Vacina contra covid-19: Associação estima que o equivalente a 8.000 cargueiros Boeing 747, com capacidade de 110 toneladas, serão necessários para o transporte aéreo (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Karin Salomão
Publicado em 2 de dezembro de 2020 às 12h06.
Última atualização em 2 de dezembro de 2020 às 12h17.
O Reino Unido acaba de se tornar o primeiro país a aprovar uma vacina contra a covid-19. O próximo desafio em larga escala será fazer com que milhões e até bilhões de doses de vacinas cheguem a populações em todo o mundo.
A vacina produzida pela americana Pfizer em parceria com a alemã BioNTech foi a primeira a ser aprovada. O produto, no entanto, precisa ser armazenado e transportado a temperaturas abaixo de -70°C. Na Antártica, a região mais gelada do planeta, a temperatura mais baixa já registrada foi de -89,2°C, em 1983, mas na região costeira as temperaturas ficam entre os -10°C e -20°C. Já a vacina desenvolvida pela Moderna precisa de um armazenamento a -20°C e se mantém estável por 30 dias entre 2°C e 8°C.
A questão é bastante delicada: segundo a Organização Mundial da Saúde, até metade das vacinas distribuídas no mundo precisa ser perdida por conta de transporte ou armazenamento inadequado. Poucos países no mundo possuem estruturas adequadas de ultracongelamento para fazer com que as doses cheguem de maneira segura à população.
Gelo seco e nitrogênio líquido podem ser usados para transportar as vacinas, mas o processo não é tão simples. Mesmo antes da aprovação da vacina da Pfizer nos Estados Unidos, centenas de doses já chegaram ao país por meio da companhia aérea United Airlines. O voo precisou de autorização especial da Federal Aviation Administration (Administração Federal de Aviação) para conseguir realizar esse transporte.
“Várias vacinas precisam de temperaturas frias contínuas durante o transporte, o que, em algumas circunstâncias, requer gelo seco, um material perigoso”, disse a FAA em um comunicado. “A FAA está trabalhando com fabricantes, transportadoras aéreas e autoridades aeroportuárias para fornecer orientação sobre a implementação dos requisitos regulatórios atuais para o transporte seguro de grandes quantidades de gelo seco na carga aérea.”
Uma das empresas fabricantes desses freezers especializados em temperaturas baixíssimas é a alemã va-Q-tec. A partir do primeiro trimestre do ano que vem, a companhia anunciou que irá entregar mais de 1.000 freezers para um grupo farmacêutico.
Outra fabricante é a norte-americana Stirling Ultracold. "Infelizmente, a maioria das clínicas e provedores de saúde não tem freezers de temperatura ultra baixa em mãos, o que ameaça a entrega dessas vacinas para os pacientes que mais precisam delas", diz Dusty Tenney, presidente da empresa, em comunicado. "Entendemos que nós estamos em uma posição única para fazer parte de um esforço global de saúde pública e estamos trabalhando ininterruptamente para garantir que as vacinas cheguem a todos com segurança e com a menor perda de produto possível.
A entrega das vacinas será um trabalho hercúleo para as companhias aéreas, debilitadas depois que a pandemia abalou as viagens de avião em todo o mundo. “Este será o maior e mais complexo exercício logístico de todos os tempos”, disse Alexandre de Juniac, diretor-geral da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA, na sigla em inglês). “O mundo conta conosco.”
A IATA estima que o equivalente a 8.000 cargueiros Boeing 747, com capacidade de 110 toneladas, serão necessários para o transporte aéreo, que levará dois anos para fornecer cerca de 14 bilhões de doses, ou quase duas para cada indivíduo no planeta. É uma tarefa difícil, visto que cerca de 30% da frota global de passageiros ainda está em terra.
A Lufthansa é uma das aéreas que se prepara há meses para a tarefa, em depósitos refrigerados nos arredores do aeroporto de Frankfurt. Uma das uma das maiores aéreas de carga do mundo, a empresa alemã começou a fazer planos em abril, em antecipação às vacinas que Pfizer, Moderna e AstraZeneca desenvolvem em tempo recorde.
Uma força-tarefa de 20 pessoas planeja como encaixar mais vacinas nos 15 cargueiros 777 e MD-11 da Boeing, juntamente com espaço em uma ampla frota de aviões comerciais que agora voam com apenas 25% da capacidade. “A questão é como aumentamos a escala”, disse Thorsten Braun, que lidera a participação da Lufthansa na iniciativa global.
A UPS é uma das empresas de logística que investe pesado nessa cadeia de distribuição ultra gelada. A companhia de transportes está construindo dois centros, nos Estados Unidos e na Holanda, perto de alguns de seus hubs de transporte aéreo. Cada um desses centros terá 600 freezers capazes de chegar a essas temperaturas extremas, cada um capaz de armazenar até 48.000 doses de vacina. Segundo a Bloomberg, cada um desses freezers demanda um investimento de 10.000 a 15.000 dólares.
Os freezers são necessários já que seria impossível construir um grande galpão que chegasse a essas temperaturas. Uma pessoa sobreviveria poucos segundos em um ambiente assim, mesmo com roupas especiais para climas de neve.
Embora transportar itens refrigerados em gelo seco já seja parte da operação da UPS, aguentar as temperaturas extremas é um novo desafio. "Armazenar a -80°C, com ultracongelamento rápido a essa temperatura, garantindo que o tempo de transporte e o trajeto sejam reduzidos ao mínimo possível, tudo isso é muito novo para nós”, disse o presidente da UPS, Wes Wheeler, à Bloomberg.
A FedEx está criando mais capacidade logística para transporte refrigerado com freezers, caminhões refrigerados, sensores de temperatura, entre outras medidas.
Para entregar bilhões de dólares da vacina contra a covid-19, o esforço será imenso - e dependerá de da colaboração entre diversas companhias.