A Meu Carrinho atraiu recursos ao permitir que varejistas e fabricantes de bens de consumo disparem anúncios de promoções enquanto o consumidor está na loja (Daniela Toviansky)
Da Redação
Publicado em 23 de abril de 2012 às 17h11.
São Paulo - A noite de 1º de agosto de 2011 vai ficar guardada para sempre na memória dos amigos Luciano Frezzatto, de 25 anos, Bruno Branta, de 26, André Nazareth, de 26, e Danilo Campos, de 27. Na festa em que estavam, não paravam de receber cumprimentos. A Meu Carrinho, empresa que desenvolveu um aplicativo para organizar listas de compras de supermercado, mal havia completado um ano de vida e já recebia seu primeiro aporte de capital de um investidor.
"Tiramos até foto segurando um cheque gigante, como manda o ritual", diz Nazareth. O cheque foi assinado pelo engenheiro Romero Rodrigues, fundador do BuscaPé, a maior empresa de comparação de preços da América Latina, em troca de 30% da sociedade na Meu Carrinho. O acordo incluiu hospedagem no prédio do BuscaPé, em São Paulo. Antes, cada sócio trabalhava em sua casa. "Agora, sim, podemos contar, com orgulho, que temos uma sede", diz Nazareth.
A Meu Carrinho não é um caso isolado de empreendedorismo inovador recente. Em 2011, surgiram no país mais de 2 000 startups só no setor de tecnologia — o triplo de 2009, segundo estimativa do Instituto Inovação, entidade de fomento ao empreendedorismo. É algo que não se via desde a proliferação de empresas ponto-com, na década de 90.
"O momento está extremamente favorável para empreender no Brasil", diz Gustavo Junqueira, diretor do Instituto Inovação.
Dois grandes motivos explicam essa efervescência. O primeiro: há muitos mercados com grandes oportunidades de expansão, dentro e fora do Brasil. Um exemplo é o setor de saúde. Os custos dos planos médicos não param de subir, e as operadoras precisam de serviços que as ajudem a controlá-los.
Outro está no setor de educação. Nos últimos oito anos o número de alunos matriculados em cursos a distância, por exemplo, aumentou em média 50% ao ano.
O segundo motivo é que hoje há mais recursos para negócios nascentes. Em contraste com as dificuldades encontradas lá fora, a economia brasileira vai bem, o que vem atraindo investidores. Dados do levantamento mais recente feito pelo Centro de Estudos em Private Equity e Venture Capital da Fundação Getulio Vargas (FGV) apontam que em 2009 os investimentos de fundos estrangeiros no Brasil chegaram a 36 bilhões de dólares.
Em 2004, foram 6 bilhões de dólares. "Além disso, pelo menos 100 novos fundos foram criados no país ou chegaram de fora nos últimos três anos", diz Cláudio Furtado, da FGV.
Além dos fundos, tem aumentado o número de investidores-anjo, chamados assim por proteger empreendedores nas primeiras fases de um negócio. Furtado estima que no Brasil existam neste momento em torno de 10.000 anjos, o dobro de três anos atrás. Muitos deles já empreenderam antes e, agora, colocam sua experiência à disposição dos novatos.
"Os anjos foram fundamentais para o fortalecimento de polos de inovação importantes, como o Vale do Silício", diz Furtado. "Eles têm predisposição a se entusiasmar com negócios que para outros investidores podem parecer ousados demais."
Rodrigues, do BuscaPé, pertence a essa nova espécie que está evoluindo no ecossistema do empreendedorismo. Em 1999, ele fundou o BuscaPé. Em 2009, vendeu o controle da empresa ao grupo sul-africano Naspers. Agora, ele está aplicando parte do patrimônio em quatro jovens negócios, entre eles a loja virtual paulista de calçados femininos Shoes4you e o Grubster, site de reserva online de restaurantes, também paulista.
Além deles, Rodrigues é mentor de quatro empresas que ainda estão na infância. "Todas elas foram criadas há menos de três anos, mas têm potencial para gerar receitas e ganhar escala rapidamente", diz Rodrigues. "É o caso da Meu Carrinho." As receitas da Meu Carrinho devem vir da venda de publicidade para fabricantes de bens de consumo e varejistas, que poderão disparar torpedos com promoções para o celular de quem está no ponto de venda.
