Haddad e Bolsonaro: trocam farpas no Twitter (Paulo Whitaker/Nacho Doce/Reuters)
Mariana Fonseca
Publicado em 11 de outubro de 2018 às 06h00.
Última atualização em 11 de outubro de 2018 às 06h00.
São Paulo - Neste segundo turno, enfrentam-se dois candidatos com visões opostas em diversos temas - incluindo a forma correta de impulsionar o empreendedorismo. Fernando Haddad, candidato à Presidência da República pelo PT, defende que a melhor forma de impulsionar as micro e pequenas empresas é pela intervenção do Estado. Já Jair Bolsonaro, do PSL, acredita que a privatização e a flexibilização são formas melhores de impulsionar a atividade empresarial. Independentemente da posição econômica, a conclusão dos especialistas consultados por EXAME não é animadora: o incentivo aos negócios não é prioridade para nenhum candidato.
Haddad pretende reativar a economia com políticas públicas para investir em setores-chaves, para diminuir o custo do crédito e para que empreendedores tenham financiamentos e treinamentos. Por outro lado, Bolsonaro pretende firmar uma economia de livre iniciativa que fomente a competitividade pela privatização, com o apoio ao empreendedorismo vindo de entidades privadas, da flexibilização de custos trabalhistas e da atração de produtos e talentos do exterior. Os candidatos convergem em poucos pontos, como a importância da simplificação tributária e das universidades para o empreendedorismo.
As convergências são elogiados por Eduardo Felipe Matias, responsável pela área empresarial do escritório Nogueira, Elias, Laskowski e Matias Advogados (NELM), que abrange a área de inovação e startups. “Para aproveitar ao máximo esses efeitos positivos do empreendedorismo, é preciso um esforço igualmente significativo em melhorar a educação”, afirma. “Um bom governo deveria estar preocupado em formar cidadãos que tenham espírito empreendedor e que sejam capazes de inovar. Os novos tipos de trabalho que uma onda de empreendedorismo poderia criar exigirão habilidades e competências diferentes daquelas que o sistema de ensino promove hoje.”
Diante da falta de espaço do empreendedorismo nos planos de governo, porém, nenhum resultado do segundo turno seria o ideal para os empreendedores brasileiros. “As políticas previstas ao empreendedorismo não parecem prioritárias dentro de suas agendas. Os planos são mais focados em resultados mais imediatos e urgentes para a população, como segurança pública, saúde, educação e emprego”, analisa Pedro Ramos, conselheiro da Associação Brasileira de Startups e coautor do livro “Ambiente Regulatório: Manual de Boas Práticas em Políticas Públicas de Apoio a Startups”.
“Em teoria, os dois planos de governo demonstram sintonia com as necessidades empreendedoras, mas não detalham como chegar lá. A efetivação das promessas de campanha depende bastante das reais convicções de cada candidato – algo difícil de medir, porque ambos dão mais ênfase a outras bandeiras em seus discursos”, concorda Matias. “Resta esperar para ver se algum dos dois de fato priorizará a inovação como política pública - mesmo em uma circunstância que é de restrições orçamentárias, como sabemos.”
Segundo o advogado do NELM, o empreendedorismo é importante não apenas para aqueles que pensam em abrir seu próprio negócio. Incentivá-lo ajudaria a reduzir o desemprego, um dos maiores problemas do Brasil, em curto (pela criação de vagas na própria empresa) e longo alcance (formando novos mercados de trabalho, no caso de startups). Além disso, novas empresas baseadas em tecnologias disruptivas podem trazer soluções inovadoras para educação, mobilidade, poluição e saúde.
Porém, estamos longe de incentivar a criação de negócios inovadores. Para Ramos, as legislações e tributações adotadas no país não enxergam a complexidade dos desafios que afetam as startups e remontam a cenários de 30, 40 anos atrás. Por exemplo, a modernização de setores altamente regulados para permitir a criação de modelos de negócio baseados na economia digital - uma dificuldade que vimos com a chegada de aplicativos como 99 e Uber.
O conselheiro defende um Marco Legal das Startups, inspirado no Marco Civil da Internet: uma única lei que inclua, por exemplo, abertura e fechamento facilitado de empresas; simplificação de sociedades anônimas; limitação de responsabilidade de investidores; acesso a crédito bancário e isenções tributárias; incentivos fiscais para investimento-anjo; fomento à remuneração via participação na empresa; e permissão para criação de ambientes não regulado para testes de novos negócios em setores tradicionais, ou sandboxes.
Matias não cita uma lei única, mas concorda com a importância de agilizar principalmente o fechamento das empresas - já que o empreendedor em série de startups precisa ser capaz de se desvencilhar dos negócios que não deram certo e partir para outra com rapidez.
Também enfatiza a necessidade de ampliar o acesso ao crédito (mesmo quando existente, o dinheiro costuma estar atrelado a processos complicados); de adotar regimes mais favoráveis a produtos e serviços inovadores nas contratações e compras governamentais; e da simplificação de tributos e das obrigações fiscais, assim como a criação de incentivos à inovação. No estudo Panorama Legal das Startups, elaborado pelo NELM, 70% dos empreendedores e 77% dos investidores escolheram a adoção de novas leis de incentivo fiscal voltadas à inovação como maior fator de colaboração do Estado ao empreendedorismo de startups.
