Pesquisa aponta cenário da mulher negra no trabalho (UberImages/Thinkstock)
Mariana Fonseca
Publicado em 17 de setembro de 2018 às 06h00.
Última atualização em 17 de setembro de 2018 às 06h00.
São Paulo - O Brasil possui mais de 12 milhões de empreendimentos - mas poderia ter muito mais, não fossem entraves alarmantes para a criação e manutenção de empresas.
Essa percepção geral é reforçada nos estudos da Endeavor, organização mundial de fomento ao empreendedorismo. Para mudar esse quadro e fazer o Brasil finalmente subir nos rankings de ambiente de negócios, a Endeavor quer aproveitar o sentimento de mudança gerado pelas eleições de 2018 para a Presidência da República.
A organização criou, então, sua “Agenda para o Alto Crescimento”, reunião de quatro medidas básicas que trariam ganhos substanciais ao empreendedorismo brasileiro. O documento, que tem como mote “descongestionar o Brasil”, empresários como Beto Sicupira (3G), Jorge Paulo Lemann (3G), Pedro Passos (Natura), Rodrigo Galindo (Kroton) e Sonia Hess (Dudalina).
Em parceria com a consultoria BCG, a Endeavor enviou um questionário a 25 mil empreendedores de sua rede, que listaram os problemas que mais afetam suas empresas. As 2.500 respostas recebidas se juntaram a 35 entrevistas profundas feitas anteriormente com Empreendedores Endeavor, donos dos negócios inovadores que mais crescem no país (ou “scale ups”). Tais questionários e entrevistas geraram uma lista de 75 problemas, selecionados pela quantidade de citações e agrupados nas quatro grandes medidas.
Elas serão, agora, discutidas com as equipes que elaboram o programa dos candidatos à Presidência da República.
Veja, a seguir, 4 medidas fáceis que fariam o Brasil empreender mais:
Não é novidade que abrir, manter e fechar uma empresa em solo brasileiro é uma tarefa complexa. Há várias instâncias governamentais que realizam diferentes partes desses processos, o que o tornam mais burocráticos e custosos.
Estima-se que o empreendedor brasileiro demora 80 dias para iniciar as atividades comerciais na sua empresa, contra 24 dias na vizinha Argentina e algumas horas na exemplar Nova Zelândia. Contando com documentos de regularização, como alvará de construção e registro de imóveis, esse tempo pode subir para 450 dias.
Na hora de fechar um empreendimento, os problemas podem ser ainda maiores com as irregularidades geradas durante a operação. No brasil, há 3,7 milhões de CNJPs com baixo nível de atividade, que provavelmente não foram encerrados devido a alguma dívida no pagamento de impostos.
Tantos entraves reduzem a quantidade de pessoas se tornem empreendedoras e, com isso, limitam o desenvolvimento do país e de seus habitantes. Segundo estudo publicado na Quarterly Review of Economics and Finance, se os procedimentos e atrasos fossem reduzidos à metade no Brasil, o aumento da renda per capita no longo prazo seria de 25%.
Para resolver a abertura, manutenção e fechamento de empresas, a Endeavor propõe primeiro incluir na Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim) a adesão obrigatória para capitais e municípios de médio e grande porte. Deverão ser implementadas regulações como um sistema único de abertura, alteração e baixa de empresas; a padronização e simplificação de processos de registro e legalização; a consulta do andamento de cada processo pelos empreendedores; e, por fim, a redução dos dias de cada pedido.
O prazo de implementação dessas mudanças deverá ser de até três anos. Capacitações e treinamentos deverão ser feitas com órgãos estaduais e municipais ao longo desse tempo.
Outro grande problema do empreendedorismo no Brasil diz respeito à carga tributária e à dificuldade em pagar esses impostos. Segundo o relatório Doing Business, do Banco Mundial, o Brasil aparece em 181º lugar no quesito pagamento de impostos, à frente apenas de Bolívia, Venezuela e alguns países africanos.
No Brasil, são gastas 1.958 horas por ano, ou cerca de 80 dias, para que uma empresa preencha os documentos necessários e pague os impostos devidos. Em um país economicamente similar, como o México, são necessárias 240 horas anuais.