O produto da Meu Carrinho é um aplicativo para celular usado para fazer listas de compras de supermercado. "Se o consumidor estiver numa loja e ficar em dúvida se compra ou não determinado produto, poderá sacar o celular, apontar a câmera para o código de barras e ter acesso a opiniões que outros consumidores escreveram na internet. Pode também comparar o preço com o cobrado em outras redes", diz Nazareth.
A ideia nasceu da necessidade dos sócios de economizar na época de faculdade, quando cursavam engenharia da computação na Unicamp. "Era um sacrifício fazer o salário do estágio durar até o fim do mês", diz Nazareth.
Negócios inovadores que surgem de uma necessidade do próprio empreendedor não são incomuns. Veja o que aconteceu na Kekanto, fundada em 2010 por Bruno Yoshimura, de 25 anos, Fernando Okumura, de 31, e Allan Panossian, de 23. Eles desenvolveram uma rede social para os consumidores avaliarem a qualidade do serviço de casas de shows, floriculturas, encanadores e pedreiros. O plano para ganhar dinheiro é oferecer a essas pequenas empresas a possibilidade de anunciar para quem está procurando esses serviços.
A ideia de criar a Kekanto surgiu quando os sócios ainda estudavam ciência da computação na USP. "Um dia, no intervalo da aula, o Bruno veio falar que estava reformando a casa e não encontrava um bom marceneiro", diz Okumura. "Procuramos e não encontramos um site em que o consumidor pudesse obter indicações confiáveis de fornecedores da área."
Logo depois que a Kekanto começou a operar, eles acharam que a audiência poderia aumentar mais rapidamente caso o site expandisse seus conteúdos para além da marcenaria e outros serviços de reforma. Também era preciso uma estratégia para estimular uma grande quantidade de pessoas a se cadastrar no site — tanto para pesquisar estabelecimentos quanto para compartilhar a avaliação do local com outros usuários.
"Só com uma grande audiência conseguiríamos monitorar diferentes hábitos de consumo e ofertar anúncios dirigidos a vários públicos", diz Okumura.
A estratégia que funcionou foi sugerida pelo médico Florian Otto, executivo da operação brasileira do site de compras coletivas Groupon e anjo da Kekanto. Florian deu a ideia de criar um programa de fidelidade parecido com o utilizado pelas companhias aéreas. Os usuários mais participativos podem subir de categoria e ganhar brindes, cupons de desconto e entradas de cinema.
"Isso fez nossa audiência crescer mais de 30% ao mês", diz Okumura. Florian também foi importante para que, apenas seis meses depois de sua entrada, em 2011, a Kekanto recebesse o primeiro grande aporte. "Ele nos apresentou aos sócios do fundo Accel Partners em sua festa de aniversário", diz Okumura.
Uma novidade que pode facilitar o cruzamento entre os interesses dos empreendedores à procura de investidores e os dos investidores à procura de empreendedores é o agrupamento de anjos em associações formadas nos moldes das redes que já existem há tempos nos Estados Unidos, a fim de pulverizar o capital em diversas empresas e diluir os riscos.
Um exemplo recente é o Inova Ventures Participações (IVP), formado em 2011 por 50 empresários de Campinas, no interior de São Paulo. Eles juntaram 2,5 milhões de reais para ser aplicados em novos negócios da região.
"Quando surge uma oportunidade de investimento, reunimos os sócios. Os que se interessam aportam um total de 50.000 a 500.000 reais, em troca de uma participação acionária que pode variar de 5% a 30%", diz Fernando Biosi, participante do grupo e fundador da Movile, uma empresa de campanhas de marketing em celular.
Uma das primeiras empresas escolhidas pelo IVP foi a paulista MobWise, criada em 2008 por quatro ex-alunos de engenharia da computação da Unicamp — André Paraense, de 28 anos, Gustavo Marquini, de 27, Vitor Marques e Vinicius Alves, ambos de 26. Foi o trânsito que eles enfrentavam para chegar à faculdade que trouxe a inspiração para o trabalho de conclusão de curso — um sistema que acompanha as condições do tráfego em tempo real.
"O software captura dados de radares, lombadas eletrônicas e veículos rastreados por GPS para informar a velocidade média de ruas e estradas e sugerir rotas alternativas quando o trânsito está lento", diz Paraense. Do projeto feito para a escola, eles partiram para o próprio negócio e agora querem vender as informações para empresas de logística e órgãos do governo.
