Christian Neugebauer, da Chocolateria Brasileira: fábrica de seus antepassados foi criada em 1903 (Chocolateria Brasileira/Divulgação)
Mariana Fonseca
Publicado em 16 de setembro de 2018 às 06h00.
Última atualização em 17 de setembro de 2018 às 14h53.
São Paulo - Você provavelmente não conhece a marca Chocolateria Brasileira. Mas, apesar de ela ser um empreendimento de poucos anos no mercado de chocolates finos, acumula décadas de história. Mais precisamente, 115 anos.
O empreendedor por trás da Chocolateria Brasileira, Christian Neugebauer, vem de uma família com longa tradição no chocolate. A primeira fábrica dos seus antepassados, também chamada Neugebauer, foi aberta em 1903. Desde então, lições de gestão e produção da iguaria foram repassadas e chegaram, muitos anos depois, a Christian, que começou a trabalhar na linha de granulados aos 14 anos de idade.
Após idas e vindas no dilema entre produzir um chocolate de qualidade ou focar em oportunidades com potencial de escala, o herdeiro da pioneira fábrica de chocolates brasileira acredita ter alcançado o tão sonhado equilíbrio: produtos finos se uniram à expansão por franqueamento. A Chocolateria Brasileira pretende faturar 8 milhões de reais neste ano.
Os irmãos irmãos Ernest, Franz e Max Neugebauer chegaram a Porto Alegre (Rio Grande do Sul) em 1891, fugindo de uma crise econômica que assolava o continente europeu. Naturais da Áustria e até então residentes do sul da Alemanha, os irmãos eram especializados na produção de chocolates, doces e tortas e tornaram-se funcionários em uma confeitaria. Porém, depararam-se com matérias-primas muito diferentes das que trabalham e um mercado ainda não desenvolvido para iguarias como o chocolate.
Desenvolvendo o próprio chocolate para usar como ingrediente nos doces, os Neugebauer acabaram criando uma fábrica própria, em 1903, também chamada Neugebauer. A marca Garoto, por exemplo, só seria fundada em 1929. A confeitaria dos Neugebauer acabou perdendo força diante do fornecimento de atacado e de varejo do chocolate e de suas variantes, como achocolatados. O negócio se torna conhecido pelo Rio Grande do Sul e pelo país. Em 1955, os Neugebauer abriram o capital da empresa e a transformaram em sociedade anônima.
Na terceira geração do negócio, nas décadas de 60 e 70, a crise chega. Havia uma capacidade instalada muito grande, mas dificuldades de logística e a chegada de uma forte concorrência pressionou o negócio familiar. Em 1982, a fábrica foi vendida a um grupo argentino.
O avô e o pai de Christian fundaram então uma nova empresa, a Harald, focada em produzir compound, chocolate genérico usado em grandes indústrias alimentícias. “O Brasil sempre consumiu mais compound do que chocolate, só não sabe disso. Com esse foco, a empresa cresceu e chegou a ter 70% do mercado”, afirma Christian. Com a mudança de hábito dos brasileiros, a Harald também começou a investir no chocolate tradicional e as receitas foram divididas entre ele e o compound.
Christian começou a trabalhar aos 14 anos de idade, na linha de produção dos granulados, nas férias escolares. Em 2002, o falecimento do avô e do pai de Christian fizeram com que seu tio assumisse a empresa.
Em 2006, quando Christian tinha 19 anos de idade, um sequestro de 58 dias o fez sair do operacional para o escritório, cuidando mais do comercial e financeiro da Harald. A expansão da empresa fez com que ela fosse assediada por compradores e a empresa foi finalmente vendida em 2012. Christian ocupava a área de novos negócios e recebia diversos projetos - entre eles, uma tal de Chocolateria Brasileira, que vendia bombons.
“Recusei o projeto porque era uma empresa cheia de incertezas e porque a Harald já estava negociando sua venda. Mas, quando voltaram a me oferecer o projeto mais maduro, com margens melhores, reconsiderei e investi em 2016”, conta Christian.
Ele voltou às origens da família e resolveu vender aos consumidores finais, até por uma cláusula de não-competição assinada com a venda da Harald. “Sinceramente, tentei empreender em diversos outros ramos, mas não me sentia realizado. Eu queria voltar ao rumo certo, seguir minhas raízes.”
Porém, o negócio tinha problemas que iam da qualidade dos doces produzidos até falta de controle financeiro, de estoque e das franquias. Eram 18 lojas, com um ticket médio modesto, de 11 reais. “Era uma situação bem complicada e eu não entendia nada de varejo, sempre trabalhei em fábrica. Pedi para tomar conta da produção, justamente para controlar custos e estoque e tentar dar escala a uma fábrica semi industrial com baixa eficiência.”
