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Da Redação
Publicado em 25 de setembro de 2013 às 09h01.
Toda manhã, o paranaense Tiago Alves, de 27 anos, monta em sua Caloi vermelha e pedala 7 quilômetros pelas ruas de Londrina, no interior do Paraná, para ir de sua casa até a quitanda onde trabalha. Ele carrega as caixas com frutas e verduras que chegam dos fornecedores, organiza tudo nas prateleiras, repõe as mercadorias conforme os clientes são atendidos e ainda cuida da limpeza. Às 6 da tarde, é hora de voltar para jantar com sua mulher, Andrea.
A bicicleta vem dando problemas. Um dia, a correia arrebenta. Noutro, é um parafuso que cai. "Estou ansioso para que julho chegue logo", diz. Em julho, Alves completará dois anos e meio de tratamento para corrigir os dentes na rede de clínicas odontológicas Ortodontic Center. Ao pagar a última prestação, vai ganhar da clínica uma bicicleta nova, de 18 marchas, e poderá aposentar o modelo atual.
Com faturamento de 14 milhões de reais em 2009, a Ortodontic Center já distribuiu mais de 20 bicicletas a pacientes que ultrapassaram 30 meses de tratamento e não deram o cano nos pagamentos. A bicicleta é a grande atração de um programa de brindes que inclui bonés, mochilas e perfumes.
"É um estímulo adicional para o paciente não abandonar tratamentos muito longos", diz o dentista Fernando Massi, de 36 anos, sócio da clínica. Conforme o tempo avança (e os pagamentos entram no caixa da empresa), melhor é o prêmio. Nos últimos quatro anos, desde o início do programa, a permanência nos tratamentos subiu de 18 para 26 meses.
Massi vem caprichando numa tarefa que deveria ser uma preocupação central em toda pequena ou média empresa que precisa crescer - não perder clientes que custou tanto para conquistar. "Contar com a lealdade do consumidor é fundamental", diz Rodolfo Spielmann, consultor da Bain & Company especializado no assunto. "Como uma pequena ou média empresa vai crescer de forma sustentável se estiver sempre correndo atrás de novos clientes para repor aqueles que não consegue manter?"
Há ao menos três boas razões para um empreendedor levar muito a sério a missão de transformar clientes em fiéis seguidores. Primeiro, eles tendem a ser, em média, mais rentáveis do que quem acabou de chegar. Segundo, são estratégicos para a expansão, pois cos tumam indicar a outras pessoas empresas com as quais estão felizes. Terceiro, porque em dois tempos um pequeno comentário negativo num blog ou fórum pode virar uma bola de neve de reclamações. Nesse caso, as opções são: lutar por um lugar no coração dos consumidores ou correr o risco permanente de, um dia desses, acordar em meio a um bombardeio verbal de ex-clientes que, irados, vão comprar em outra freguesia. O que você prefere?
Massi, da Ortodontic Center, ficou com a primeira alternativa. Há 12 anos, logo após o término da faculdade, ele e três colegas arrendaram um consultório num bairro popular de Londrina. Como em todo início, não era fácil conseguir pacientes. A frustração aumentava ao perceber que a maioria abandonava logo nos primeiros meses os tratamentos ortodônticos, que deveriam durar anos.
Que fim levou aquele paciente que tinha sido tão difícil convencer a usar aparelho? Era bastante provável que agora estivesse numa clínica vizinha, pagando um preço só um pouquinho menor. Outros sumiam mesmo. Era gente que tinha enjoado do dentista - ou usado o dinheiro da mensalidade para comprar um celular ou consertar o telhado. A evasão de pacientes era um problemão. Na Ortodontic Center, o paciente só começa a dar lucro depois da quinta prestação. No 30o mês, a margem pode chegar a 50%. "O desafio é mantê-lo até lá", diz Massi.
Todo mundo já foi abordado, pelo menos uma vez na vida, por uma empresa em situação semelhante à da Ortodontic Center. Varia o título, mas o enredo do filme costuma ser o mesmo: "Receba um abatimento de 100% a cada dez aquisições. Ganhe um cupom de desconto na compra disso para gastar naquilo. Recorte o canto desta embalagem, junte 20 e troque por uma pizza de mussarela".
Um problema nesse tipo de iniciativa é sua eficácia - no médio e longo prazo, nada adianta se o consumidor não precisar ou não gostar do benefício oferecido. Outro problema grave é que, conforme essas práticas se revelam inócuas, empreendedores desesperados costumam conceder mais e mais descontos - que continuam não surtindo o efeito esperado e ainda podem comprometer seriamente a rentabilidade. Finalmente, conforme mais empresas fazem a mesma coisa, a situação só piora.
