João Francisco dos Santos, da Cianet: "Mostrei aos bancos o histórico de crescimento da empresa para barganhar taxas menores nos empréstimos de curto prazo para capital de giro" (Michel Teo Sin)
Da Redação
Publicado em 17 de dezembro de 2012 às 05h00.
São Paulo - Nos últimos meses, os quatro empreendedores que aparecem nas próximas páginas se envolveram em longas conversas com fornecedores, bancos e instituições financeiras para renegociar condições de pagamento de compras a prazo, empréstimos e financiamentos de suas empresas. O objetivo deles era diminuir os custos com juros. Deu certo, e a redução das despesas financeiras abriu caminho para que pudessem tornar seus negócios mais eficientes e competitivos.
Esta é a hora ideal para renegociar. De julho de 2011 a outubro, a taxa básica de juro caiu de 12,5% para 7,25% ao ano, um dos patamares mais baixos da história. Em abril deste ano, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal reduziram as taxas dos empréstimos às empresas. Em seguida, grandes bancos privados fizeram o mesmo.
"Os juros estão caindo, e as pequenas e médias empresas que aproveitarem para diminuir o custo do capital ficarão mais competitivas", diz Thomas Olsen, sócio da consultoria Bain & Company. Uma pesquisa feita em outubro mostrou que os donos de boa parte dos negócios emergentes estão fazendo isso.
Entre as empresas aptas a entrar no estudo que aponta os pequenos e médios negócios que mais crescem no Brasil, feito por Exame PME com a consultoria Deloitte, mais de 30% dos respondentes tinham renegociado com bancos e fornecedores, reduzido o custo de produção e aumentado as vendas em consequência dos juros menores. Veja, nas próximas páginas, exemplos de empreendedores que souberam quem procurar, como negociar e o que propor para o outro lado da mesa.
Para comprar mais barato
Como negociar com os fornecedores para diminuir os custos
O paulistano Vinicius Bertaglia, de 38 anos, é o tipo de empreendedor que gosta de pechinchar. Ele é sócio da Mentha Pimentha, rede de lojas de calçados com sede em São Paulo. Fundada em 2009, a rede hoje tem 11 lojas franqueadas. De três em três meses, antes do lançamento das coleções de cada estação, Bertaglia faz uma rodada de negociações com os fornecedores.
Nessas ocasiões, ele apresenta projeções de crescimento da Mentha Pimentha, além de gráficos sobre a evolução das vendas nas lojas e os contratos fechados com novos franqueados. Depois, inicia uma espécie de leilão para conseguir o melhor preço dos fabricantes de calçados, que competem entre si para poder atendê-lo.
"Minhas lojas vendem milhares de pares de sapatos por ano, e estamos crescendo rapidamente", diz ele. "Uso isso como trunfo para pagar mais barato." Com essa estratégia, Bertaglia consegue renovar seus estoques a preços até 15% inferiores aos da tabela dos fabricantes.
No fim do ano passado, Bertaglia decidiu acrescentar um item na pauta das negociações. Além dos preços, ele queria discutir as condições de pagamento nas compras parceladas. "Quando os juros começaram a cair, achei que era a hora ideal para diminuir meus custos financeiros", diz Bertaglia.
Ele pediu aos fornecedores prazos de pagamento maiores sem juros adicionais ou então mais descontos nas compras à vista. "Alguns fornecedores aumentaram de 5% para 10% os descontos nos pedidos pagos à vista", afirma. "Outros preferiram ampliar o prazo de pagamento, que foi estendido de 60 para até 75 dias."
Bertaglia repassou os ganhos para os consumidores. As novas condições permitiram à Mentha Pimentha baixar o preço médio dos calçados de 189 para 169 reais, o que ajudou a empresa a aumentar as vendas — em 2012, suas receitas devem chegar a 9 milhões de reais, 40% mais que no ano passado.
A possibilidade de renegociar as condições de pagamento com os fornecedores é um dos aspectos da queda da taxa de juro que muitas vezes podem passar despercebidos. "Ao comprar a prazo, muitos empreendedores não prestam atenção nos custos financeiros embutidos nas prestações", diz Maurício Galhardo, sócio da consultoria Praxis Business, especializada em finanças e varejo.
