Gerente de TI (Raul Junior/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 26 de novembro de 2014 às 10h36.
Sou um daqueles empreendedores ligados na tomada: pra mim tudo tem que ser feito rápido, e-mails não devem ter mais do que três linhas e começo a suar frio quando telefonemas duram mais que um minuto. Falo alto e gosto de ver a empresa igual aqueles antigos pregões de bolsa de valores. Para contextualizar, somos uma empresa que produz software de gestão para redes de ensino.
Enquanto escrevo este artigo, chega um e-mail: é um cliente do mercado público. Sobre o quê? Um e-mail pedindo as mesmas informações que eu já passei dez vezes para pessoas diferentes de vários setores desse mesmo cliente. Dez vezes! Em várias, tivemos até que autenticar tudo em cartório. Sem nem pensar em questionar, eu preencho o arquivo de Word e encaminho de volta em menos de 1 minuto. Sem esse documento o pagamento não é liberado.
Quando vou salvar o documento na pasta do cliente, vejo a data que iniciamos a prestação de serviço, 03/08/2012. Faz mais de dois anos!
Penso no desafio que foi todo o processo com esse cliente. Primeiro, a concorrência foi postergada duas vezes, com muitos meses entre elas. No chuvoso dia da concorrência, levei um amontoado com mais de 50 documentos, entre proposta, certidões infinitas, declarações e contrato social – o peso era de dar inveja a um notebook da Dell. Na hora, faltou uma certidão. Quase tive um ataque cardíaco, corri para uma salinha e felizmente consegui gerar online e imprimir!
No final, conseguimos ganhar por menor preço! Mas não ache que já pode contar com esse dinheiro. O pagamento só é efetuado depois de todo produto ser entregue, o que é um desafio particularmente relevante para empresas software, como a nossa, que tem boa parte do seu custo atrelado à implantação do sistema.
Nesse meio tempo, fechamos 200 (duzentos) contratos de instituições privadas. Isso mesmo: 200! Quando comparamos esses números, vemos ainda a grande dificuldade que empreendedores têm ao lidar com a grande burocracia do governo. Estamos sozinhos em um ambiente que conhecemos muito pouco.
Num mundo onde a capacidade de adaptação e mudança é cada vez mais necessária, vemos grandes empresas caírem uma após outra por não terem essas características (vide a RIM-BlackBerry, Motorola e Nokia, e agora a Polar, que vai ter que dar seus pulos com a entrada do iWatch).
Os Governos também precisam acompanhar a evolução do mundo a fim de se manterem eficazes nos serviços que prestam à sociedade e no uso do dinheiro do contribuinte. As evoluções tecnológicas batem à porta todos os dias, mas o tempo de qualquer negociação com o governo está na casa dos anos. Anos para aquisição de tecnologias básicas, as mais avançadas nem tenha muita esperança…
No exemplo de software de gestão para redes de ensino, nos Estados Unidos, 100% dos municípios utilizam sistemas. Aqui no Brasil, vemos que por volta de 30% têm alguma solução. Isso é uma tecnologia básica para a organização de alunos, notas e documentos, que, hoje, em geral, acaba sendo organizado em toneladas de papel, o que ajuda na ineficiência das nossas escolas públicas.
Temos muitos empreendedores no Brasil em setores que são altamente ligados à evolução e bem-estar da nação, como educação, saúde e mobilidade urbana. Entre eles, o questionamento de como fazer negócios com o Governo é uníssono. Muitos estão trabalhando com projetos gratuitos e também com apoio de fundações e institutos, como Lemann, Unibanco, Telefônica e Natura.
Mas, quando precisam caminhar pelas próprias pernas e conseguir contratos pagos com o Governo, batem em diversos obstáculos, e isso não se limita ao nível federal, estados ou municípios grandes. Encontramos tais obstáculos em órgãos, autarquias e municípios pequenos da mesma forma.
Em compensação, empresas maiores, com todo seu colchão financeiro, têm folego para passar pela burocracia, custo de aquisição alto, grande tempo de aquisição e fluxos de caixa negativos. Isso acaba limitando o mercado público às grandes empresas e desestimula o empreendedorismo e a inovação em um país que tanto precisa dela.
*Bruno Damasco é fundador e CEO da WPensar.