"Esses planos são bons para atrair clientes fiéis a preços, e não à empresa", diz Eugenio Foganholo, da Mixxer, consultoria especializada em varejo.
Ser refém numa guerra de preços é a última coisa que o empreendedor Eder Régis Marques, de 48 anos, quer para sua companhia, a Jaguaré, fabricante paulista de embalagens de papelão. "Como estamos num mercado com muitos fornecedores, dar desconto cada vez que somos pressionados não garante mais vendas", diz Marques.
Cinco anos atrás, ele percebeu algo pior. Boa parte dos clientes que sempre reclamam e pedem descontos é justamente aquela que menos valoriza a especialidade da Jaguaré - desenvolver caixas sob demanda, entregues a clientes como a fabricante de computadores Dell e o laboratório farmacêutico Neo Química. "Os clientes que só se importam com preço dispersam nossa atenção, que deveria se concentrar em atender quem realmente é importante para a expansão do negócio", diz Marques.
Desde então, uma vez por ano a lista de clientes da Jaguaré passa por uma revisão que identifica quais são aqueles que valem o esforço de agradar e que não podem ser perdidos de jeito nenhum. Na blitz, são levados em consideração critérios como volumes de compras, margens de lucro e tempo médio gasto nas negociações. Os que recebem mais pontos ganham uma espécie de consultoria.
Nesses casos, funcionários de Marques vão até a fábrica do cliente para entender exatamente como as embalagens entram na linha de produção e, se for o caso, dar sugestões que diminuam os custos, como mudar a espessura ou o tipo de papel. É o que está acontecendo agora na subsidiária da multinacional alemã ZF Sachs, que produz embreagens no Brasil.
"Estamos desenvolvendo em conjunto com a Jaguaré uma nova embalagem que ajude a reduzir custos com logística", diz Fernando Silva, diretor de desenvolvimento da ZF Sachs, cliente da Jaguaré há dois anos. Alguns desses clientes especiais têm direito a examinar a planilha de custos das embalagens encomendadas. "Queremos mostrar a eles que, quando precisamos aumentar preços, é porque não tem jeito mesmo", diz Marcos Takehara, diretor comercial da Jaguaré.
"Neste ano, por exemplo, fizemos um ajuste quando o custo da matéria-prima subiu, mas provamos que nossa margem permanecera igual." Marques está convencido de que a transparência no relacionamento faz bem aos resultados. Desde 2008, as receitas que vêm das empresas clientes da Jaguaré há mais de um ano aumentaram 5% - e chegaram, no ano passado, a 97,8% do faturamento total, de 55 milhões de reais.
A esta altura, cabe uma pausa para um pouco de reflexão: até que ponto dá para ter certeza de que os bons resultados recentes colhidos por Marques, da Jaguaré, e Massi, da Ortodontic Center, provêm dessas estratégias? Os pacientes estão fugindo menos da Ortodontic Center por causa dos prêmios - ou eles são indiferentes? Os clientes que até hoje têm sido fiéis à Jaguaré dariam as costas a Marques caso passassem a receber o mesmo tratamento de outros fornecedores?
A resposta franca e direta para essas perguntas é: não, não dá para ter certeza absoluta de nada disso. As estratégias dessas empresas fazem parte de um contexto mais amplo de sua trajetória de expansão, que inclui aspectos como busca constante da qualidade e controle de custos para manter os preços dentro do mundo real.
E, como se sabe, preço e qualidade ainda respondem, no consumidor, por parte (provavelmente, a maior parte) de sua satisfação - a matéria-prima de toda a lealdade no mundo dos negócios.
Para quem faz questão de tudo preto no branco, a má notícia é que não há, no manual de boas práticas da conquista do cliente, verdades absolutas e conceitos indiscutíveis - como há a ideia de que "a soma das receitas tem de ser superior à dos custos" no manual da rentabilidade.
A boa notícia é que da tentativa sincera de fazer o possível para não perder o cliente podem brotar ideias que realmente façam a diferença entre uma empresa com bons produtos e outra empresa também com bons produtos, mas empenhada em manter seus melhores clientes.
Esse é um esforço que pressupõe um exercício diário sem o qual é mais difícil uma pequena ou média empresa ir muito longe - o de compreender profundamente o consumidor para escolher, entre tudo o que pode ser oferecido, o que de fato tem valor para ele. "É preciso dedicar-se a conhecer a fundo os clientes, dia após dia", diz o consultor Marcos Militelli, especializado em pequenas e médias empresas. "O que é de grande valor para alguns pode não ser grande coisa para outros."