Casos como o da Mentha Pimentha mostram como empresas com um bom histórico de crescimento podem usá-lo nas negociações com os fornecedores. "Não queremos perder um bom cliente, que tem potencial para aumentar suas compras no curto prazo", diz Osvaldo Nálio, de 49 anos, dono da fabricante de calçados Valéria Prado e fornecedor da Mentha Pimentha. "Por isso, aumentamos os prazos de pagamento sem cobrar mais por isso."
Para deixar a empresa enxuta
Como reduzir as despesas com juros e aumentar a rentabilidade
Uma das principais preocupações do catarinense João Francisco dos Santos, de 59 anos, é aumentar a rentabilidade de sua empresa, a Cianet, com sede em Palhoça, na Grande Florianópolis. Seu negócio é produzir equipamentos de redes de comunicação usados por provedores de internet e companhias telefônicas, entre outros tipos de cliente.
"No nosso mercado, sofremos uma forte concorrência dos produtos importados da China", diz ele. "Qualquer redução de custos, por menor que seja, é importantíssima para que possamos preservar nossas margens de lucro."
Por causa da pressão dos concorrentes, nos últimos anos Santos já fez um pouco de tudo para manter os custos sob controle — ele concentrou as compras num pequeno grupo de importadores para diminuir os gastos com fretes e reviu processos para ganhar mais eficiência na produção, entre outras medidas.
Todo o esforço ajudou a manter o lucro líquido da Cianet na faixa de 5% do faturamento. "Estava ficando difícil encontrar mais custos para cortar sem prejudicar a qualidade dos produtos", diz ele. Na metade do ano passado, Santos enxergou uma possibilidade de melhorar seus resultados ao se concentrar em despesas onde ainda não havia passado a tesoura — os juros pagos pelos empréstimos que a empresa faz periodicamente para compor seu capital de giro e comprar matérias-primas.
Para a Cianet, essas linhas de financiamento de curto prazo são fundamentais. "Quando as empresas que meus clientes atendem fazem uma encomenda, geralmente têm urgência para consertar uma rede ou ampliar a infraestrutura de comunicação", diz Santos. "Precisamos ter boa parte dos nossos produtos em estoque para pronta-entrega."
Em muitos casos, entre a compra da matéria-prima, a fabricação de um produto, a venda e o recebimento do cliente, passam-se mais de nove meses.
O pagamento de juros dos empréstimos tomados para não deixar o caixa descoberto nesse tempo todo consumia cerca de 2% do faturamento da empresa. A queda nas taxas de juro de mercado a partir da metade do ano passado abriu espaço para diminuir esse custo.
"Nesse momento, uma das formas mais eficientes de diminuir as despesas é buscar crédito mais barato", diz Thomas Olsen, especialista em finanças e sócio da consultoria Bain & Company. "O momento é ideal para revisar contratos com as instituições financeiras."
Depois de semanas de conversas, Santos conseguiu diminuir as taxas de juro e alongar os prazos de pagamento nos empréstimos de capital de giro. O resultado foi que o custo financeiro da Cianet em 2012 caiu 16% em relação ao ano passado. Com o corte nas despesas financeiras, a rentabilidade da empresa aumentou 20% em relação a 2011.
Parte dos ganhos foi repassada aos clientes. "Decidi aumentar o prazo médio de pagamento oferecido aos clientes de cinco para nove meses", diz Santos. "Com isso, em vez de crescer 45% em 2012, como prevíamos, vamos encerrar o ano com faturamento 65% maior do que o do ano passado."
Ao negociar com os bancos, Santos tinha bastante o que mostrar. Em 2009, a empresa recebeu um aporte de capital do Criatec, fundo que investe em pequenos negócios com potencial de crescimento. Desde então, a Cianet começou a publicar balanços, analisados por auditores independentes.
Os números mostravam que, nos últimos três anos, o faturamento da empresa cresceu 115%, chegando a 10 milhões de reais em 2011. "Os resultados consistentes que apresentamos nos ajudaram a ter uma negociação melhor", diz Santos.
Apresentar os números do negócio de forma transparente foi um argumento importante para que a Cianet conseguisse obter vantagens na renegociação com os bancos. Quando uma empresa apresenta uma trajetória de crescimento e lucratividade consistente, os credores tendem a concluir que o risco de a empresa não ter dinheiro para pagar as dívidas é baixo — consequentemente, abrem-se mais possibilidades de melhorar as condições dos empréstimos.
