Banco de horas: como aproveitar o recurso nas pequenas e médias empresas (Peter Dazeley/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 27 de setembro de 2021 às 13h00.
Última atualização em 27 de setembro de 2021 às 14h43.
Por Eduardo Ordoño, sócio do escritório Romar, Massoni & Lobo Advogados
A rapidez em transformar os erros do passado em lições valiosas, aplicadas ao presente e para o futuro, constitui uma das inúmeras facetas do empreendedor brasileiro.
Jogue a primeira pedra o empreendedor que jurou a si mesmo que nunca mais cometeria o erro de implementar, em sua empresa, o sistema do banco de horas, certamente após deixar de colher a economia que havia tanto prometido no pagamento das horas extras de seus empregados. Pior. Ainda teve de administrar o mesmo grau de insatisfação no ambiente de trabalho, em especial nas relações com os empregados.
Não há nada mais prejudicial em uma relação de trabalho do que o sentimento de que “um lado” está explorando ou enganando o “outro lado”.
Em uma relação humana de interdependência (empregador e empregado), o respeito, a boa-fé e a transparência representam os valores mínimos que devem ser buscados em todas as suas interações.
Pensando nisso e em uma tentativa de dissuadir o empreendedor pessimista em relação ao banco de horas, sintetizamos a experiência, adquirida em bons anos com essa ferramenta de gestão, em quatro conselhos, que vão desde a elaboração das regras do banco de horas, preferencialmente por meio de acordo entre empregador e empregado sem a necessidade de intervenção sindical, até a forma e a periodicidade do controle da jornada de trabalho dos empregados.
Esse aforismo grego inscrito na entrada do Templo de Delfos, com datação provável que remonta ao século 4 a.C., convida-nos a promover um autoconhecimento, para que possamos lidar melhor com nós mesmos e com o mundo exterior.
Tal como deveria ser, a instituição do banco de horas exige um prévio “olhar para dentro” do empreendedor, ou seja, entender seu business, sua operação e, principalmente, os períodos de baixa, média e altas demandas produtivas.
O empreendedor precisa visitar as informações históricas de seu empreendimento, consultando os resultados operacionais, mês a mês, os custos, a forma de organização da mão de obra e quais foram as melhores práticas da empresa (se possível, dos concorrentes) e identificar os pontos de eficiência do passado.
Na posse dessas informações, o empreendedor deve se reunir com seus gestores e traçar um plano detalhado para espelhar os períodos de maior demanda da empresa com o tempo de trabalho de seus empregados, buscando eficiência e economia dos recursos (financeiros e humanos).
O empreendedor que inverte essa ordem ou institui um sistema de banco de horas sem informações do próprio negócio ou com as expectativas voltadas apenas para os números finais não será exitoso.
A dica número 1 é: levante o maior número de informações históricas de seu negócio, organize esses dados de modo que se possa saber os dias ou meses de maior demanda produtiva da empresa (mercado), espelhe-os com os horários de trabalho de seus empregados e, por fim, veja de que modo essas duas informações possam coincidir no tempo, criando uma harmonia entre a demanda produtiva e a jornada de trabalho dos empregados.
É um erro enxergar o banco de horas como uma mera ferramenta de gestão financeira da empresa. A redução dos custos operacionais pode ser um dos prováveis efeitos de sua implantação e não a sua razão de ser.
O banco de horas é muito mais do que isso!
Trata-se de um importante recurso colocado à disposição do empreendedor que visa concentrar as horas extras de seus empregados, prioritariamente, nos períodos de maior demanda produtiva da empresa, dentro de um período de seis meses.
Enquanto nos períodos de média e alta demanda pelos produtos e serviços da empresa, os empregados colocaram uma maior quantidade de horas de trabalho para a entrega dos objetivos definidos pela empresa, nos períodos de baixa demanda produtiva o raciocínio é o inverso, o empreendedor disponibilizará uma maior quantidade de horas de descanso aos seus empregados, para compensar o esforço dedicado à empresa.
O salário mensal deve ser mantido o mesmo, portanto, sem redução.
Durante os seis meses em que o banco de horas permanecer vigente, as horas extras dos empregados deverão ser lançadas no sistema de controle da empresa como horas positivas e as horas de descanso concedidas especialmente para a compensação no banco de horas como horas negativas.
O objetivo é que, no final desses seis meses, o produto da compensação das horas extras trabalhadas (crédito do empregado/débito do empregador) e das horas negativas de trabalho (débito do empregado/crédito do empregador) seja igual a zero.
