Alexandre Pimentel, da Marfinite: Após delimitar áreas de atuação para acabar com conflitos entre as equipes de vendas, a receita média da empresa aumentou 10% (Daniela Toviansky)
Da Redação
Publicado em 12 de junho de 2012 às 15h49.
São Paulo - Os cinco empreendedores que aparecem nas próximas páginas estão aqui para demonstrar o grau de importância da estratégia comercial para a expansão de suas empresas. Parece redundante dizer que, sem definir em que canais os produtos serão distribuídos e como serão oferecidos aos clientes, fica difícil crescer.
Mas, na maioria dos casos, a inteligência comercial das empresas se resume em contratar vendedores ou representantes e mandá-los para a rua com a missão, vaga, de vender mais. "Sem saber o que, exatamente, a empresa espera da equipe comercial, é difícil estipular metas e combiná-las com um sistema de remuneração adequado", diz o consultor Marcos Mellão, da Deal Maker.
O resultado pode ser desastroso: proliferação de descontos, custos de vendas altos demais e baixo retorno. Segundo o último estudo As Pequenas e Médias Empresas que Mais Crescem no Brasil, feito por Exame PME e pela consultoria Deloitte, em mais da metade das 250 companhias da lista o aumento da rentabilidade estava relacionado a mudanças na estratégia comercial.
"Revisar a forma como os produtos ou serviços chegam ao mercado é um bom começo para entender por que o negócio não dá o lucro esperado", diz Adir Ribeiro, da consultoria Praxis Education. "São muitas as empresas que perdem dinheiro simplesmente porque ninguém parou para refletir sobre qual é a forma mais eficaz de vender."
Para conquistar mais consumidores
Em 2007, quando lançou a marca de lingeries Luett, a gaúcha Eliane Magnan, de 38 anos, achou que poderia economizar um bocado em despesas com representantes comerciais. Primeiro, ela já contava com 40 deles, que vendiam a marca Elegance, de sua empresa de mesmo nome.
Segundo, se eles se saíam bem com uma marca 40% mais cara que a Luett, era de esperar que não tivessem muita dificuldade com uma linha mais simples. "Bastaria incluir lojas populares próximas às rotas que eles já faziam" , diz Eliane.
Chegou a funcionar assim durante alguns meses, num teste no Rio Grande do Sul. "Não deu certo", diz Eliane. "São dois mundos bem diferentes."
A Elegance é mais rentável, o que justifica que os representantes cheguem até a ajudar seus clientes a montar vitrines para ensinar a melhor forma de expor a mercadoria. O lucro da Luett vem do volume — enquanto um representante da Elegance vende um conjunto de lingerie, o da Luett vende seis. "O relacionamento é com grandes lojas de departamentos", diz ela. "A estratégia comercial é feita com base no equilíbrio entre preço e volume."
Eliane montou uma nova equipe comercial, hoje com 25 pessoas, e treinou-a para se dedicar só à Luett. No ano passado, elas venderam cerca de 650 000 peças Luett para 300 lojas multimarcas e redes de departamentos — enquanto os vendedores da Elegance fecharam contratos com 700 butiques, que adquiriram 250 000 peças.
Até agora, essa política comercial tem feito a empresa crescer. No ano passado, o faturamento da Elegance foi de 7,4 milhões de reais — praticamente o dobro em relação há cinco anos. "Cerca de 40% das receitas agora vêm da nova marca", diz Eliane.
Para avançar em novos mercados
O administrador de empresas Matheus Stadler Góis, de 33 anos, visitou várias cidades do Brasil no ano passado para repetir um ritual que aprendeu ainda criança com seu pai.
Diante de uma plateia formada por representantes comerciais e vendedores, Góis borrifava jatos d’água numa placa onde há pouco havia aplicado um impermeabilizante fabricado pela sua empresa, a Hydronorth, que produz tintas e resinas em Cambé, no Paraná.
