A substituição de Roger Agnelli por Murilo Ferreira ainda deixou os diretores da mineradora com mais autonomia (Nacho Doce/Reuters)
Da Redação
Publicado em 18 de maio de 2012 às 16h36.
São Pauço - Uma gestão menos centralizadora e mais realista. Esses foram alguns dos adjetivos ouvidos de analistas sobre o primeiro ano de Murilo Ferreira à frente da Vale e as mudanças implementadas por ele.
Mas os especialistas também destacam que o presidente-executivo da maior produtora de minério de ferro do mundo tem o grande desafio de lidar um cobranças bilionárias de impostos feitas pelo governo, em meio a uma economia chinesa mais lenta.
A estratégia da Vale de se desfazer de ativos que fogem aos seus principais negócios também foi citada como algo importante por analistas, num processo iniciado com a recente venda da participação em uma unidade de caulim e que deve continuar nas próximas semanas, com desinvestimentos em áreas exploratórias de petróleo e gás.
Na área de projetos, Ferreira implementou na mineradora a política de incluir no plano de investimentos somente aqueles que já tenham licenças, algo considerado realista e transparente pelo mercado - ele criou, por exemplo, um comitê para conduzir processos de licenciamento.
A substituição de Roger Agnelli por Murilo Ferreira ainda deixou os diretores da mineradora com mais autonomia.
"Parece que os executivos da Vale estão mais livres para decidir questões operacionais", comentou Rafael Weber, da Geração Futuro.
Ferreira ainda afastou a desconfiança de que seria usado para atender aos anseios do governo, realizando projetos que o setor considera pouco rentáveis e distante do que deveria ser o principal para a Vale.
Em vez disso, ele optou por uma política de remuneração agressiva aos acionistas, enxugando a companhia de ativos que não lhe interessam tanto.
"Pensava-se que o Murilo colocaria investimentos em projetos de realidade duvidosa, mas ele soube tomar postura cautelosa, tem demonstrado preocupação com retorno ao acionista... vai repensar estratégia no setor de petróleo em busca de rentabilidade", afirmou Daniela Maia, da Ativa Corretora.
A venda de concessões de petróleo e gás detidas pela companhia no Brasil e de outros ativos menores em diferentes partes do mundo está sendo definida para que a empresa possa se concentrar em projetos de fertilizantes e minério de ferro.
"É uma questão de escolha; nós temos que escolher o que nos cabe melhor... Estamos olhando a possibilidade de (vender ativos de) óleo e gás e alguns projetos menores", disse o diretor financeiro Tito Martins em entrevista recente à Reuters.
Os investimentos necessários para desenvolver as reservas de petróleo e gás no Brasil em parceria com outras empresas ficaram maiores que esperado - a companhia possui participações em 19 blocos em quatro bacias petrolíferas do Brasil, e desde 2008 foram perfurados 14 poços no Brasil, que resultaram em cinco descobertas.
A Vale começou a revisar o destino dos investimentos no final do ano passado, com o objetivo de fazer frente a projetos prioritários bilionários, entre os quais o desenvolvimento de reservas de potássio, carvão e a expansão de Carajás, a maior mina de ferro a céu aberto do planeta.
A mineradora investiu no ano passado 18 bilhões de dólares, valor abaixo dos 24 bilhões de dólares inicialmente previstos, alegando principalmente problemas com licenciamento ambiental.
Para 2012, a mineradora planeja investir cerca de 21 bilhões de dólares.
Com capacidade de produção anual de 90 milhões de toneladas de minério de ferro, Serra Sul, o maior projeto de ferro da Vale, conta com investimentos estimados em 8 bilhões de dólares. A licença prévia para o projeto é esperada para o primeiro semestre de 2012 - o Ibama informou à Reuters que o cronograma da Vale é compatível com o andamento do processo.
Desafios
Alguns projetos que a mineradora tratava entre suas prioridades estão na berlinda, como Rio Colorado, na Argentina, e Simandou, na Guiné. Os dois enfrentam desafios políticos e dependem de definições em seus respectivos países.
Há ainda a disputa com os chineses para entrada dos navios gigantes da Vale no país, muitos deles encomendados e construídos na própria China, visando baratear o custo do transporte de minério de ferro.
Entretanto, mais preocupantes do que essas questões, segundo analistas, são a desaceleração da economia chinesa e os passivos tributários discutidos na Justiça, herdados por Ferreira da gestão anterior.
Isso num ambiente de queda no preço do minério de ferro. A commodity registrou nesta semana as menores cotações desde o início do ano.
Segundo o Goldman Sachs, o valor de mercado da Vale estava na semana passada 40 bilhões de reais abaixo do seu potencial por conta da guerra tributária com o governo brasileiro e do arrefecimento do consumo chinês, conforme antecipou a Reuters.
Mas os especialistas, como Marcelo Aguiar, do Goldman Sachs, avaliam que a discussão de impostos na esfera judicial será longa, podendo levar vários anos.
A mineradora brasileira trava uma luta tributária com o fisco brasileiro, que cobra da companhia e de outras multinacionais imposto de renda sobre lucros obtidos no exterior, em cobrança que pode passar de 30 bilhões de reais para a mineradora.
Além do imbróglio com a Fazenda, a Vale enfrenta outras discussões herdadas do período Roger Agnelli, como a cobrança de imposto de renda na Suíça, de ICMS pelo Estado de Minas Gerais e de royalties pelo órgão regulador brasileiro.
O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) cobra da Vale o pagamento de royalties que não teriam sido pagos na íntegra durante muitos anos. A legislação abre brechas para que mineradoras descontem custos com fretes, entre outros, da base de incidência.