Empresas querem mostrar que o Brasil pode se tornar polo de desenvolvimento de baterias ultrarrápidas (Volkswagen Caminhões e Ônibus/Divulgação)
Karina Souza
Publicado em 16 de setembro de 2021 às 10h11.
Última atualização em 17 de setembro de 2021 às 11h17.
Na corrida para ver quem vai conseguir tornar os carros elétricos uma opção cada vez mais viável para os consumidores brasileiros, a Volkswagen Caminhões e Ônibus e a CBMM fecharam parceria para avançar nessa disputa. A montadora e a líder mundial na produção de produtos feitos de nióbio se unem para desenvolver o primeiro veículo brasileiro movido a baterias de nióbio. Com o acordo, a montadora será a primeira, no mundo, a testar as baterias produzidas pela CBMM em parceria com a Toshiba.
O acordo entre as empresas prevê que a CBMM forneça as baterias para que a VWCO seja capaz de fabricar veículos adaptados a elas, do zero, na fábrica da montadora em Resende. Assim que o protótipo estiver evoluído -- o que deve acontecer entre nos próximos dois a três anos -- o novo veículo deve ser testado continuamente, evoluindo em horas (até chegar ao teste de 24 horas por dia em funcionamento). Esses testes devem ser conduzidos na VWCO e, posteriormente, na planta da CBMM em Araxá (MG). Lá, o veículo deve funcionar tanto para transporte de pessoas dentro da própria planta e, em seguida, no transporte de funcionários pela cidade.
A partir desses testes, a expectativa da CBMM é ter uma bateria de nióbio pronta para comercialização ao setor autonomtivo até o início de 2023. Ao todo, a CBMM prevê a produção de 5 mil células, em parceria com a Toshiba, para serem entregues ao mercado para testes em 2021. Além da Volkswagen Caminhões e Ônibus, há a previsão de enviar as células para 25 clientes que atuam com a produção de carros elétricos.
Do lado da montadora, a parceria faz sentido do ponto de vista estratégico, já que a VWCO já tem uma linha de negócios totalmente dedicada a explorar o benefício das baterias para os veículos, chamada e-Mobility -- que, inclusive, foi a responsável por desenvolver o primeiro caminhão elétrico fabricado no Brasil, chamado e-Delivery.
Ao mesmo tempo, a CBMM é a líder mundial na produção e comercialização de produtos feitos a partir de nióbio, ou seja, há interesse de sobra em aumentar a gama de produtos fabricados com esse material. A companhia investe anualmente mais de 50 milhões de reais para explorar esse nicho. Especificamente em 2021, serão 60 milhões de reais investidos para essa finalidade, em 40 projetos que estão em andamento.
A bateria de nióbio tem sido um ativo cada vez mais disputado, globalmente, para avançar de forma mais clara na eletrificação de veículos. Isso porque ela é capaz de ser carregada em minutos -- o que é uma vantagem clara em relação às baterias de íon-lítio tradicionais, que podem levar horas para ter carga completa.
“Pela primeira vez estamos implementando esta solução, que devido ao uso do óxido de Nióbio no ânodo da bateria, permitirá uma operação de carregamento ultrarrápido, em menos de 10 minutos, maior durabilidade, vida útil e segurança. Isso sem falar na autonomia dos veículos, que chega a 350 quilômetros, bastante próxima à do motor a combustão. Este é, sem dúvida, um importante marco para a CBMM e para o Brasil”, diz Ricardo Lima, vice-presidente da CBMM.
Para obter esses benefícios, a Volkswagen Caminhões e Ônibus vai criar e testar veículos totalmente adaptados a essas novas baterias no centro de desenvolvimento da montadora, localizado em Resende. "A CBMM entra com as baterias de nióbio e nós fazemos um produto, testamos e comprovamos a eficiência, a operacionalização e a produtividade em usos reais", diz Roberto Cortes, presidente da VWCO no Brasil, à EXAME. Nesse período, a VWCO vai monitorar os dados em tempo real e implantar a infraestrutura de recarga ultrarrápida e a preparação de toda a cadeia com treinamento de motoristas, orientações de segurança e suporte no desenvolvimento das carrocerias.
