Empreendedor assina acordo: pense nas coisas óbvias, e que representam a espinha dorsal de um acordo (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 27 de março de 2014 às 14h53.
São Paulo - Se alguém lhe dissesse que é melhor fazer o seu testamento enquanto você está vivo, a frase soaria absurda. Mas é tão lógica quanto sugerir que você faça um acordo de acionistas antes de ter problemas com o seu sócio.
Depois de ter problemas, ou o acordo não vai sair, ou ficará enviesado pela desconfiança recíproca.
Pense, por isto, nas coisas óbvias, e que representam a espinha dorsal de um acordo. Elas se resumem a duas, por incrível que pareça: quem manda na sociedade (ou como este mando é dividido) e como se entra ou sai da sociedade. Só isso. O resto, uma montanha de papel que nós advogados preparamos, se destina a explicar e detalhar estes dois pontos.
Vá lá: como advogado, não posso deixar de mencionar um terceiro ponto: quando tudo der errado, como vocês irão solucionar as divergências.
Divido com vocês, contudo, o que me dizia meu pai, também advogado, quando eu comecei a trabalhar: um advogado otimista merece morrer de fome. Quem tem que ser otimista é você, que é empreendedor e, com toda razão, acredita que vai fazer a diferença no mundo. Nós, advogados, temos que pensar no que vai acontecer na hipótese extremamente improvável (como dizem as aeromoças) de algo dar errado, preparando o acordo pensando nisso.
E o que fazer para reduzir as chances de dar errado?
Simples (ou quase), mas antes de tudo lembre-se de que, como no casamento, tudo são flores no dia da festa. Depois dá mais trabalho, mas vale a pena. Agora, como você casou (ou deveria ter casado) com um pacto antenupcial, tenha também um acordo de acionistas (na essência, um primo-irmão daquele pacto). Lembre-se que o bom contrato é feito para ficar na gaveta, mas tem que estar lá antes de você precisar dele.
Na sua empresa, defina em primeiro lugar com seu sócio quem vai mandar em cada área. Quem vai fazer o quê na empresa e que decisões só poderão ser tomadas pelo consenso de todos os sócios.
A regra básica é a seguinte: vocês combinaram que a sociedade teria um objeto, seria capitalizada de tal ou qual forma e não ia se meter em outros negócios, receber novos sócios ou se juntar a outras sociedades. Para mudar isto, só pelo consenso. Se você é mais conservador, e não quer se endividar excessivamente, e seu sócio é exatamente o contrário, mais arrojado do que lá no fundo você gostaria (e essa oposição é mais comum do que você imagina, mas eu não direi a ele...), estabeleça um limite para que novas dívidas sejam contraídas, máquinas caras sejam compradas, uma sede própria suntuosa seja construída, e outras coisas no gênero, que só têm sentido no futuro ainda distante.
Defina, por outro lado, que você cuida da fabricação de seja lá o que for que você quer produzir, ou da prestação do serviço fantástico que você imaginou, e seu sócio cuida da parte financeira ou administrativa, ou o contrário. Todo mundo fazendo tudo ao mesmo tempo é uma receita que não funciona bem nem no basquete ou no futebol.
Ponto seguinte: seu sócio resolve vender as ações para seu concorrente, que você odeia, ou para alguém que você odeia mesmo sem ser seu concorrente. Lembre-se de estabelecer que você tem preferência na compra das ações. Há várias formas de fazer isto, uma delas tradicionalmente usada no Brasil, e totalmente errada, por criar os estímulos também errados. Seu advogado dirá a outra.
Lembre-se, por outro lado, que um dia você pode acordar e ter uma divergência irremediável com o seu sócio. Há várias formas de resolver isto, mas muitas delas passam pelo Código Penal, e eu não as recomendaria. Outras, menos radicais, envolvem um duelo civilizado (ou quase) para que no final alguém jogue a toalha e venda as quotas ou ações para o outro. Muito ruim, já que até lá você terá perdido os melhores empregados, clientes e os melhores dias da sua vida pensando apenas em como você vai tornar a vida do seu sócio um inferno, ou evitar que ele faça o mesmo com você. Inclua no acordo algum tipo de sistema pelo qual um sócio possa comprar as ações do outro ou vendê-las, a um preço estabelecido previamente ou definido com base em ofertas feitas por um sócio ao outro.
Feito isto, boa sorte. Se o acordo for bem feito, vai estar empoeirado antes que você precise lê-lo de novo.
Paulo Cezar Aragão é advogado em São Paulo e no Rio de Janeiro, sócio de Barbosa, Müssnich & Aragão e membro do conselho da Endeavor Brasil. Participou de muitas das maiores e mais complexas operações de aquisições e reorganizações societárias realizadas no Brasil nos últimos 20 anos.