Flavio Pripas, diretor do Cubo Coworking Itaú: "a tendência é que o fenômeno dos unicórnios se torne cada vez mais recorrente" no Brasil, segundo o especialista (Solange Macedo/SM2/Divulgação)
Mariana Fonseca
Publicado em 5 de setembro de 2017 às 06h00.
Última atualização em 5 de setembro de 2017 às 10h37.
São Paulo – Não é de hoje que as grandes empresas estão de olho nas startups e em seu potencial de criar soluções inovadoras para problemas antigos. Mas, no Brasil, esse movimento de aproximação ganhou um grande impulso há pouco menos de dois anos.
O espaço de coworking Cubo, voltado para fomentar a relação entre empreendimentos gigantes e nascentes, abriu as portas em setembro de 2015 a partir da união de dois nomes de peso: o banco Itaú e o fundo de investimentos Redpoint eventures. A demanda foi tanta que o centro anunciou sua mudança para uma sede quase quatro vezes maior.
De lá para cá, investidores-anjo e fundos de venture capital já aportaram 104 milhões de reais nas 52 startups residentes do Cubo Coworking Itaú.
O espaço também possui doze grandes empresas parceiras: Accenture, AES Brasil, Cisco, Focus, Foresee, Gerdau, Iugu, MasterCard, Microsoft, Rede, Saint Gobain e TIM. Ainda que elas não tenham aportado financeiramente nas startups, já se veem parcerias relevantes: a Colaboradores, uma das primeiras residentes, conheceu empresas como BRF, CPFL Renováveis, Raízen e Saint Gobain e conseguiu ser contratada para gerar economia para tais gigantes. Já a Todo Cartões, de cartões de presente, teve como primeiro grande cliente a rede Outback Brasil. Por fim, a Fhinck apresentou sua solução de inteligência artificial de aumento de produtividade para a Accenture, assinando um contrato no ano passado.
O interesse de fundos e gigantes nas startups é justificado. Segundo Flavio Pripas, diretor do Cubo Coworking Itaú, o Brasil tem um mercado mais desenvolvido do que costumamos imaginar, e os unicórnios nacionais - empresas avaliadas em um bilhão de dólares - não demorarão para chegar.
“A minha conclusão é que o mercado brasileiro está relativamente maduro. Não é todo mundo que vencerá esse jogo, mas quem se posiciona bem consegue criar suas histórias”, explica em entrevista a EXAME.
Para ele, os empreendedores brasileiros têm um diferencial importante. "O empreendedor brasileiro enfrenta desafios que, em outros países, talvez fossem mais simples. Ele busca desenvolver seu negócio em um ambiente de acesso a capital menor e incerteza maior. Ou seja: é um diferencial de resiliência", afirma.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
EXAME – Já se citou que há uma demanda reprimida de startups que querem entrar no Cubo. Qual sua análise sobre o mercado brasileiro de startups atualmente e para os próximos anos?
O que a gente está vendo é um crescimento no número de startups e com consistência. O mercado de startups funciona em ciclos de mercado. Tivemos um ciclo muito grande, de 2008 até 2011, de um monte de startups B2C [“business to consumer”, que vendem ao consumidor final] lançadas no mercado sem um modelo muito claro. Houve um processo de depuração e hoje vemos que o empreendedor chega ao mercado com muito mais consistência.
Esse fenômeno não ocorre apenas no Brasil, mas também no resto do mundo. Por isso acho que estamos muito bem inseridos no cenário global e que temos sido bem sucedidos. Iniciativas como o Cubo, que ajudam na estratégia de go to market [“ida ao mercado”] e que ajudam a conseguir clientes, podem acelerar cada vez mais esse quadro. É o que vimos nos nossos últimos dois anos e que veremos muito mais daqui em diante.
Quando ocorre o maior gargalo para startups terem sucesso no Brasil: no primeiro ano de vida ou quando elas já atingem um estágio mais avançado, apresentando de 5 a 10 milhões de reais de faturamento?
