Reserva financeira foi fundamental para Buffet Colonial continuar as atividades; estabelecimento é exceção ao setor (Buffet Colonial/Divulgação)
Karina Souza
Publicado em 2 de fevereiro de 2021 às 15h32.
Última atualização em 2 de fevereiro de 2021 às 22h30.
Viver de fazer eventos presenciais, cheios de gente, para celebrar momentos importantes – festas de 15 anos, casamentos etc. – ou para marcar ocasiões importantes para o networking de empresas (como eventos e feiras corporativas) parece um tanto irônico em tempos de covid-19. Há quase um ano sem “aglomerar”, companhias que atuam dentro do nicho de eventos sofrem com a queda no faturamento e buscam opções para continuarem existindo quando a pandemia, enfim, passar.
Do lado dos eventos corporativos, o último ano trouxe um baque de R$ 745 milhões em eventos que deixaram de ser realizados, de acordo com dados da Associação Brasileira dos Buffets para Feiras e Eventos Corporativos (ABFEC). Ao todo, 300 mil vagas deixaram de existir e, em média, 60 eventos organizados por cada associado não aconteceram.
Para Alex Ferreira, diretor de marketing do Mont Blanc Buffet, essa foi uma realidade sentida de perto. O estabelecimento contava com seis profissionais fixos e teve de demitir dois na pandemia – para cumprir com as obrigações trabalhistas dos acordos, foi necessário vender bens como o caminhão da companhia.
“É uma situação realmente muito difícil. Ainda bem que nós não tínhamos cozinha nem muitos profissionais, porque vi muitos amigos meus ‘quebrarem’ completamente com isso. Começamos a fornecer outros serviços, como a entrega de comida em casa para eventos à distância, mas isso não chega nem a 5% do faturamento que tínhamos antes. Temos a esperança de um 2021 melhor, mas ainda sem perspectivas claras”, explica.
Outro empresário que atua na capital paulista e prefere não se identificar corrobora a situação. Enquanto está tudo fechado, ele comenta que foi possível segurar a situação com uma reserva financeira de que dispunha anteriormente, mas a duração da pandemia já o obrigou a renegociar dívidas e deixar algumas contas em atraso.
Novas medidas – vender bolos, por exemplo – geram um faturamento irrisório. “A nossa receita girava em torno de cem a 150 mil reais por mês. Hoje, se a gente vendesse mil reais com os bolos, seria muito. Fizemos isso mais para ter uma ocupação do que pelo faturamento em si”, explica.
Os casos não estão isolados. De acordo com um estudo conduzido pelo Sebrae com o setor, 79% das empresas que atuam dentro desse setor tiveram que tomar medidas em relação aos colaboradores. A média de pessoas dispensadas foi de 6,7 por empresa e, além disso, a maior parte das empresas optou por reduzir horas e valores pagos aos terceirizados (35%).
Só no início da pandemia, em março de 2020, 36,8% das empresas não tiveram faturamento e 54% apresentaram redução de pelo menos 25% do montante previsto.
Como consequência disso, no Rio de Janeiro, outro empresário que atua há mais de vinte anos no setor – com um espaço para casamentos e outras festas – fechou as portas. “Em 2019, a gente entregou 123 eventos e fecharia o ano seguinte com mais do que isso. Em 2020, fizemos quatro eventos. Entendemos que não é uma brincadeira, não é uma ‘gripezinha’, mas a situação para nós ficou insustentável. Saí do meu negócio tendo investido R$ 400 mil e hoje saio devendo R$ 400 mil”, afirma.
Para ele, além da falta de confiança para reagendar eventos, pesa também a imprevisibilidade da situação da pandemia – uma vez que, a qualquer momento, novas restrições podem ser decretadas.
As preocupações dele, quase um ano depois do início da pandemia, são similares às dos empresários do setor – na pesquisa do Sebrae feita em março de 2020. Na época, 47,8% dos empresários do setor tinham como principal dificuldade adequar o modelo de negócio para mantê-lo funcionando (47,8%), seguida por manter os clientes atuais (42,9%), cortar custos (40%) e acessar crédito (35,6%).