Biosi, do IVP, diz enxergar um bom futuro para a MobWise. Segundo um estudo da Fundação Dom Cabral, entre 2005 e 2008 o tempo perdido em congestionamentos para chegar às principais rodovias do Sudeste aumentou 48%. Por ora, a empresa faz testes de monitoramento na região de Campinas e Rio de Janeiro.
"A MobWise chamou a atenção por propor uma ferramenta que ajuda a lidar com um problema que está se agravando nas grandes cidades", diz Biosi. "Para uma empresa que dependa da entrega de insumos, por exemplo, é muito importante saber quanto um caminhão vai demorar além do previsto para chegar e se há alternativas por onde o trânsito esteja mais livre", diz Biosi.
A MobWise atraiu investidores ao chegar à final da Startup Farm, um campeonato de aceleração de startups. Esse tipo de evento, comum nos Estados Unidos, quase não acontecia no Brasil até pouco tempo atrás. A cada seis meses, a competição se passa numa cidade diferente.
Cerca de 50 empreendedores de aproximadamente 20 empresas são selecionados para um programa intensivo de um mês. Nesse período, recebem conselhos de outros empreendedores, indicações para parcerias estratégicas e discussões sobre seus modelos de negócios. "Os empreendedores ficam ocupados 16 horas por dia", diz Felipe Matos, diretor da Startup Farm.
Um fator importantíssimo que ajuda a entender por que, de uma hora para outra, apareceu tanta gente querendo colocar dinheiro em empresas nascentes no Brasil é o aumento do poder aquisitivo das classes populares. Nos últimos três anos, cerca de 100 milhões de brasileiros de famílias com renda familiar entre 1.100 e 4.500 reais mensais subiram um degrau na pirâmide de consumo.
É um mercado enorme — praticamente um país dentro do país. Para investidores de todos os tamanhos, o significado desse número é o seguinte: "Saiam correndo em busca de novas empresas capazes de fornecer produtos e serviços a essas pessoas e que tenham potencial de crescer bem depressa".
Nessa corrida está o fundo brasileiro Trindade Investimentos, criado há dois anos. Em 2011, o Trindade fez seu primeiro aporte. A Peela, empresa paulista que recebeu o dinheiro, é um bebê com apenas cinco meses de vida. Seus fundadores, Eduardo Almeida, de 35 anos, Marcelo Pereira, de 39, Guilherme Coelho, de 40, e Roberto Icizuca, de 37, criaram um cartão pré-pago para ser usado em lojas parceiras da Peela.
"O cartão funciona também como meio de pagamento na internet, o que o torna muito útil para quem não tem cartão de crédito", diz Almeida. O cartão Peela acabou de ser lançado no mercado — a expectativa dos sócios é vender 100 000 unidades na cidade de São Paulo em 5.000 estabelecimentos credenciados, como bancas de jornal e lojas. As primeiras parcerias com o varejo estão sendo fechadas — até agora 13 lojas fecharam acordo para aceitar o cartão.
"Os sistemas pré-pagos têm tido ótima aceitação no Brasil", diz Amaral, do Trindade. "As receitas virão de comissões que as lojas vão nos pagar sobre as compras e de anúncios publicitários impressos no cartão." Está ainda no plano de negócios da Peela fazer do próprio cadastro de usuários um banco de dados, do qual seja possível extrair listas de consumidores organizadas por sexo, por profissão ou por interesses.
Os fundadores da Peela têm experiências anteriores em negócios inovadores. Coelho e Icizuca foram donos de um serviço de aluguel de filmes online. Almeida e Pereira eram sócios de uma empresa que desenvolvia cartões-presente, que funcionavam com um código que dava direito a baixar músicas da internet.
"Adaptamos o cartão para ser usado em outras áreas do entretenimento, como ingressos online e livrarias", diz Almeida. "Quando surgiu a oportunidade de fazer parcerias com lojas de times de futebol, percebemos que havia uma grande oportunidade em todo o varejo."
Outro exemplo de negócio que se expandiu rapidamente graças à melhoria de vida da classe C foi a Viajanet — agência de turismo online fundada por Bob Rossato, de 35 anos, e Alex Todres, de 32, ex-executivo do site de viagens Decolar.com. Com um ano de operação, a Viajanet já faturava mais de 50 milhões de reais.