Há vários gargalos na trajetória de uma startup. Nos primeiros 12 ou 18 meses de vida do negócio, o principal gargalo é o próprio empreendedor decidir quanto tempo ele ficará desenvolvendo seu produto sem ganhar dinheiro, sem ter um salário.
Depois desse período, a startup costuma atingir seu primeiro nível de faturamento e o gargalo passa a ser distribuição, como conseguir aumentar seu alcance – ter esse ambiente de negócios que acelerasse a escala do negócio era algo que faltava no Brasil há alguns anos.
Agora estamos na etapa em que a startup está desenvolvendo o produto, ganhando mercado e conquistando seu primeiro investimento, apresentando um faturamento que vai de um a dez milhões de reais. Há poucas que conseguem sair desses dez e irem até 20, 30, 40 ou 50 milhões de reais de faturamento.
As startups B2B [“business to business”, que vendem para outras empresas] que conseguem chegar até lá irão procurar aberturas nas grandes empresas e trabalharão com elas. O Cubo é um catalisador desse processo. Nas startups B2C, esse crescimento vem mais da captação de investimento, como vemos nos exemplos da 99, do GetNinjas e do QuintoAndar.
A minha conclusão é que o mercado brasileiro está relativamente maduro. Não é todo mundo que vencerá esse jogo, mas quem se posiciona bem consegue criar suas histórias.
Então, o que falta para o Brasil ter um ou vários unicórnios?
O que falta é dar tempo ao tempo. Ao longo deste ano, teremos os primeiros unicórnios brasileiros. Depois, chegaremos ao próximo nível, que é o de vermos saídas significativas [“exits”, ou venda de startups].
Se tudo isso ocorrer, a tendência é que o fenômeno dos unicórnios se torne cada vez mais recorrente. Isso porque o mercado é um organismo vivo, que irá aprender e se alimentar das histórias de crescimento. Tenho certeza de que a conversa que estamos tendo agora, em 2017, irá mudar daqui a alguns anos por conta desse amadurecimento do mercado.
Na sua opinião, qual startup brasileira está mais próxima de virar um novo unicórnio?
Pelo acompanhamento que eu venho fazendo de mercado, as startups que eu considero que podem se tornar unicórnios mais rápido são a 99, a Movile e o Nubank.
Qual é o diferencial dos empreendedores brasileiros, comparando-os com os de outros ecossistemas? É possível – e faz sentido – replicar modelos consagrados de apoio ao empreendedorismo, como dos EUA, da China ou de Israel?
O empreendedor brasileiro enfrenta desafios que, em outros países, talvez fossem mais simples. Ele busca desenvolver seu negócio em um ambiente de acesso a capital menor e incerteza maior. Ou seja: é um diferencial de resiliência.
A gente tenta sempre estudar o que acontece nos mercados e analisar o que deu certo ou errado. “Replicar” talvez não seja o termo correto: acho que “inspirar” é algo completamente saudável. O próprio Cubo é inspirado em iniciativas do mundo todo, mas foi desenhado como algo nosso, que serve bem ao mercado brasileiro.
Você citou Israel. Existem modelos nas universidades israelenses que poderiam ser aplicados nas universidades brasileiras, assim como formatos de aceleradoras nos Estados Unidos e na Europa que seriam interessantes de serem estudados e implantados no Brasil.
Em termos de inovação, eu sempre acredito mais em evolução incremental do que fazer algo totalmente disruptivo – até porque toda transformação é incremental. Todo negócio novo é inspirado em algo que já aconteceu.
Faz sentido que startups brasileiras invistam em setores em que o país tem vantagens competitivas, como agronegócio? O governo deveria privilegiar isso?
Eu sempre falo que uma startup é um negócio resolve um problema real no mundo real por meio de uma solução com potencial de escala. Se tem um empreendedor que identificou um problema no setor do agronegócio, por exemplo, acho extremamente importante ele tentar resolver tal obstáculo por meio de tecnologia.