Acesso ao crédito
Em relação a este último tópico, segundo Ângelo Savino, presidente da ABFEC, nem mesmo o Programa de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) foi capaz de trazer o fôlego necessário de forma maciça para essas companhias.
“Apenas 30% dos donos de buffets associados tiveram a ajuda emergencial do governo federal através da Caixa Econômica Federal. Foram raras as empresas que conseguiram ter acesso a esse recurso, pois além da grande quantidade de documentos e a necessidade de muitas garantias, os empresários tiveram seus pedidos negados sob a alegação de que o risco no setor de eventos era muito alto porque seria o último a voltar”, explica.
Vale lembrar que o Pronampe foi criado a partir da Lei nº 13.999 e tem como objetivo a ajuda aos pequenos negócios. Destinado aos Microempreendedores Individuais (MEI) e às micro e pequenas empresas com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões, considerando a receita de 2019. A fonte de recursos para operá-lo era das próprias instituições financeiras, sendo que o governo aportou R$ 15,9 bilhões para servir como garantia nas operações de crédito contratadas.
Para entender melhor esse cenário, EXAME pediu informações acerca da análise de empresas que se cadastraram no Pronampe e quais setores obtiveram maior sucesso na análise aprovada do crédito. Banco do Brasil, Bradesco e Itaú enviaram respostas e, em suma, apenas reafirmaram que não fizeram distinções em relação ao setor de atuação.
Por parte do BB, o posicionamento enviado afirma que a instituição “utilizou os mesmos critérios e condições definidos em sua Política de Crédito para concessão de empréstimos de mesma natureza para micro e pequenas empresas. Os recursos foram repassados aos clientes de acordo com as demandas apresentadas, considerando o público alvo definido para o Programa”. Por fim, a instituição afirma que as atividades de eventos e buffets estão inseridas no setor de serviços, “sendo que, em 30/09/2020, a carteira de crédito deste correspondia a R$ 26,941 milhões”.
Do lado do Itaú Unibanco, o posicionamento também reforça que o Pronampe foi oferecido “para seus clientes elegíveis de acordo com as regras definidas pela lei que instituiu o programa, sem distinção em relação ao setor de atuação. Ao todo, cerca de 47 mil empresas foram beneficiadas, com um desembolso total de R$ 3,9 bilhões”.
Por fim, o Bradesco afirmou que disponibilizou aproximadamente R$ 2,7 bilhões em empréstimos do Pronampe, atendendo cerca de 46,5 mil empresas. Mais uma vez, a resposta oficial foi a de que o banco “disponibilizou a contratação da linha para aqueles clientes cujas características se enquadrariam nas regras definidas pela Lei 13.999”.
Uma outra realidade
Enquanto grande parte dos buffets sofre com uma situação financeira delicada, exceções mostram que ainda existem estabelecimentos que aproveitam uma situação ligeiramente mais confortável em meio ao caos. Alguns profissionais que atuam no setor há bastante tempo – e que visam um público bastante elitizado – tiveram um número bem mais baixo de cancelamentos.
“O que acontece é que as festas para pessoa física não precisam de alvará para serem realizadas. Dependendo da região em que for feita, de acordo com as regras do município, pode ser feita em uma casa, por exemplo. Isso colabora para que a situação, para eles, seja um pouco mais maleável”, afirma Fátima Facuri, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Eventos (ABEOC).
Contar com a tolerância dos clientes – e ter uma boa reserva de emergência – é a receita para o sucesso do Buffet Colonial, que atua há mais de 50 anos na capital paulista com festas como casamentos, quinze anos, etc.
“Estamos atendendo muita gente pensando em casamento daqui a um ano e meio, dois anos. O que na verdade a gente precisa hoje é mostrar que as pessoas podem ter confiança no trabalho feito. Nós já passamos por Plano Collor, crise em 2015, tivemos ditadura militar, etc. Mas com o dinheiro no caixa conseguimos sobreviver e nosso principal desafio é provar, hoje, que não vamos quebrar”, afirma Paulo Dalsasso, chefe executivo do Buffet Colonial.