Ao quebrar a cabeça para ter ideias do que poderia ser oferecido aos clientes para não perdê-los, o administrador Adauto Menezes, de 36 anos, sócio da pet shop virtual paulista Meu Amigo Pet, entendeu que, às vezes, eles podem ficar felizes com algo simples - como uma pequena ajuda para planejar as compras. Foi isso que ele ofereceu, com bons resultados, a criadores e hotéis de animais de estimação cadastrados no site - Menezes e seus sócios queriam aumentar as vendas para empresas que precisam regularmente de grandes quantidades de produtos como rações, xampus e antipulgas.
Para reduzir a probabilidade de que essas empresas pulassem de fornecedor em fornecedor em busca de preços menores, os sócios tiveram a ideia de criar um serviço de assinatura, que prevê a entrega mensal de uma cesta de produtos determinados por elas. Desde junho do ano passado, quando as assinaturas começaram a ser vendidas, 120 clientes aderiram.
As vendas para eles passaram a ser cinco vezes maiores que a média dos demais consumidores. A rentabilidade também cres ceu. "Compras maiores e pré-agendadas facilitam nosso planejamento, o que nos ajuda a negociar preços melhores com nossos fornecedores", diz Menezes. "Agora fazemos pedidos em lotes maiores e passamos a obter descontos de até 15%."
Como as assinaturas deram certo, a Meu Amigo Pet as ofereceu também a algumas pessoas físicas que compram em grande quantidade. É o caso, por exemplo, do paulista Marcelo Santos. Ele tem sete cachorros para alimentar - seis pastores alemães, que vivem num sítio na cidade paulista de Jundiaí, e a buldogue Maya, que mora com ele num apartamento em São Paulo. Todos os meses, Santos gasta cerca de 800 reais com comida e artigos de perfumaria canina. Ele já era cliente da Meu Amigo Pet - mas, frequentemente, se esquecia de fazer os pedidos no site. Quando alguma coisa faltava, precisava sair correndo ao supermercado mais próximo. "Depois da assinatura, concentrei tudo na Meu Amigo Pet", diz ele.
Entender o que pode motivar um internauta a escolher uma loja virtual em vez de outra - como fizeram os sócios da Meu Amigo Pet - deveria ser uma meta perseguida por qualquer empreendedor que venda produtos ou serviços pela internet. De acordo com um estudo da Bain & Company, o valor médio na quinta compra que um internauta faz num mesmo site é 40% maior do que na primeira. Na décima compra, ele gasta 81% mais.
Dentro ou fora da internet, o fenômeno descrito pelo estudo está relacionado a um dos maiores poderes da lealdade - conseguir que, em ambientes de altíssima competição, como no comércio eletrônico, o cliente destine uma fatia maior do dinheiro que está em sua carteira para determinada empresa de sua preferência. "Para isso, é preciso fazer alguma coisa para não perdê-lo", diz o consultor Spielmann. "Estou cansado de ver empresas de todos os tamanhos que investem fortunas na captação de novos clientes a cada ano, enquanto perdem o mesmo número e terminam o jogo empatado."
Quando o mercado está passando por uma grande transformação, manter relações duradouras com o cliente pode ser essencial para que uma pequena ou média empresa consiga atravessar a turbulência. A rede de locadoras de filmes 2001 Vídeo, de São Paulo, está vivendo esse momento. É cada vez mais provável que, daqui a alguns anos, todo mundo possa, com o pagamento de uma taxa, baixar o filme desejado pela internet - sem ter de ir a lugar nenhum nem se aborrecer com projeções que emperram quando o disco está riscado.
Além disso, há ameaças concretas já - como camelôs que vendem discos piratas a menos de 5 reais, download ilegal de filmes e locadoras virtuais, que entregam e buscam em casa. Por causa disso tudo, os números não são bons para o setor - segundo o Sindicato das Empresas Videolocadoras do Estado de São Paulo, as locações caíram 60% desde 2005.
Considerando o cenário pouco animador, chama a atenção o desempenho da 2001 no ano passado. A receita com aluguel de DVDs cresceu 8,5% em relação a 2008 e ajudou a empresa a obter receitas de 11,4 milhões de reais. Nascida há 28 anos de uma lojinha na avenida Paulista, a 2001 está à espera de uma modernização, que, segundo o sócio Frederico Botelho, de 50 anos, inclui o download de filmes para os clientes cadastrados. "Enquanto isso, não podemos nem pensar em perder clientes", diz ele.
Para ajudar a manter seus consumidores animados a se deslocar até uma das seis lojas da 2001 e retirar um filme da prateleira, Botelho distribui gratuitamente uma revista mensal sobre cinema e séries de TV.