O que acontece muitas vezes é que, em alguns nichos de mercado específicos, não há maturidade o suficiente para apoiar o empreendedor. Medir o potencial de disrupção de uma solução no agronegócio, para seguirmos o exemplo, é bem complicado: o Brasil é um país grande e é difícil visitar todos os clientes para instalar e acompanhar tal solução.
Uma iniciativa de mercado que fomente um nicho específico poderia deslanchar todo um segmento de mercado, e é algo que já começamos a ver há cerca de um ano. Por exemplo: no Brasil, o agronegócio é muito grande e algumas empresas já se movimentam para formular iniciativas para esse mercado; da mesma forma, muitas indústrias estão investindo em tecnologias da Indústria 4.0.
O governo, garantindo um ambiente de negócios que seja justo, ele já ajuda o mercado como um todo de forma bem horizontal. Nas verticais, você tem empresas fortes e o próprio ecossistema pode se organizar para ajudar aquelas startups que enfrentam dificuldades.
Quais setores possuem mais grandes empresas interessadas em fazer parcerias com startups? No Cubo, quais são suas expectativas de negócios e investimentos das grandes empresas parceiras?
Vou comentar alguns setores aqui no Cubo que possuem demanda aquecida: Agricultura, Educação, Indústria 4.0, Saúde, Serviços financeiros e Varejo.
Quanto às empresas parceiras, eu tenho um cronograma que me atrevo a publicar lá no Cubo. Em 2016 e 2017, estamos ensinando grandes empresas a trabalharem com as startups – não só as parceiras, mas de todo o mercado. Em 2017 e 2018, esperamos que elas comecem a contratar a startup como fariam com um parceiro normal, de fornecimento e de relação com o cliente, por exemplo. Em 2018 e 2019, as grandes empresas começarão a investir em startups. Em 2020, esperamos que elas comecem a comprá-las.
Além do Itaú, o Bradesco decidiu investir em um centro de empreendedorismo [o Habitat, previsto para ser inaugurado em dezembro deste ano]. Por que os bancos estão de olho nesse nicho?
Não só os bancos, mas toda grande empresa está de olho nesse movimento das startups. A velocidade do mundo está mudando, e uma iniciativa como essa de criar um ecossistema de startups é importante porque as empresas podem acompanhar o ritmo de inovação que as startups estão colocando no mercado.
Todo mundo só tem a ganhar com iniciativas como essa. Na perspectiva do Cubo, é legal ver como inspiramos grandes empresas a se conectarem com esse mundo e tudo que é feito em prol da geração de negócios colocará o Brasil em outro patamar. A gente está disposto a trabalhar com todo mundo que estiver disposto a fomentar o mercado.
Qual a vantagem do Cubo sobre centros de empresas como o do Google, um negócio mais naturalmente conectado à inovação?
Cada iniciativa tem uma vocação. No Cubo, são duas: desenhar a estratégia de go to market - de como a startup vai se posicionar no mercado - e promover o relacionamento com grandes empresas.
Qualquer startup, especialmente a B2B, que vende ou quer se relacionar com grandes empresas, verá no Cubo uma das melhores alternativas para alavancar seu negócio.
O Rodrigo [Baer, diretor da Redpoint eventures] fala que dois recursos são importantes no dia a dia da startup: tempo e acesso. Nós damos tempo porque o mercado vem até aqui para fazer conexões e falar de negócios. Nós damos acesso porque os executivos C-level de grandes empresas vêm aqui todos os dias procurando saber mais sobre inovação. Às vezes a startup que sempre quis falar com uma grande empresa consegue esse acesso só por estar no Cubo.
Além da mudança de sede anunciada recentemente, quais serão os próximos passos do Cubo?
A ideia agora é continuar a trabalhar. Essa crise econômica uma hora vai acabar e, quando isso acontecer, o mercado tem que estar preparado para crescer de forma sustentável. A gente acha que está dando uma parcela de contribuição a esse processo.