Paulo Veras, da 99: "Acertamos algumas coisas e erramos muitas outras, descobrindo que a melhor forma de aprender a empreender é fazendo” (BoostLAB/Divulgação)
Mariana Fonseca
Publicado em 13 de março de 2018 às 06h00.
Última atualização em 13 de março de 2018 às 11h18.
São Paulo – Em seis anos, o empreendedor Paulo Veras surpreendeu todo o ambiente de negócios brasileiros. Junto aos fundadores Ariel Lambrecht e Renato Freitas, criou a primeira startup nacional avaliada em um bilhão de dólares – o aplicativo de mobilidade urbana 99, vendido para a gigante chinesa DiDi Chuxing no começo do ano.
“Foi uma história bastante intensa. Acertamos algumas coisas e erramos muitas outras, descobrindo que a melhor forma de aprender a empreender é fazendo”, afirmou Veras no lançamento do programa de aceleração BoostLAB, idealizado pelo BTG Pactual e feito em parceria com a ACE.
No evento, o fundador da 99 elencou cinco acontecimentos que impactaram a trajetória da 99 e que servem de lição para os futuros e atuais empreendedores.
Confira, a seguir, 5 dicas de Paulo Veras para vencer nos negócios:
O fundador da 99 compara o empreendedorismo ao famoso jogo de tabuleiro War. A pior estratégia é colocar apenas uma peça em cada país. No lugar de conquistar o globo, você ficará fraco em todos os territórios e será engolido por jogadores mais fortes localmente.
No mundo dos negócios, essa estratégia de expansão sem estrutura equivale à falta de foco. “O que a gente vê é que muitas empresas ficam para sempre pequenas porque o empreendedor quer abrir demais o leque. O negócio mal começou e ele quer diversificar, lançar vários produtos e estar em várias cidades e países. A pequena empresa não suporta isso.”
Empresas como Facebook, Google e WeWork conseguiram crescer rápido e virarem negócios valiosos porque, em seu início, olharam para apenas um problema e o resolveram bem. Para investir em várias linhas, é preciso ter um capital que suporte tal expansão.
Não foi diferente na 99. “Eu era o cara chato que dizia não para tudo. Diziam que estava na hora de a 99 transportar cargas e comida, além de pessoas, e eu respondia que poderíamos fazer, mas não tínhamos estrutura. Parecem extensões simples e baratas, mas são negócios inteiramente diferentes, com outras redes e outros fluxos financeiros.”
O mesmo pensamento guiou a expansão do aplicativo de mobilidade urbana, que se expandiu apenas pelo território brasileiro. “O tamanho do mercado nacional era tão grande que a gente falou para nossos investidores que, ganhando no Brasil, nossa empresa já valeria muito. Abrir no Chile ou na Colômbia drenaria os recursos que faziam com que ganhássemos o jogo por aqui.”
Além do foco, outra característica fundamental de uma startup de sucesso é a inovação. Assumir um posicionamento disruptivo pode significar, muitas vezes, fazer uma difícil escolha entre ouvir o conselho dos mais experientes ou seguir suas intuições.
A 99 passou por isso em 2013, quando teve a ideia de criar um meio de pagamento próprio para smartphones, assumindo os riscos das transações. Se houvesse algum problema na hora em que o cliente pagasse a corrida, a 99 ficaria responsável por dar o valor correspondente aos seus motoristas.
“O sistema bancário que usávamos até então era super atrasado e ouvimos de pessoas do mercado que a decisão quebraria nossa empresa. Hoje vejo que, se a gente não tivesse mudado, acabaríamos na vala comum do ‘não dá para fazer’ e nosso produto ficaria bem pior.”
O app de mobilidade urbana protagonizaria outras inovações, como o fornecimento de cartões pré-pagos aos motoristas por meio da associação com a startup Hub Fintech. A decisão simplificou os pagamentos da 99 e permitiu oferecer serviços financeiros pela própria plataforma, transformando-a em um “Nubank” dos motoristas.
“Óbvio que você não pode ser maluco e ignorar todos os conselhos que recebe, mas pense também no valor que desenvolver - e acertar - traria para seu mercado, em relação ao que a concorrência está fazendo.”
Um ponto forte da cultura das startups é testar, errar, aprender e evoluir de forma rápida – um modelo de gestão empresarial conhecido como lean startup.
“Lute contra a cultura brasileira que diz que um projeto que não dá certo é um fracasso gigante. O erro é consequência de um processo ágil não só em execução, mas em aprendizado”, alerta Veras, praticante do modelo.
A empresa que cria esse ritmo de sempre correr atrás se destaca diante da concorrência. Após entrar em contato com os investidores da DiDi Chuxing, a 99 viu que teria de acelerar ainda mais o passo.
O app de mobilidade urbana fazia até pouco tempo reuniões trimestrais de metas e resultados, seguindo a metodologia de gigantes como Google e LinkedIn. Para efeitos de comparação, grandes empresas fazem tais encontros uma vez por ano.
“Nossa reunião trimestral era a mensal dos chineses. Já o que fazíamos em um mês era executado em uma semana. Se a meta não é batida pela manhã, eles já pensam em como consertar de tarde. Isso mostra como eles ganharam lá. Estabelecemos uma nova barra em termos de execução, o que nos gerou um grande aprendizado.”
Dizer que as pessoas são o maior ativo de uma empresa e que elas merecem ser valorizadas é cair em obviedades. A grande sacada é seu empreendimento realmente praticar o que prega.
Veras tem um teste para saber se seu negócio de fato traz os melhores talentos. “A pergunta que eu sempre faço para os empreendedores é: você acha que, hoje, sua equipe é substancialmente melhor que a dos concorrentes? A resposta de quase todo mundo é ‘não’. Mas, se você quiser ganhar o jogo, precisa dizer ‘sim’.”
Boa parte de sua rotina como dono de negócio deve ser dedicada a achar as melhores pessoas. Isso não só faz seu negócio parar de se comparar à concorrência, mas pode atrair o interesse de fundos de venture capital, que se importam principalmente com a equipe dos empreendimentos em que investem.
“O que fizemos na 99 é trazer pessoas jovens e com talento, olhando mais para garra e potencial de desenvolvimento do que para a experiência. Isso porque o passado para nós, e para qualquer startup, não é o diferencial – você está procurando pessoas para fazer o que nunca foi feito.”
A 99 começou com um aporte de 10 mil dólares de cada um dos três sócios. O valor foi suficiente para manter a empresa rodando por um ano. Cada um dos sócios focava em uma área-chave do negócio – Veras em gestão de negócios e pessoas; Freitas em tecnologia; e Lambrecht em produto e jornada dos motoristas e dos consumidores – e as contratações extras foram feitas de forma extremamente econômica, chegando a 10 membros na 99 ao fim de 2012.
No segundo ano do aplicativo, Veras percebeu que o negócio só poderia dar um salto de escala com mais capital. “Para negócios competitivos, é difícil ganhar o jogo sem se capitalizar. Isso pode fazer a diferença na hora de competir. Se a gente não tivesse levantado rodadas, provavelmente seríamos um negócio de nicho.”
Em julho de 2013, a 99 conquistou um investimento semente (seed) e expandiu para outras capitais brasileiras. Logo depois vieram os aportes série A, B e C. A última captação da 99 levaria à compra pela DiDi Chuxing - e ao posto de primeiro unicórnio brasileiro.