Vivian (sentada) e Camila com seus dois filhos, Nicolas e Laura (Raphael Günther / EXAME PME)
Da Redação
Publicado em 27 de fevereiro de 2014 às 19h47.
São Paulo - A psicóloga Jacqueline Dallal Mikahil, de 49 anos, viaja pelo menos seis vezes por ano ao exterior para visitar hotéis, resorts e empresas que organizam passeios em lugares bacanas, como a savana africana e as ilhas banhadas pelo oceano Índico.
Ela vai conhecer os fornecedores da Be Happy Viagens, sua agência de turismo com sede em São Paulo. Fundada há 18 anos, a Be Happy vem crescendo ao se especializar em roteiros para lua de mel. "Cuidamos de todos os detalhes, e é por isso que faço questão de conhecer quem receberá nossos clientes", diz Jacqueline.
Recentemente, Jacqueline ampliou a lista do que verificar. Ela quer saber se os hotéis e os resorts costumam receber casais gays e quais restaurantes e bares da região são mais receptivos a homossexuais que chegam a passeio. Em 2013, o número de casais de homossexuais que fecharam pacotes de lua de mel na Be Happy praticamente dobrou em relação a 2012.
Eles respondem por 5% do faturamento da empresa, que em 2013 alcançou receita de 5 milhões de reais — 12% mais do que no ano anterior. A maior parte dos gays que chega à Be Happy quer lugares tranquilos, como Polinésia Francesa e Maldivas.
"É lindo, mas sai proporcionalmente mais caro do que Orlando ou o circuito Nova York-Paris-Londres-Roma", afirma Jacqueline. “Eles disseram que já conhecem isso tudo e que preferem pagar mais e ficar num lugar bem romântico." Jacqueline diz que, feitas as contas, os casais homossexuais gastam num pacote turístico em média 50% mais do que os heterossexuais.
Um estudo da consultoria paulistana Cognatis mostra que, de fato, os gays têm mais dinheiro para gastar. Segundo a Cognatis, a renda mensal média familiar dos casais de mesmo sexo é de 5.208 reais, quase o dobro de uma família formada por casal heterossexual. A consultoria usou como base os dados do Censo de 2010, que identifcou quase 68.000 casais autodeclarados gays.
Foi a primeira vez que o formulário tinha um campo para o entrevistado assinalar se tinha ou não um companheiro do mesmo sexo. "Responder é opcional, portanto é de esperar que existam muito mais casais homossexuais do que os que se autodeclararam", diz Reinaldo Gregori, da Cognatis. É possível que, numa próxima ocasião, mais casais entrevistados queiram responder à pergunta.
Em maio de 2013, uma resolução do Conselho Nacional de Justiça passou a obrigar os cartórios do país a celebrar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A resolução veio regulamentar uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que em 2011 reconheceu a união civil entre homossexuais.
Padrões de comportamento dos gays brasileiros ganham visibilidade conforme aumenta o interesse dos demógrafos e de profissionais de marketing por esse grupo de consumidores. A pesquisa da Consumoteca, feita em parceria com Exame PME, aferiu que os casais homossexuais que vivem relações estáveis e assumidas não querem ser tratados de forma especial — é justamente o contrário.
"A maioria dos casais que entrevistamos não vê sentido em produtos e serviços específicos para gays", diz Michel Alcoforado, da Consumoteca. "Eles querem entrar numa loja e ser atendidos normalmente, sem cara de espanto ou constrangimento."
A jornalista Vivian Fiorio, de 32 anos, e a gestora financeira Camila Ribeiro de Souza, de 30, pensam exatamente assim. Elas se conheceram em 2008 e, no ano seguinte, colocaram a relação no papel. A ocasião foi celebrada com uma festa na cidade natal de Camila, São Lourenço, em Minas Gerais. "Reunimos 50 convidados, entre amigos e parentes", diz Vivian. "A festa foi organizada pela mãe da Camila, que cuidou da comida, do bolo, da música e da decoração."
Hoje, Vivian e Camila moram em São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba. No ano passado, elas financiaram a compra de uma casa com cinco cômodos, área de serviço, quintal e casinha para cachorro. É lá que elas criam seus dois filhos adotivos — Nicolas, de 8 meses, que chegou em outubro de 2013, e Laura, de 3 anos, que está com elas desde junho de 2012.
Segundo a Cognatis, dos casais brasileiros que se autodeclaram gays, 20% têm flhos. Nos Estados Unidos são 16%. Em muitos casos, eles recorrem à fertilização em laboratório. A procura tem aumentado na clínica paulista de reprodução humana IPGO, cujo faturamento está em estimados 6 milhões de reais por ano.
De acordo com o dono da IPGO, o médico Arnaldo Cambiaghi,de 61 anos, os casais homossexuais representaram 15% do total de clientes atendidos em 2013. "Três anos antes, eles não representavam nem 5% do total de procedimentos."
O aumento dos tratamentos no mercado se deve, em parte, a uma resolução que desde maio de 2013 passou a liberar as clínicas de pedir autorização aos conselhos regionais de medicina para procedimentos de fertilização em casais homossexuais. "A nova norma ética acompanha as recentes conquistas jurídicas que garantem o direito dessas famílias", diz Eduardo Motta, da câmara técnica de reprodução assistida do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.
O que saber
Os principais hábitos dos casais homossexuais e como aproveitar seu potencial de consumo
Mito: Gays gostam de ir apenas a lugares frequentados por outros gays. Eles se sentem mais à vontade num ambiente em que se reconhecem como um grupo fechado. Para atrair sua atenção, as empresas precisam criar produtos e serviços específicos para homossexuais — e lançar campanhas de marketing em que isso fique bem evidente.
Realidade: Os casais que assumem uma relação homoafetiva não acham que a orientação sexual é determinante em seu comportamento de consumo. Eles não querem receber um tratamento diferente apenas porque são gays. Pelo contrário, querem ser atendidos normalmente, sem que o vendedor da loja faça cara de espanto ou se sinta constrangido. Eles dizem que os funcionários da maioria das empresas não foram treinados para tratá-los com naturalidade.
Oportunidade: Um quinto dos casais que se autodeclaram homossexuais no Brasil tem filhos — percentual muito parecido ao de países como os Estados Unidos. Uma das maiores demandas desses casais é por métodos de educação inclusivos, para que seus filhos aprendam desde cedo a importância de respeitar tudo aquilo que possa parecer diferente.
Entre os casais que ainda pretendem ter uma criança, há uma especial curiosidade para entender como funcionam os métodos de reprodução assistida.