A montadora não divulga qual é o investimento nessa nova parceria, mas afirma que faz parte de um plano de investimentos de 2 bilhões de reais, a ser aplicado nos próximos cinco anos. Para a VWCO, o principal atributo dos veículos elétricos está na eficiência: a montadora afirma que fez um estudo em que comparou a eficiência de diferentes fontes não poluentes e que a elétrica foi a que gerou maior eficiência dentro desse processo.
"Temos muitas rotas sendo analisadas para a melhoria da sustentabilidade, como o etanol, GNV e célula de combustível. Fizemos um estudo e comprovamos que o veículo elétrico é o mais produtivo entre todas essas alternativas. Isso porque da geração de energia via fontes renováveis como eólica e solar, até chegar no carregor que será usado nos veículos, há 75% de eficiência. Nas células de combustível, esse percentual é de 25%", diz Roberto.
Tanto a VWCO quanto a CBMM concordam que é necessário avançar na agenda de investimentos em fontes renováveis para a rápida adoção dos veículos elétricos. Com o Brasil enfrentando uma das piores crises hídricas dos últimos tempos -- que se reflete em especulações sobre a falta de energia -- a afirmação faz todo sentido. Enquanto os investimentos ainda não avançam em um ritmo acelerado por aqui, ambas acreditam que os veículos elétricos devem ter uma adoção pioneira na Europa e Ásia, onde essa agenda já está mais avançada, para depois avançarem para a adoção em massa em mercados como o brasileiro.
Partindo do desafio macro para o micro, outro ponto que merece observação nos novos veículos com bateria de nióbio é o preço -- já que o nióbio não é um material barato, sendo 400 vezes mais caro que o ferro. Em termos práticos, o modelo de caminhão elétrico atualmente comercializado pela VWCO já custa cerca de 2,5 vezes mais do que um caminhão comum.
Para superar esse desafio, a montadora acredita que a eficiência e a sustentabilidade atreladas aos novos veículos devem "compensar" o alto custo. Por enquanto, ainda não é possível definir qual será o preço dos novos veículos com bateria de nióbio, mas a montadora acredita que os ônibus serão os primeiros a receberem essa nova tecnologia, pela eficiência quie as novas baterias podem trazer. "Com uma bateria que carrega mais rápido, não será necessário usar várias para alimentar um ônibus, ou seja, menos peso no veículo, o que se traduz em mais eficiência", diz Roberto. Do lado da CBMM, a companhia afirma que já fez estudos que comprovam a viabilidade econômica dos novos modelos.
Fato é que se trata de uma corrida contra o tempo -- e a CBMM não está sozinha nela. Mesmo dominando o mercado de nióbio, a empresa enfrenta a concorrência de players como a NioBay, que anunciou em abril deste ano que está promovendo testes de baterias para carros à base do metal. Ainda em estágio inicial, a companhia desenvolve uma série de testes no Canadá e afirma que espera resultados até o fim de 2021.
Mas, isso não preocupa a companhia controlada pela família Moreira Salles, sócia do Itaú Unibanco -- e dona de 80% do mercado global de nióbio -- há um vasto mercado a ser explorado dentro do nióbio. Hoje, 90% da receita da empresa vem da siderurgia, com uma liga de ferro e nióbio. mas a companhia acredita que até 2030, pelo menos 30% virá de outras aplicações. Entre elas, destacam-se, em termos de desenvolvimento mais avançado: soluções para o setor automotivo, uso aeroespacial e uso na construção civil. "Existe um conceito de desmaterialização, de fazer mais usando menos materiais, o que é economicamente melhor e também reduz a emissão de CO2 para produzir os materiais. Temos parcerias com grandes empresas que mostram que é possível reduzir até 15% na quantidade de material, cumprindo com a mesma responsabilidade estrutural", diz Ricardo.
Na disputa pela maior eficiência em menos tempo, as empresas querem mostrar que o Brasil pode liderar a corrida pelo desenvolvimento dos veículos elétricos. É uma ambição e tanto.
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