"Era assim que meu pai demonstrava como nossos produtos protegiam as casas da umidade", diz Góis. O teatrinho funcionou bem nos primeiros anos da Hydronorth, quando era o pai de Góis quem vendia pessoalmente os produtos nas pequenas lojas de material de construção da região de Cambé.
"Meu pai não pode mais visitar cliente por cliente", afirma Góis. "Os vendedores precisam saber como funciona o produto para tirar as dúvidas que surgirem."
Embora tenha feito a empresa crescer, em média, 25% anuais desde 2008, quando sucedeu o pai no comando, Góis estava preocupado. Já fazia dois anos que as receitas vinham crescendo abaixo do esperado. Nesse período, a Hydronorth estava presente em 2 500 estabelecimentos em nove estados.
"Fixei a meta de levar a marca para, pelo menos, mais quatro estados", diz Góis. "Podemos crescer em mercados nos quais a construção civil está aquecida, como Tocantins, Goiás e Mato Grosso do Sul."
A decisão trouxe um dilema que quase todo empreendedor enfrenta na hora de definir uma política comercial — como obter o máximo controle sobre os vendedores com o menor custo possível? O bom de entregar a tarefa de vender a representantes está no custo — como eles também trabalham para outras empresas, acabam saindo mais em conta.
O problema é justamente esse — eles não atendem só a sua empresa. Como Góis poderia ter certeza de que os produtos da Hydronorth receberiam o empenho necessário para convencer os lojistas a comprar uma marca que eles pouco conheciam?
Foi preciso redesenhar a estratégia comercial. Primeiro, Góis marcou no mapa todos os mercados nos quais a Hydronorth já atuava e os almejados. Depois, organizou-os em sete áreas.
Para cada uma, designou um gerente que conhecesse muito bem o mercado local. Onde não era possível remanejar alguém da própria equipe, foram feitas contratações. Os gerentes receberam a tarefa de identificar onde o controle de distribuição era fundamental.
"As cidades críticas eram aquelas em que a Hydronorth é quase desconhecida quando comparada à concorrência", diz Góis. "Nesses casos, foi mais seguro contar com vendedores próprios."
Nos mercados em que a Hydronorth é mais competitiva, os clientes puderam ser atendidos por vendedores próprios ou representantes. Nesses casos, a decisão veio de uma conta simples.
Nos locais em que o volume de vendas previsto é alto, calculou-se quanto as comissões, atreladas ao faturamento, custariam à empresa. "Se o valor fosse mais alto do que o pago a um vendedor próprio, consideramos a contratação", diz Góis. Dessa lógica nasceu um sistema misto de 74 vendedores, dos quais sete são próprios.
"Conforme as vendas aumentarem nas novas regiões, a tendência é termos cada vez mais vendedores próprios", diz Góis. Desde 2009, quando a nova política comercial surgiu, o faturamento dobrou e, no ano passado, chegou a 100 milhões de reais.
Para aumentar a lucratividade
A situação, cada vez mais frequente, deixava o paulistano Alexandre Pimentel, de 39 anos, muito preocupado. Toda semana, pelo menos dois representantes queriam autorização para aumentar o desconto previsto na tabela de produtos de sua empresa, a Marfinite, fabricante paulista de móveis, caixas e outros acessórios de plástico.
Estranhamente, ambos diziam precisar do abatimento extra para fechar um pedido de tamanho e endereço idênticos. "Eles disputavam o mesmo cliente", diz Pimentel. "Era preciso rever a política comercial para acabar com aquela canibalização."
Um primeiro exame revelou que faltava à Marfinite definir o limite territorial de cada um dos 40 representantes de seus mais de 5 000 produtos. Parece básico, e é — mas no calor do crescimento não é raro aspectos fundamentais da estratégia comercial ficarem em segundo plano.
"Empreendedores envolvidos com a expansão muitas vezes se concentram em lançar novos produtos e conquistar novos mercados e esquecem a política comercial", afirma o consultor Diego Báez, da Heartman House. "Os esforços serão desperdiçados se, no final, tudo terminar em mais descontos."
