O marketplace da C&A, lançado também durante a pandemia, é outro projeto da empresa (Jung Getty/Getty Images)
Karin Salomão
Publicado em 28 de setembro de 2020 às 17h30.
Última atualização em 28 de setembro de 2020 às 18h27.
A pandemia do novo coronavírus acaba de criar seu primeiro unicórnio no Brasil. A VTEX, empresa de tecnologia para o comércio eletrônico, recebeu um aporte de 225 milhões de dólares avaliando-a em 1,7 bilhão de dólares. Assim, ela entra no seleto grupo de empresas com valor superior a 1 bilhão de dólares, chamadas de unicórnios.
A empresa viu o uso de seu software e o número de clientes explodirem durante a quarentena. Se até então a companhia de 20 anos crescia em média 46% ao ano, a previsão para 2020 é dobrar de tamanho em relação ao ano passado e, em 2021, crescer de 50% a 60%. Com 114% de alta em 2020, a empresa espera alcançar 8 bilhões de dólares em volume bruto de mercadorias (GMV) vendidas pela sua plataforma.
O investimento foi feito em uma rodada de captação série D liderada pelo fundo Tiger Global com participação da Lone Pine Capital. "Essa rodada trouxe para a VTEX dois dos maiores investidores em empresas públicas, o que mostra o amadurecimento de nossa empresa e do mercado brasileiro", diz Mariano Gomide, que é copresidente e cofundador da empresa ao lado de Geraldo Thomaz, em entrevista exclusiva à EXAME.
Em novembro do ano passado, a empresa havia recebido um investimento de 580 milhões de reais dos fundos SoftBank, Gávea e Constellation Asset Management. Com o novo aporte, a VTEX soma 365 milhões de dólares recebidos em investimentos só nos últimos dez meses.
A VTEX usará fundos da última rodada para contratar talentos adicionais, inovar sua plataforma e acelerar o crescimento nos mercados dos Estados Unidos, Europa e Ásia-Pacífico.
Também está de olho em aquisições — comprou nove empresas nos últimos anos. Gomide, no entanto, diz que a estratégia de crescimento por aquisições não depende do novo aporte de capital. "A VTEX sempre teve dinheiro e sempre comprou outras empresas. Continuará comprando, desde que tenha oferta", afirma. Segundo ele, é importante que as empresas incorporadas tenham uma boa equipe com profissionais qualificados — estratégia essencial para seu crescimento.
A pandemia mudou a mentalidade das companhias em relação aos negócios digitais. "A covid-19 fez com que as empresas passasem a trabalhar com o digital não como forma de planejar o futuro, mas de reagir ao presente", diz o copresidente. Um projeto desenvolvido para a loja de brinquedos Ri Happy, por exemplo, normalmente levaria de seis a oito meses para ser criado, mas foi ao ar em duas semanas. Já um sistema para a La Rebaja, uma rede de drogarias argentina, demorou 12 dias para ir ao ar a partir da contratação.
"A VTEX é uma das únicas empresas com esse nível de prontidão para colocar uma empresa no mundo online", afirma Gomide. Essa velocidade, que foi essencial uma vez que lojas físicas no mundo todo foram forçadas a fechar as portas da noite para o dia, se deve ao serviço único oferecido pela brasileira. Em um mesmo software, há um sistema para integração em marketplaces, venda em site próprio e um sistema OMS, de gestão de pedidos entre empresas. Esse produto teve crescimento de 98% durante a pandemia.
A empresa agora abastece mais de 3.000 lojas online para marcas globais como AB InBev, Motorola, Stanley Black & Decker, Sony, Walmart, Whirlpool, Coca-Cola e Nestlé.
Com milhares de clientes em 48 países, a empresa brasileira ganhou fama global. A VTEX foi nomeada empresa “Líder” pelo International Data Corporation (IDC) em um relatório sobre plataformas de comércio eletrônico. A brasileira está na mesma categoria de empresas como Salesforce e Adobe, à frente das gigantes SAP e Oracle.
Parte desse crescimento vem de seus próprios clientes. Empresas como Whirpool, Samsung e Motorola começaram a usar o sistema da companhia para sua operação brasileira e, com o bom andamento do negócio, expandiram o uso para operações em outros países. Para o presidente, empresas e executivos brasileiros vão dominar o mundo dos serviços digitais. "O brasileiro sabe lidar com o mundo caótico desde que nasceu", diz.
A VTEX deve aproveitar o bom momento de aporte e nomeação pelo IDC para expandir sua atuação em mercados internacionais, como Ásia e Estados Unidos, onde o comércio eletrônico é muito mais maduro do que no Brasil. Gomide acaba de se mudar do Reino Unido, antiga sede da empresa, para os Estados Unidos para liderar a estratégia da empresa para o país nos próximos cinco anos.
Ainda que o crescimento global de comércio eletrônico possa impulsionar a VTEX, ela tem um obstáculo no caminho: a falta de mão de obra qualificada, que também afeta outras empresas de tecnologia. "É nosso maior risco e onde gasto metade de meu tempo", afirma Gomide. A companhia irá contratar 160 novos desenvolvedores e deve anunciar grandes contratações nos níveis mais altos, diz o cofundador.
A empresa investe em eventos e desafios em universidades para chamar a atenção de jovens talentos. O desafio universitário Tetrix, realizado no ano passado, recebeu 70.000 candidatos e pode entrar para o livro dos recordes Guinness como o maior do mundo. As aquisições também podem ajudar a trazer profissionais qualificados — afinal, uma boa equipe é condição essencial para a compra.
A aposta no futuro do comércio eletrônico é alta. Para o executivo, as vendas digitais deixaram de se tornar um negócio à parte para se tornar o centro da estratégia. Se, na Ásia, a epidemia da Sars em 2002 levou o comércio eletrônico a uma participação de 6% para 14% no varejo total, o mesmo deve acontecer no Brasil e no mundo com a pandemia do novo coronavírus. Para a VTEX, esse é seu momento de maior potencial de crescimento.