"Empresas que conseguem demonstrar índices de lucratividade crescentes aumentam também suas chances de pagar as contas em dia e investir mais na expansão", afirma Cibele Gaspar, gerente de negócios empresariais do Banco do Nordeste.
Para atrair novos clientes
Como melhorar as condições de pagamento e ampliar as vendas
Foi nas ruas e vielas da periferia das grandes cidades que o empreendedor Vladimilson Reis de Oliveira, de 34 anos, encontrou espaço para o crescimento de sua empresa, a fabricante de carrocerias Fusco-Motosegura, de São Paulo. Seu principal produto é uma minicarreta de duas rodas.
Acoplado a uma moto, o equipamento torna-se um veículo de transporte que pode chegar aonde carros e caminhões não circulam, como as ruas estreitas do centro histórico de Salvador e as ladeiras das favelas do Rio de Janeiro.
Entre os clientes da empresa há desde concessionárias de serviços públicos, que usam as minicarretas para coletar lixo em locais de difícil acesso, até distribuidoras de botijões de gás e água mineral, além de vendedores autônomos de coco verde e sorvete. "Tenho clientes de todos os tipos e tamanhos", diz Oliveira.
Cada unidade fabricada pela Fusco-Motosegura custa de 6.000 a 9.000 reais, um investimento alto para um pequeno comerciante ou vendedor autônomo. "Esse tipo de cliente só consegue comprar de mim se pagar em prestações", diz Oliveira. Até recentemente, ele tinha dificuldade de encontrar linhas de crédito adequadas aos clientes com menos dinheiro em caixa.
"Passei muitos anos usando apenas meu próprio capital para bancar as vendas a prestação", diz Oliveira. "Era uma limitação para o crescimento do negócio. O prazo máximo que eu conseguia oferecer eram quatro meses."
Em situações como essa, é comum que os clientes busquem algum modo de parcelar suas compras — recorrer a empréstimos bancários costuma ser uma das opções. No caso da Fusco-Motosegura, não era tão simples assim. Como as minicarretas não têm motor, não podem ser enquadradas nas linhas de financiamento de veículos.
Outra possibilidade eram os empréstimos subsidiados pelo governo para a aquisição de máquinas e equipamentos, como os concedidos pelo BNDES, mas também não se mostraram uma boa alternativa para os clientes de Oliveira. "Os bancos de fomento do governo, que costuma liberar o dinheiro, exigem muita papelada do empreendedor para autorizar o empréstimo", diz ele. "Nossos clientes raramente conseguem lidar com a burocracia."
Há dois anos, Oliveira começou a negociar com empresas como Visa e Mastercard para que os clientes pudessem comprar as minicarretas no cartão de crédito, pagando em até 12 prestações. O problema é que as operadoras cobravam juros de até 3% ao mês. Com isso, o custo do equipamento ficava alto demais, afastando potenciais compradores.
Oliveira, então, desistiu. No final do ano passado, à medida que o dinheiro começou a ficar mais barato, ele voltou a conversar com as operadoras. "Consegui cortar as taxas de juro para 1,4% ao mês, menos da metade do que era cobrado antes", afirma ele.
Desde então, as vendas com cartão de crédito deslancharam, e em 2012 devem representar cerca de 10% do faturamento da Fusco-Motosegura — as receitas da empresa devem chegar a 10 milhões de reais, 40% mais do que no ano passado.
Para diminuir os juros do financiamento, Oliveira precisou provar às operadoras de cartão de crédito que os índices de inadimplência de seus clientes eram baixos. "Nos casos em que eu financiava o parcelamento com capital próprio, em média apenas um em cada 50 clientes deixava de pagar alguma das prestações", diz ele.
Os números serviram para mostrar que o risco da clientela da Fusco-Motosegura era pequeno, o que facilitou a negociação. "Mesmo que os juros no mercado estejam caindo, nenhuma instituição financeira vai dar condições de pagamento melhores a quem provavelmente não terá como pagar", afirma Artur Lopes, da consultoria Artur Lopes e Associados, especializada em finanças de pequenas e médias empresas.
Histórias como a da Fusco-Motosegura mostram como a queda nos juros pode ajudar as empresas a atrair novos clientes entre as pessoas que têm pouco dinheiro para gastar. "O crédito mais barato vai permitir que os empreendedores deem mais prazo aos consumidores", diz Fernando Macedo, da Expense Reduction Analysts, consultoria especializada em finanças. "Desse modo, mais produtos e serviços ficarão acessíveis à população de baixa renda."