Era basicamente isso o que acontecia na Marfinite. Desde 2009, as receitas cresceram, em média, 15% ao ano e, em 2011, alcançaram 140 milhões de reais. “A procura pelos nossos produtos aumentou muito”, diz Pimentel. “Como não era claro quem atendia quem, os representantes concorriam uns com os outros.”
Com a ajuda de Flavio Tosello, executivo contratado para reorganizar a área comercial da Marfinite, Pimentel começou a arrumar a casa. Primeiramente, eles analisaram o histórico de compras dos clientes que haviam fechado negócio nos três meses anteriores. Ficou assim estabelecido: quem tivesse fechado a última venda em determinado cliente teria direito àquela conta a partir de então. Nos demais casos, a conta ficaria com o representante que fez a última visita durante os seis meses antes da partilha.
A reorganização deu resultado. No primeiro trimestre de 2012, a receita média por quilo de plástico utilizado nos móveis aumentou em torno de 10% em relação ao mesmo período do ano passado.
"É um indicador de que a necessidade de dar descontos para poder fechar negócios diminuiu nos últimos meses", diz Pimentel. A lucratividade da empresa, que também foi beneficiada por um programa de controle de custos e uma reestruturação na produção, aumentou cerca de 12% no mesmo período.
Para vender mais aos mesmos clientes
Vender mais aos mesmos clientes é uma das possibilidades mais interessantes de levar uma pequena ou média empresa ao crescimento, pois os custos para abrir caminho até eles muitas vezes já estão pagos.
É por isso que o engenheiro agrônomo Tércio Farias, de 34 anos, almoça todos os dias em algum dos 261 restaurantes atendidos por sua empresa, a Acqua Pescados, fornecedora de camarões de Salvador. "Quero saber o que os donos têm a dizer sobre os nossos produtos", diz Farias. "Assim, posso ter ideias de novas linhas que facilitem a vida deles."
Em suas visitas, Farias ficou sabendo que os custos de limpar os camarões, separá-los em porções e deixá-los prontos para o preparo são, em muitos restaurantes, equivalentes a ter um funcionário extra.
"O processo rouba tempo e recursos", diz Farias. Para a Acqua Pescados, descobrir como resolver o problema permite desenvolver produtos mais rentáveis, cobrando preços que, mesmo sendo mais altos do que os do camarão inteiro, podem ser vantajosos para os clientes.
Hoje, a Acqua Pescados vende, além do camarão comum, mais de seis alternativas do produto processado, em que variam características como tamanho e peso. Segundo Farias, um terço dos restaurantes já prefere pagar algo em torno de 15% mais pelo produto processado.
Veja o caso da cadeia de restaurantes Porto Brasil, que mantém oito unidades em Salvador e seus arredores. "Os novos camarões ajudaram a baixar o custo de preparo de nossos pratos em 20%", diz a gerente Maria da Conceição Souza, uma das responsáveis pelas compras das matérias-primas utilizadas em todos os restaurantes da rede.
Os 15 vendedores foram treinados para saber explicar aos clientes prospectados por que, embora mais caros, os novos produtos são um bom negócio. Além disso, eles são estimulados a trazer ideias. Um dos vendedores mais participativos é o pernambucano Hugo Sampaio, da filial de Recife.
Quando visita um cliente, Sampaio abre uma planilha em seu notebook e anota detalhes sobre os pratos do cardápio. "Faço muitas perguntas", diz Sampaio. Ele quer saber, por exemplo, de que tamanho são os camarões do molho do espaguete e se, para fazer um bom caldo, é preciso tirar a cabeça e a casca. (Não, não é.)
Recentemente, Sampaio juntou informação suficiente para lhe dar segurança em sugerir que a empresa passasse a vender porções de exatos 300 gramas — hoje, um dos produtos com maior saída. A forma de recompensar vendedores motivados como Sampaio mudou.