A complexidade tributária cria barreiras para a entrada de negócios, inclusive estrangeiros, e abre margens para a interpretação das leis. Alguns efeitos são o favorecimento de empresas maiores, que negociam vantagens tributárias, e o incentivo à guerra fiscal entre estados brasileiros. As atualizações tributárias e as consequentes inseguranças jurídicas, para o pequeno empreendedor, aumentam o medo de errar e ter processos e custos tributários não previstos. Cerca de 86,2% das empresas brasileiras possuíam irregularidades com algum órgão federal em 2017, diz o estudo Burocracia no Ciclo de Vida das Empresas.
Como medidas, a Endeavor propõe aprovar uma reforma tributária que institua o cadastro fiscal único da pessoa jurídica; criar um imposto único sobre bens e serviços, que englobaria ICMS, ISS, IPI, PIS e COFINS; desonerar completamente exportações e investimentos; analisar e revogar regras tributárias contraditórias; fixar sanções para órgãos do poder público responsáveis pelo descumprimento de consolidação anual da legislação tributária; a revisar a política de concessão de benefícios e isenções fiscais com avaliação periódica e sistemática, com foco em produtividade e competitividade.
A falta de recursos financeiros é apontada como um dos três principais desafios dos empreendedores brasileiros, segundo o estudo Desafios dos Empreendedores Brasileiros.
Não é um problemas apenas de capital, mas de obstáculos para o acesso a ele - garantias, juros altos e grande quantidade de documentos e requisitos. Para conseguir empréstimos em entidades privadas, como bancos, e entidades públicas, como o BNDES, a documentação exigida e a avaliação é minuciosa em um grau que apenas grandes empresas conseguem dar conta, de acordo com a Endeavor, diante de custos administrativos, de monitoramento e de garantias. Segundo o IPEA, a eliminação de custos administrativos elevaria o PIB per capita brasileiro em 7%, via aumento de número de firmas com crédito; com menor custos de monitoramento, o avanço seria de 2,4%; e com garantias colocadas nos níveis de países desenvolvidos, 12%.
Algumas propostas são tornar o processo de análise e concessões de empréstimos nos bancos públicos e agências de fomento mais transparente, padronizando documentos e exigências, e aprimorar a gestão de risco para um tratamento diferenciado por porte de empresa, priorizando crédito a tomadores com maiores dificuldades no mercado privado.
Outra bandeira é agilizar a execução e aperfeiçoar a Lei de Recuperação Judicial, garantindo mais segurança jurídica aos credores, e o cadastro positivo do Banco Central. Por fim, a regulamentação das fintechs deve ser cada vez mais desenvolvida de forma a aumentar a concorrência bancária e, com isso, a oferta de crédito.
Ainda que nem todas as empresas sejam revolucionárias, as que possuem a tecnologia ou seu produto como diferencial devem buscar a proteção de suas propriedades por meio de patentes e registros de marca. Com esse controle, a inovação pode servir de base para outros produtos enquanto remunera aqueles que de fato investiram em seu desenvolvimento.
Embora as patentes tenham duração entre 15 a 20 anos, o empreendedor brasileira espera, em média, 10 anos apenas para obter sua concessão. Na China, esse período é de 1,9 anos. Atualmente, há 225.115 pedidos de patentes e 358.776 registros de marcas para serem avaliados no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). Há empreendedores brasileiros que registram primeiros suas patentes fora do país, pela agilidade no processo e o medo de que sua ideia seja copiada logo.
Para resolver isso, a Endeavor propõe reestruturar a gestão do INPI, automatização e otimizando sua gestão para zerar o banco de patentes e reduzir o tempo de concessão para 24 meses. Além disso, seria preciso estabelecer acordos de cooperação técnica com importantes escritórios internacionais para acelerar a análise e a revalidação de patentes concedidas no exterior e aderir ao Protocolo de Madri, que centraliza procedimentos de proteção de marcas em outros países com foco e poderia reduzir custos nesse aspecto ao Brasil.
A Endeavor realiza estudos sobre a relação dos empreendedores com a esfera pública em 2012, com um estudo sobre educação empreendedora. Dois anos depois, lançou seu primeiro Índice de Cidades Empreendedoras. Com a campanha “Mais Empreendedores, mais empregos” para as eleições de 2016, questionou a agenda voltada ao empreendedorismo de possíveis prefeitos e vereadores. A Agenda para o Alto Crescimento é a primeira iniciativa da Endeavor voltada a políticas públicas de nível federal.