva, para subir em um poste. Darci os convida sempre a olhar para dentro da casa que está sem luz.
“Pode ser que ele esteja salvando uma senhora que está precisando de seu respirador, ou ajudando o dono de um pequeno restaurante que está perdendo toda a comida que tem no estoque. Quanto melhor fornecemos, mais a gente faz o bem para as pessoas.”