A publicação existe desde 2002 e traz artigos sobre a obra de diretores famosos, explicações sobre o que são os filmes noir ou a nouvelle vague francesa, resenhas de lançamentos e de filmes antigos, além de entrevistas exclusivas com atores e diretores. "A ideia é trazer informações breves nem sempre encontradas na grande imprensa", diz Botelho. "Acredito que a curiosidade de meu cliente para ver mais filmes de determinado diretor ou ator aumenta se ele souber mais sobre o trabalho deles."
Os textos são escritos por funcionários da equipe de marketing. Botelho gosta de participar das reuniões que definem a pauta da revista. "Dou muitos palpites", diz. Sua ligação com o mundo do cinema vem de longa data. Quando jovem, Botelho estudou atuação na escola de teatro Macunaíma, de São Paulo, e chegou a trabalhar como assistente do ator americano Raul Julia na gravação do filme O Beijo da Mulher Aranha, de 1985. Aos 22 anos, deixou o curso para tornar-se sócio da 2001, onde já trabalhava como atendente.
A grande fonte de pesquisas para os textos é, na maior parte das vezes, a própria base de dados da locadora, que conta com 12 127 títulos. Seu custo por exemplar é 1 real, bancado por cerca de 2% do faturamento. Isso ajuda a aumentar as receitas? A reportagem de EXAME PME passou um sábado inteiro numa das lojas perguntando a quem levava um filme se a revista estimula a ir mais frequentemente à 2001 e a assistir a mais filmes.
Para 37,5% das pes soas ouvidas, a revista é, sim, um serviço que as faz voltar à 2001 em vez ir a locadoras próximas, que cobram preços até 60% menores. Uma parcela de 35,5% afirmou já ter alugado pelo menos um título depois de ter a curiosidade despertada por uma leitura da revista. "Já perdi as contas de quantos filmes peguei na 2001 depois de saber deles pela revista", diz Cristina Freitas, de 61 anos. Uma vez, a leitura chamou sua atenção para um documentário sobre uma tia e uma prima falidas de Jacqueline Onassis. Cristina gostou tanto que indicou o filme a vários amigos. "Eles não o acharam em lugar algum. Só na 2001", diz ela.
Cristina é um exemplo concreto de um dos efeitos mais frequentemente atribuídos ao cliente leal - o poder de, com sua propaganda espontânea, atrair novos clientes. "Consumidores fiéis indicam a empresa a outros e, portanto, devem fazer parte da estratégia de conquista dos novos", diz Spielmann.
Foi por indicação de um cliente que a paulistana Andrea Araújo, dona de uma loja de objetos de decoração em São Paulo, escolheu a AddMark, empresa especializada em automação para varejo, entre os muitos fornecedores que atuam nesse mercado. Cinco anos atrás, quando abriu seu negócio, ela foi a uma loja da grife Louis Vuitton, onde conhecia alguns funcionários, para pedir dicas de onde encontrar um bom fornecedor de soft ware de gestão.
"Recomendaram o pessoal da AddMark", diz Andrea. "Acabei fechando o contrato lá." A prestação de serviços - como a manutenção e o suporte que Andrea adquiriu -, é a parte da empresa que o administrador Eduardo Santos, de 66 anos, fundador da AddMark, está mais empenhado em expandir desde 2008. Além de serviços, a empresa vende equipamentos como impressoras fiscais e leitores ópticos. "Como são pagos mensalmente, os serviços são uma importante receita recorrente", diz Santos.
Ultimamente, no setor de tecnologia, crescer com serviços não é objetivo só da AddMark - mas de centenas de pequenas e médias empresas. Para complicar, a AddMark cobra preços até 10% mais altos que a média do mercado de automação.
Para Santos, estava claro que era preciso oferecer algo a mais para não perder os clientes. Mas o quê? Santos lembrou-se de sua experiência anterior como consultor da área. Por muitos anos, ele viu de perto o quanto donos de pequenas e médias empresas penavam para lidar com hardware e soft ware. Teve, então, a ideia de dar, a preço de custo, treinamentos a clientes e seus funcionários.
Nos treinamentos, percebeu que os clientes tinham todo tipo de dúvida sobre alguns assuntos, como o jeito certo de montar uma rede de franquias ou como adequar a empresa à legislação fiscal. Santos organizou alguns seminários sobre esses temas com o objetivo de aproximar mais a AddMark dos clientes. "Foi um sucesso", diz ele, que passou a organizar quatro desses eventos por ano.
Desde que os cursos começaram, a participação dos serviços nas receitas da AddMark aumentou 70%, ajudando a empresa a fechar 2009 com 8,5 milhões de reais de faturamento - mais do que o dobro em relação a 2007. "Não acho que teríamos conseguido crescer tudo isso sem contar com clientes que gostam tanto da gente", diz Santos. "Eles são nosso maior patrimônio."
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