Além disso, a diversificação é um caminho pensado pela empresa, principalmente dentro da área de gastronomia. O buffet passou a enviar refeições via delivery para contratantes interessados em fazer, por exemplo, happy hours virtuais, além de abrir o salão para um brunch aos domingos. Apesar de as iniciativas ainda gerarem um faturamento irrisório – de 8% a 10% do que tinham mensalmente – o baixo volume de cancelamentos (em torno de 5%) colaborou para as perspectivas de um futuro mais otimista.
É uma situação vista de perto por Patrícia Kelab, cerimonialista que atua no Rio de Janeiro. Com foco no mercado AAA, ela afirma que não teve nenhum cancelamento com seus clientes em 2020 – mas ao contrário, muitos que já tinham festas contratadas passaram a aumentar o valor dos itens disponíveis, como atrações e carrinhos de comida.
“A grande maioria conseguiu adiar as festas. Mesmo minhas festas de 15 anos, já tão virando de 16 e talvez viram 17. Mesmo assim, vamos manter as características de uma festa de quinze anos, sem nenhum problema. Tenho plena consciência de que trabalho num ambiente atípico, sem nenhum cancelamento dos eventos previstos para 2020. Agora, o que eu escuto dos grupos de WhatsApp dos meus pares é que a desistência deve ter sido algo em torno de 20%. Quem mais desiste, geralmente são casais que fizeram uma cerimônia menor e desanimaram de adiar tanto”, afirma.
Daqui para frente: o que esperar?
Ao mesmo tempo em que o setor enfrenta tantas dificuldades, é impossível negar o efeito da pandemia sobre a população brasileira. O país já soma mais de 225 mil mortes por covid-19 e a lenta distribuição da vacina ainda exige cuidados quando o assunto é “aglomerar”.
Ainda assim, as iniciativas tomadas pelo poder público são diferentes, de acordo com cada estado. Por exemplo: Santa Catarina voltou a permitir a realização de eventos corporativos em dezembro de 2020; enquanto São Paulo, por exemplo, optou por não dar esse passo ainda. Tomadas as devidas proporções e a diferença significativa do tamanho da população entre ambos, fato é que ambos têm alta no volume de casos diários.
Questionada a respeito do porquê permitir esse tipo de evento, a Secretaria de Saúde de Santa Catarina afirmou à EXAME que “a proibição favorecia a realização de eventos clandestinos. A partir do momento que houve a liberação, com regras, a fiscalização se tornou mais fácil”. A decisão é avaliada diariamente junto ao centro de operações e, no momento, a métrica de casos é utilizada para guiar as decisões do estado.
Outra região que voltou a permitir eventos é Gramado, que contou recentemente com a realização da Feira Nacional da Indústria da Moda (FENIM). A 25ª edição do evento aconteceu com base em protocolos de segurança, segundo os organizadores, e planeja repetir a edição em São Paulo, no mês de março. A EXAME entrou em contato com a secretaria de saúde local, mas não obteve retorno.
Enquanto isso, regiões como São Paulo mantêm as restrições de circulação. Na capital paulista, há a expectativa de que o governo volte a abrir shoppings, bares e restaurantes aos finais de semana.
Patrícia Ellen, secretária de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, reforça que se trata de uma gestão que prioriza o aspecto técnico da pandemia.
“No mundo inteiro, eventos estão sendo evitados. O que nós fazemos é flexibilizar a sua realização de acordo com cada fase enfrentada por São Paulo. Na fase verde, por exemplo, com estabilidade de casos, é que é possível ter eventos em pé e, na amarela, com pessoas sentadas. Muitos setores estão se reinventando para se adequar aos protocolos de cada fase. O nosso trabalho é a gestão responsável da pandemia”, afirma a secretária.
De todo modo, há que se ter certo otimismo. Para Facuri, da ABEOC, a expectativa do setor, mesmo para empresas que atuam no sudeste, é a retomada dos eventos presenciais no segundo semestre de 2021. “Esperamos que boa parte da população esteja vacinada até lá e que as empresas possam voltar a funcionar, movimentando toda a cadeia de produtos e serviços nela envolvida”, finaliza.