Quem atinge as metas de faturamento, de conquista de novos clientes e de lucratividade das vendas fixadas para o trimestre pode ter a remuneração triplicada. "O sistema incentiva os vendedores a se esforçar para fechar um número maior de negócios com os produtos mais rentáveis", diz Farias.
"Ao mesmo tempo, não é tão rígido a ponto de impedir um vendedor de dar um desconto se ele considerar necessário."
Os resultados da política comercial da Acqua Pescados estão no balanço. No ano passado, o faturamento chegou a 9 milhões de reais - 50% mais que em 2010 — e a lucratividade foi 4% maior do que há três anos, quando a empresa só vendia camarões in natura.
Para melhorar a produtividade
Nos últimos dois anos foi muito difícil programar a produção de cookies e barrinhas de cereal na fábrica da Dauper, localizada em Gramado, na Serra Gaúcha. Em 2010, a empresa lançou uma linha de cookies, a Sense, e uma de barrinhas de cereal, a Gran Pure.
As duas marcas passaram a dividir espaço nas máquinas com os cookies e as barrinhas feitos sob encomenda para grandes varejistas, como o Pão de Açúcar e o Carrefour, que terceirizam para a Dauper a fabricação desses itens, que vão para as suas prateleiras com o rótulo da rede.
"Esse tipo de contrato exige uma grande flexibilidade", diz Marcio Peres, de 51 anos, sócio da Dauper. "Os supermercados pedem para acelerar ou diminuir o ritmo de produção conforme os produtos giram nas prateleiras."
Para garantir que os contratos fossem cumpridos, o jeito era manter estoques de segurança — o que gerava outro problema. "Em diversas ocasiões tivemos de jogar tudo fora porque os produtos tinham passado do prazo de fabricação aceito por esses clientes", diz Peres.
"Era um desperdício que gerava altos custos." Às vezes, acontecia o contrário — o baixo nível dos estoques não permitia a entrega no prazo combinado. "Nesses casos, temos de pagar uma multa", diz o administrador Raul Matos, de 30 anos, o outro sócio da Dauper.
Peres e Matos passaram a viver aos sobressaltos. Num dia, eles tinham motivos para comemorar as crescentes vendas das novas linhas. (A aceitação das marcas Sense e Gran Pure foi tão boa que já representaram um quinto dos 22 milhões de reais de receitas que a Dauper obteve em 2011, 20% mais em relação a 2010. )
Noutro, era dia de administrar a confusão provocada pelo desencontro entre a programação da fábrica e as exigências dos clientes. "As dificuldades aumentavam conforme as novas linhas tinham mais saída", diz Matos.
Se a causa dos problemas estava nos grandes clientes, então era neles que se deveria buscar a solução. Para isso, os sócios envolveram os funcionários da equipe comercial encarregados das encomendas de itens terceirizados. "Eles receberam a meta de melhorar as previsões de entrega, de forma que a fábrica tenha mais tempo para se organizar", diz Matos.
A supervisora comercial Andréia Caberlon é um desses funcionários. Ela passou a seguir um método que lhe permitiu fazer previsões mais confiáveis. A cada mês, Andréia faz um levantamento do histórico de entregas feitas nos três meses anteriores a cada rede varejista e tira uma média semanal — é com esse número que a fábrica trabalha.
A cada três dias, Andréia telefona para os compradores dos supermercados para perguntar a eles se há algum indicador que permita antecipar se a demanda por cookies e barrinhas está para aumentar — é o caso de uma promoção, por exemplo.
"Se houver sinais de que o número que passei para a fábrica precisa ser revisto, aviso imediatamente o pessoal da produção", diz ela. O sistema de remuneração também mudou — quanto mais entregas forem feitas no prazo e sem a necessidade de horas extras, mais alta é a retirada de Andréia. Evitar desperdícios também entra na conta.
O aumento da produtividade foi significativo — o índice de entregas fora do prazo caiu de 40% para 8% no final de 2011. "Além disso, podemos trabalhar com estoques 20% mais baixos", diz Matos. "As multas também caíram drasticamente e os nossos clientes estão mais satisfeitos."