Para crescer mais rápido
Como conseguir limites de crédito mais altos para acelerar a expansão
No calendário do paulista Francisco Molina, de 44 anos, dono da fabricante de cosméticos profissionais Knut, o dia de pagar as contas quase sempre chega antes da data prevista para receber o dinheiro de sua clientela, em boa parte formada por distribuidoras e perfumarias.
Cerca de 70% das matérias-primas usadas pela empresa, com sede em Bauru, no interior paulista, são importadas. A maioria das importadoras exige pagamento à vista — mas a Knut vende a prazos muitas vezes maiores que 60 dias.
Para complicar as coisas, a empresa também precisa usar seus próprios recursos para investir no desenvolvimento de novos produtos. Em média, são feitos 15 lançamentos por ano de itens como xampus, condicionadores e cremes para cabelos. "O desenvolvimento de cada nova linha consome pelo menos 36.000 reais de investimento", diz Molina. "É quase impossível equilibrar o fluxo de caixa desse jeito."
Em 2012, as receitas da Knut devem chegar a 6 milhões de reais, 50% mais do que no ano passado. Como é comum em muitas pequenas e médias empresas, a Knut precisa de dinheiro de terceiros para financiar a expansão. Encontrar capital não é uma tarefa fácil. Na edição deste ano da pesquisa As 250 Pequenas e Médias Empresas Que Mais Crescem, feita por Exame PME em parceria com a consultoria Deloitte, os empreendedores apontaram a dificuldade para captar recursos como um dos principais entraves ao crescimento dos negócios.
Para cobrir os rombos no caixa da Knut, muitas vezes era preciso dar um carro, o imóvel da empresa ou seu maquinário como garantia. "Estava chegando a um ponto em que eu não tinha mais o que oferecer", diz Molina. "Quanto mais necessidade de capital de giro eu tinha, mais garantias os bancos exigiam."
Uma das consequências da queda das taxas de juro foi o rearranjo das peças no tabuleiro do setor bancário. O custo mais barato do dinheiro motivou bancos como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil a fazer menos exigências para liberar empréstimos a pequenas e médias empresas.
"Agora aceitamos apenas um avalista", diz Roberto Derziê de Sant’Anna, diretor de pessoa jurídica da Caixa Econômica Federal. Em outros casos, muitos bancos passaram a aceitar evidências que demonstrem que a empresa que está solicitando um empréstimo é sólida o bastante para quitá-lo. Podem ser colocadas na mesa de negociação, por exemplo, duplicatas a receber e contratos de longo prazo com clientes respeitados — entre outras garantias não reais, como são chamados esses documentos.
Para demonstrar que a Knut é digna de confiança, Molina tomou uma atitude inteligente. No começo deste ano, decidiu juntar as finanças da Knut em apenas dois dos cinco bancos em que a empresa chegou a ter contas. "Fiz isso para ganhar poder de barganha na negociação das taxas de juro e de tarifas", afirma Molina.
Hoje, os dois bancos são responsáveis por todas as operações financeiras da Knut — desde a folha de pagamentos e o plano odontológico dos 67 funcionários até o seguro dos automóveis. "Quanto mais negócios uma empresa tem com um único banco, melhores são suas condições para conseguir empréstimos", diz Carlos Eduardo Maccariello, diretor de produtos para empresas do banco Itaú.
Ao concentrar suas operações em poucas instituições, Molina deu aos bancos algo valioso — informações sobre a saúde da empresa. Os gerentes que cuidam da conta da Knut agora sabem quanto ela fatura, se as vendas estão crescendo e se os clientes pagam as contas em dia — algo que era mais difícil de acompanhar quando as operações financeiras estavam pulverizadas em várias instituições diferentes.
Conversa aqui, conversa ali, Molina conseguiu convencer seus dois gerentes a tratar sua empresa com a deferência que ele sempre achou merecida. "Consegui empréstimos de valores mais altos", diz Molina. "E eles são garantidos pela própria movimentação financeira que o crescimento da Knut pode proporcionar."
Feitas as contas, os juros médios cobrados da empresa nos empréstimos de capital de giro passaram de 2,8% ao mês, no final do ano passado, para 1,7%, nos últimos meses. "Economizaremos 40% ao ano em despesas financeiras”, diz Molina. “Vamos ter mais fôlego para investir na operação."