Veja em detalhes como os planos de governo de Fernando Haddad e Jair Bolsonaro abordam o empreendedorismo em pequenas empresas e startups:
O candidato pelo PT possui um tópico exclusivamente voltado ao empreendedorismo em seu programa. A palavra “empresas” é citada 25 vezes; a palavra “empreendedorismo” é citada seis vezes; e a palavra “startups” é citada uma vez. No plano de governo da coligação O Povo Feliz de Novo (PT, PCdoB e PROS), Fernando Haddad afirma que “fortalecer o empreendedorismo de pequeno porte é um grande mecanismo de combate às desigualdades, com inclusão socioeconômica” e que “quem quiser produzir e trabalhar terá o amparo do Estado.”
As medidas propostas por Haddad incluem a interrupção de privatizações de empresas “estratégicas para o desenvolvimento nacional”; uma reforma tributária “orientada pelos princípios da progressividade, simplicidade, eficiência e da promoção da transição ecológica”, com tributação de lucros e dividendos e implementação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) para substituir, com um único tributo, diversos impostos; e uma Política Nacional de Desenvolvimento Regional e Territorial que valorize “a economia dos pequenos negócios e as cooperativas intensivas em força de trabalho”, assim como incubadoras de pesquisas locais.
O petista afirma ser fundamental conservar o tratamento diferenciado aos pequenos negócios, confirmando a Lei Geral da MPE, o Simples Nacional e a criação e ampliação do MEI. “Graças a isso, em uma década o Brasil passou de 2,8 milhões de pequenos negócios para 12,1 milhões (sendo 7,2 milhões de MEI) no que talvez seja o maior movimento de formalização no mundo com benefícios para milhares de brasileiros e brasileiras que se incluíram na economia”.
Haddad pretende aperfeiçoar o Simples, incentivar compras públicas e implementar uma “forte política de incentivo de crédito para MPE” por meio de instituições públicas até então focadas em grandes empresas, como BNDES e Finep. Também promete aumentar o microcrédito e cooperativismo, como forma de aumentar a competição no setor financeiro. Pelo Sistema S, do Sebrae, pretende incentivar a capacitação técnica dos empresários para “uma gestão profissional e inovadora em seus negócios”.
Quanto às startups, o petista afirma que o ambiente crescerá no Brasil se a cultura empreendedora “for trabalhada desde o ensino fundamental, passando pelas universidades e cursos profissionalizantes”, especialmente entre mulheres jovens das periferias, faixa populacional que mais cresce entre os donos de pequenos negócios. Haddad promete investir em educação, ciência, tecnologia e inovação por meio da rearticulação de políticas públicas como o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). O objetivo é atingir o patamar de 2% do PIB em investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) no país até 2030.
Haddad pretende elevar a taxa de investimento na indústria como forma de “alavancar o crescimento econômico, na perspectiva de superação da dependência do setor primário-exportador na balança de pagamentos”. O setor produtivo deverá ser estatal em segmentos estratégicos e os bancos públicos deverão “assumir papel importante” no financiamento da reindustrialização. Haverá financiamento não-reembolsável para projetos de empresas em parceria com universidades, institutos e centros de pesquisa em iniciativas verdes em estágio inicial. Uma “reforma fiscal verde” aumentará progressivamente o custo da poluição e premiará investimentos e inovação de baixo carbono, por meio de cobrança e dedução de impostos.
O plano para empreendedorismo de Haddad envolve também mudanças aos consumidores, por meio do aumento do crédito e redução do spread bancário pelo “Dívida Zero”. O programa instituirá uma linha de crédito em banco público com juros e prazos acessíveis para negativados do Serasa e SPC. Quanto aos funcionários, o petista pretende revogar a flexibilização trabalhista e manter o ganho real do salário mínimo todos os anos para aumentar o poder de compra.
Não há uma seção específica para negócios no plano de governo de Jair Bolsonaro. A palavra “empresas” aparece 14 vezes; a palavra “empreendedorismo” aparece três vezes; e a palavra “startup” aparece uma vez. Em um plano de governo com 81 slides, chamado “Projeto Fênix”, o candidato afirma defender a “economia de livre iniciativa” e diz que o liberalismo “reduz a inflação, baixa os juros, eleva a confiança e os investimentos, gera crescimento, emprego e oportunidades”. Bolsonaro defende “ajustes necessários”, incluindo o enxugamento da estrutura pública por meio de privatizações em áreas como energia, infraestrutura e transportes. O foco dessas privatizações estaria não só em cortar custos, mas também em gerar mais competição.
O empreendedorismo é abordado no programa principalmente ligado às universidades, que deveriam desenvolver parcerias e pesquisas com a iniciativa privada para “transformar ideias em produtos” e montar “hubs tecnológicos”. As universidades também precisariam fomentar o empreendedorismo “para que o jovem saia da faculdade pensando em abrir uma empresa”, de acordo com o candidato.
Bolsonaro propõe unificar e simplificar tributos nacionais, fazendo com que “os que pagam muito paguem menos” e com que “os que soneguem e burlem paguem mais”. Uma sugestão do candidato específica para empresas é a simplificação de abertura e fechamento de empresas com a criação do “Balcão Único”, que centralizará esses procedimentos.
Como forma de acelerar a modernização da estrutura produtiva brasileira, Bolsonaro defende a “depreciação acelerada e abertura comercial imediata a equipamentos necessários à migração para a indústria 4.0”, a “ampla requalificação da força de trabalho para as demandas da nova economia e tecnologias de ponta” e o “apoio a startups e scale-ups de alto potencial, sempre em parceria com instituições privadas do mercado de capitais.”
Em alusão à flexibilização trabalhista, Bolsonaro propõe que novos trabalhadores possam optar por “uma nova carteira de trabalho verde e amarela”, “onde o contrato individual prevalece sobre a CLT”. O candidato é contra o retorno do imposto sindical.