Em junho de 2009, quando decidiram montar a agência, Rossato e Todres conseguiram 4 milhões de reais do fundo americano Travel Investment Technology, previstos para ser usados nos três primeiros anos do negócio. Mas, após seis meses apenas, foi preciso conversar com outros investidores para buscar mais capital.
"Conforme crescia o volume de vendas, precisávamos também crescer a infraestrutura de serviços e de atendimento ao cliente", diz Rossato. Em novembro de 2009, ficou acertada a venda de 40% da empresa para dois fundos — o espanhol IG Expansión e o americano Redpoint, conhecido por apoiar empresas inovadoras, como a Netflix. No ano passado, veio o terceiro aporte — cerca de 30 milhões de reais dos fundos americanos Redpoint e General Catalyst. O dinheiro está sendo usado para abrir escritórios no México, na Colômbia, na Venezuela e na Argentina.
Será que tudo isso que está acontecendo agora é o começo de um mundo novo, no qual as condições normais de temperatura e pressão sejam favoráveis ao empreendedorismo e à inovação? Ou é algo passageiro, uma bolha daquelas que estouram de uma hora para outra e deixam muitos empreendedores na mão?
Para Júlio Vasconcellos, fundador do site de compras coletivas Peixe Urbano, apenas o tempo separa o Brasil de mercados mais maduros. "No Vale do Silício, o ecossistema propício à multiplicação de startups se desenvolveu ao longo dos últimos 20 anos", diz ele. "Aqui, só agora começam a aparecer os primeiros casos de empreendedores bem-sucedidos que estão estimulando outras startups."
Existe um motivo que faz investidores e empreendedores acreditarem que tudo o que está acontecendo agora é sinal de uma transformação profunda na lógica que impulsiona os novos negócios. Até poucos anos atrás, não era fácil um pequeno investidor, como um desses anjos, vender sua parte numa pequena empresa para realizar seus ganhos quando o negócio se valorizasse.
"Isso está mudando", diz Amaral, do Trindade. "O surgimento de fundos de vários tamanhos significa que, conforme uma empresa cresce e se valoriza, os investidores menores podem vender suas participações para fundos médios — e os médios, para os maiores." Rodrigues, do BuscaPé, passou de empreendedor em sua empresa a empreendedor nas empresas dos outros. Casos assim aparecem aqui e ali.
José Carlos Semenzato, por exemplo, fundador das escolas de informática Microlins, vendeu sua rede ao grupo Multi, dono da Wizard, rede de escolas de inglês. Ele se tornou um empreendedor serial que prospecta pequenos e médios negócios que possam crescer por meio de franquias, que foi como a Microlins se tornou grande.
Outra troca de mãos aconteceu recentemente num fundo de capital público, o Criatec, que conta com uma participação do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Uma das empresas do Criatec, a cearense Usix Technology, que faz softwares para o mercado de seguros, dobrou de tamanho em pouco mais de um ano e meio e foi vendida a um grupo americano de tecnologia.
"Uma história de sucesso, como a da Usix, pode se repetir em várias das outras 35 empresas em que temos participações", diz Gustavo Junqueira, gestor do Criatec.
É no que acredita Marília Lima, de 35 anos, e Tiago Lins, de 30, da SiliconReef, fundada por eles em 2008 na incubadora do Centro de Estudos e Sistemas Avançados de Recife. No ano passado, a Silicon Reef recebeu um aporte do Criatec. Marília e Lins se conheceram num grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco.
Juntos, desenvolveram um componente que ajuda a aumentar a eficiência de equipamentos que transformam energia solar em elétrica. O dinheiro do Criatec está sendo usado para a finalização de um protótipo — o chip será fabricado na Alemanha a partir deste ano e vendido para os Estados Unidos e países da Ásia.
"Estamos muito orgulhosos", diz Marília. Para Junqueira, do Criatec, a SiliconReef representa uma conquista — mas também uma fase de transição. "Se tudo correr bem, a SiliconReef vai se valorizar muito em pouco tempo, pois está num dos setores mais importantes para o futuro do planeta", diz Junqueira. "Até lá temos um monte de outros filhos para olhar."