Henrique Mendes, presidente da Nutrebem: “ainda vai demorar para que o Brasil faça a transição para um mundo sem cartão; mas, para as crianças, como só depende de mim, vai ser mais rápido” (Nutrebem/Divulgação)
Carolina Riveira
Publicado em 5 de junho de 2019 às 06h00.
Última atualização em 5 de junho de 2019 às 06h00.
O Itaú sacudiu o mercado neste mês ao anunciar a ferramenta iti, uma carteira digital não-vinculada a conta bancária e que permite transações financeiras 100% digitais, sem cartão. Carteira digital parece conversa de adulto, mas não para o executivo Henrique Mendes, presidente da startup carioca Nutrebem.
Antes de o Itaú apresentar ao público sua nova solução, a Nutrebem já implementava o conceito de “sem dinheiro e sem cartão” para alunos de algumas escolas brasileiras, que passaram a poder comprar na cantina usando somente um QR Code.
Operando desde 2014, a Nutrebem oferece uma ferramenta para que os pais coloquem em uma carteira digital o dinheiro que será usado pelos alunos na cantina da escola. Além do QR Code anunciado agora, os alunos também podem comprar ou com um cartão próprio da Nutrebem ou com login e senha em terminais da empresa instalados nas cantinas parceiras.
“Ainda vai demorar um pouco para que o Brasil faça a transição para um mundo sem cartão; mas, para as crianças, como só depende de mim, vai ser mais rápido”, brinca Mendes.
As novas compras por QR Code, por enquanto, foram testadas em três escolas piloto e devem estar em cerca de 30 escolas até agosto. O objetivo é que, até fevereiro do ano que vem, a ferramenta já esteja disponível para todas as escolas parceiras.
Uma das vantagens do QR Code é diminuir a fila, afirma a empresa. No sistema, o aluno escolhe o que quer comprar e paga pelo aplicativo no celular. Então, vai até a cantina, apresenta o QR Code em um terminal automático e retira o ticket para comprar o lanche. Toda a transação é feita só lidando com máquinas.
O sistema é um pouco diferente das redes que já utilizam QR Code (para cupons, por exemplo), em que todos ficam na mesma fila e esperam um atendente ler o QR Code com uma pistola. "Isso tiraria todo o barato do aluno que compra por QR Code, que teria de esperar na fila do mesmo jeito”, diz Mendes.
A ideia é que esse aluno do QR Code, cuja transação dura cerca de quatro segundos, evite a longa fila dos colegas que pagam em dinheiro ou cartão e que precisam digitar a senha ou esperar o troco.
Mistura entre fintech e empresa nutricional, a Nutrebem atua em 200 escolas, a maior parte em São Paulo e no Rio, onde foi fundada. A empresa faturou 20 milhões de reais em 2018 e recebeu neste ano aporte de 5 milhões de reais do fundo Kviv Ventures, de Raphael Klein, da família fundadora da Casas Bahia.
Com o novo investimento, a expectativa em 2019 é faturar 35 milhões de reais e dobrar de tamanho, alcançando entre 260 e 270 escolas parceiras até o fim do ano.
Enquanto faz um silencioso movimento para criar jovens em um mundo sem cartões de plástico, o lado nutricional da Nutrebem, como aponta o “nutre” em seu nome, tenta tornar o cardápio das escolas mais saudável.
A empresa não é fornecedora de produtos das cantinas parceiras, mas tenta incentivar as escolas a oferecerem opções mais saudáveis.
Em um sistema com 5.000 produtos pré-avaliados por nutricionistas, os diretores das escolas recebem orientações da Nutrebem para aumentar a oferta de produtos mais nutritivos. “Se quiserem inserir água de coco no cardápio, por exemplo, a escola têm acesso à avaliação de cinco marcas de água de coco, e já liga para o fornecedor sabendo qual produto é bom”, explica Mendes.
O resultado, segundo a Nutrebem, é que 38% dos produtos das cantinas parceiras são considerados nutritivos, ante 10% das cantinas tradicionais.
Nas escolas em que a Nutrebem atua, os pais podem escolher ou não usar os serviços de carteira digital, e os colégios precisam continuar aceitando cartões comuns de outras operadoras ou dinheiro.
Mas colocar o dinheiro do lanche na plataforma da Nutrebem, defende Mendes, faz os alunos tornarem-se mais cientes do processo de lidar com dinheiro e com escolhas nutricionais. Os pais, por sua vez, têm a vida financeira facilitada e recebem um relatório semanal sobre o que foi consumido pelos filhos na cantina — metade dos pais cadastrados de fato abre esse e-mail e acompanha os resultados, segundo a Nutrebem.
Há no Brasil cerca de 128.000 escolas particulares atendendo a quase nove milhões de alunos, segundo o Censo Escolar do governo federal. A maior parte delas, aponta Mendes, tem relação de meio termo com o celular: permitem o uso no intervalo, mas não durante as aulas.
Há escolas em que o aparelho é proibido — o que inviabilizaria os planos da Nutrebem de criar um mundo sem cartão —, mas Mendes aponta que esse tipo de regra é minoria.
Por isso, para o futuro, há espaço para continuar crescendo. O maior alvo é São Paulo, onde já estão metade das escolas que a Nutrebem atende. O estado tem mais de 10.000 escolas particulares, metade delas recebendo alunos de Ensino Fundamental II e Médio (isto é, com crianças a partir dos 11 anos, o público-alvo da empresa). É um público de 700.000 alunos e uma boa parcela de pais de classe média ávidos por discutir autonomia financeira e uma alimentação mais saudável.
Como pai de dois filhos de 11 e 6 anos, Mendes tinha a inquietação de juntar a autonomia financeira das crianças a uma cantina que fosse além de coxinhas fritas e balas. Agora, agrega também o objetivo de ensinar os pequenos a viver em um mundo financeiro mais antenado ao século 21. Na Nutrebem, a guerra das maquininhas já está entrando no passado — mesmo que, no resto do Brasil, ainda não esteja.