A ampliação dos períodos de descanso dentro da jornada normal de trabalho, ou seja, além dos descansos semanais remunerados, dos feriados, das férias e faltas permitidas pela lei ou normas coletivas, culminará com uma melhora significativa no sentimento de satisfação e na saúde dos empregados, promoverá um maior engajamento coletivo, redução no pagamento das horas extras, aumento da produtividade e da eficiência empresarial, bem como fomentará uma dedicação qualitativa dos empregados nos respectivos seios familiar, social, político e comunitário.
O documento escrito que regerá a implantação do banco de horas deve contemplar o prazo de vigência, os períodos em que as horas extras irão se concentrar, os períodos de descanso, o sistema de compensação e a plataforma ou o modo em que os saldos positivos e negativos serão acessados pelos empregados.
O empreendedor pode optar por diversos sistemas de compensação, desde que não altere o salário-base mensal em virtude da diminuição dos dias trabalhados:
a) redução de algumas horas diárias (por exemplo, ao invés de 8 horas diárias, a jornada de trabalho passaria a ser de 7 ou 6 horas); ou
b) redução de alguns dias de trabalho dentro da semana (por exemplo, ao invés do trabalho de segunda a sexta-feira, passa-se a se exigir apenas quatro dias na semana); ou
c) aumento dos dias nas férias; ou
d) eleição prévia pelo empregado de datas comemorativas (como aniversários, por exemplo) ou de dias especiais (nos seis meses de incidência do banco de horas, o empregado irá casar-se ou irá comparecer a um evento festivo já programado); ou
e) ampliação das faltas justificadas previstas na legislação do trabalho ou nas normas coletivas (acompanhamento médico de dependentes, luto etc.); ou
f) estabelecimento de um sistema híbrido que contemple todas essas hipóteses.
Sugerimos que esses períodos de descanso sejam negociados individualmente entre o gestor imediato e o empregado, privilegiando os dias que atendam aos interesses pessoais do empregado, já que os dias de trabalhos extras foram definidos pelo empregador, especificando-os expressamente no documento escrito.
A transparência no processo e o estabelecimento de um diálogo aberto com os empregados constituem a chave para o sucesso do acordo.
Caso o período de seis meses seja insuficiente para a empresa, a legislação do trabalho permite que ele seja anual (12 meses), contudo o banco de horas terá de ser negociado com o sindicato da categoria e contemplado em acordo coletivo de trabalho (artigo 611-A, II, da CLT).
Se os seis meses forem suficientes, basta a celebração de um acordo individual, por escrito, entre a empresa e o empregado (artigo 59-A, §5º, da CLT).
Nada impede que no final dos seis meses, um novo acordo seja celebrado individualmente e por escrito, para aplicação no novo semestre.
Os acordos individuais devem ser assinados pelas partes e arquivados nos documentos funcionais do empregado.
Na impossibilidade de compensação integral das horas extras trabalhadas com as horas de descanso, a empresa ficará obrigada a pagar o adicional de horas extras devido, sendo de, no mínimo, 50% nos dias normais e 100% nos domingos e feriados (saldo positivo de horas).
Se o saldo de horas for negativo, sugere-se que a empresa não efetue nenhum desconto, perdoando o débito do empregado em relação à empresa.
Por fim, se o contrato de trabalho for rescindido, por qualquer motivo, antes do encerramento do prazo de vigência do banco de horas, as horas positivas deverão ser pagas junto com as verbas rescisórias, calculadas sobre o valor da remuneração na data da rescisão (artigo 59-A, §3º, da CLT).
Por fim, um outro aforismo grego inscrito na entrada do Templo de Delfos, junto à inscrição transliterada de “Conhece-te a ti mesmo” é a “Nada em excesso”.
Por razões óbvias que perpassam pela constatação de que o vínculo de trabalho é uma relação de poder, a validade do banco de horas como cultura empresarial geradora de satisfação nos empregados e com reflexos na economia e eficiência empresarial, depende muito do nível de conhecimento do empreendedor sobre o próprio negócio, na busca pela convergência do ritmo da produção com os interesses dos empregados e na lisura, respeito e transparência antes, durante e no final do prazo de cada período de banco de horas.
O conhecimento e a empatia, privando-se cada parte envolvida dos excessos para o atendimento dos interesses pessoais, representam o sucesso na implantação dessa importante ferramenta de gestão empresarial.
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