Ao participar da operação do negócio, Christian afirma ter finalmente visto quão precário era o negócio. Doze funcionários produziam 600 quilos por mês (2,5 quilos por funcionário por dia útil), ou 1.200 quilos na Páscoa por meio de horas extras - o que onerava muito a empresa. Na Páscoa de 2016, os pedidos foram às lojas com apenas um mês de antecedência.
Surgiu o plano de a fábrica da Chocolateria Brasileira ser realocada para Marília (interior de São Paulo), ocupando o espaço ocioso de um amigo de Christian. O investimento em um espaço mais tecnológico, com processos automatizados, baixaria o custo e faria a produção ser mais escalável.
Desentendimentos com um antigo fundador do negócio fizeram com que, em 2017, Christian comprasse a participação e assumisse o controle da Chocolateria Brasileira.
A liderança da Chocolateria Brasileira foi o pontapé para montar um novo plano de negócios, levando em consideração a nova fábrica, que incorpora as técnicas de gestão que Christian aprendeu com sua família; equipamentos importados da Suíça de alta tecnologia, que promovem um sabor mais acentuado do cacau, com um milhão de euros de investimento em maquinário neste ano; e a escolha por bons produtores.
“A mata em que nosso fornecedor planta o cacau não é desmatada, justamente para criar um conforto térmico maior no solo e incentivar a produção e a fermentação do cacau já em campo. Produz-se menos cacaus, mas eles são de maior qualidade do que a plantação em áreas desmatadas”, diz Christian, que planeja que 80% dos produtos da Chocolateria Brasileira tenham esse processo de fermentação natural no médio prazo.
A decisão de investir mais na produção veio daquela análise, ainda na época da Harald, de que os brasileiros estavam trocando o compound por chocolate, assim como a procura por cerveja artesanal cresce diante das marcas mais populares. “Mesmo com crise econômica, vemos que as pessoas não largam produtos bons - elas só consomem menos. Ninguém quer voltar ao padrão de antigamente.”
Com um produto bom, faltava criar uma marca que correspondesse ao valor agregado. O logo de então da Chocolateria Brasileira era um carimbo com diversos escritos. Levava mais de três segundos para assimilar, era parecido com o de vários concorrentes e tinha uma cara popular demais. Criou-se uma nova logomarca, com um cacau dourado remetendo a joias, que já está sendo colocada nas novas embalagens. Para Christian, o concorrente direto da rede, em faixa de preço, qualidade de produto e projeção de expansão, é a Kopenhagen.
A Chocolateria Brasileira também fez uma reestruturação do seu modelo de franqueamento, contratando uma consultoria externa e formando uma equipe interna de expansão. O processo de estruturação levou quatro meses. Agora, os franqueados passam por uma semana de treinamento, que inclui palestras sobre o chocolate, aulas de gestão, finanças e marketing e dois dias abrindo e fechando uma loja. No final do dia, há uma prova em que é preciso acertar no mínimo 70%.
Após a remodelação, foram fechadas as lojas próprias, que acumulavam prejuízos, e mais algumas unidades que não aguentaram a maturação do novo modelo. Restaram somente oito lojas, sendo duas próprias. O ticket médio mais que dobrou, enquanto o custo de mercadoria vendida (CMV) foi de 55% para 32%.
Hoje, a Chocolateria Brasileira possui 18 franquias e seis lojas próprias. Até o fim deste ano, a marca quer chegar a 30 unidades e faturar acima de 8 milhões de reais, acima do faturamento de 7 milhões de reais obtido no ano passado. Há quatro modelos: o de vendas autônomas, por uma mochila chamada “Chocobag”; o de quiosque; o de quiosque com cafeteria associada; e o de loja padrão. Os investimentos iniciais vão de 40 mil reais até 195 mil reais para a loja. O faturamento médio mensal vai de 5 mil reais (Chocobag) a 67 mil reais (loja padrão). A taxa de lucratividade média fica entre 24 e 26% do faturamento.
É um modelo de expansão distante da antiga fábrica de Porto Alegre, que completaria 115 anos de idade em 2018. Christian entende que mudar é preciso, em um varejo cada vez mais competitivo, mas ao mesmo tempo não quer abandonar as raízes que fizeram o sucesso da família Neugebauer.
Equacionar os dois lados dessa balança será o maior desafio da Chocolateria Brasileira daqui em diante, tão difícil quanto produzir o chocolate mais refinado ou, seguindo as projeções da marca, expandir para 400 lojas rentáveis nos próximos dez anos.