Floresta Amazônica (Leo Correa/Glow Media/AP)
Da Redação
Publicado em 10 de agosto de 2021 às 14h36.
Última atualização em 5 de novembro de 2021 às 13h36.
Luis Felipe Adaime, CFA*
Felizmente, o debate sobre a existência de mudanças climáticas e sobre se nós causamos impacto no clima do planeta está acabando: quase não há mais dúvidas.
Infelizmente, pela pior razão imaginável: porque estamos presenciando cada vez mais, em nosso dia a dia, os impactos negativos das ações do homem na Terra.
Incêndios catastróficos na Califórnia, no Pantanal na época chuvosa, temperaturas recordes registradas no mundo todo, 49 graus no Canadá, aumento do nível do mar e ameaça a ilhas no Pacífico, enchentes na China e Europa. Imagino que nem o maior negacionista consiga mais tapar os olhos frente ao desastre ambiental que se consolida na Terra - eles devem estar morrendo de medo, como o resto de nós.
A mídia internacional tem dado maior destaque para o tema da sustentabilidade, e parece que falar em ESG e “produtos carbono zero” tornou-se uma “modinha”, mas é um movimento estrutural, que veio para ficar. Tanto pelas razões acima, de sentirmos na pele o castigo climático de nossas irresponsabilidades do passado, como também pela emergência dos millennials - pessoas de 20 a 40 anos -, que se tornaram o grupo demográfico mais numeroso do mundo. Esse grupo hoje em dia representa 30% da população global, 50% da força de trabalho, e em 5 anos será 70% da força de trabalho do mundo.
Esteja preparado para discutir sobre ESG e aprenda com empresas que já vivem essa realidade
Por que essa transformação é relevante para o planeta? Porque é essa geração que lidera e liderará as decisões no mundo atualmente - e, ao contrário da geração “baby boomer” (millennials tornaram-se mais numerosos que baby boomers em 2019), eles têm grande preocupação com o planeta onde viverão suas velhices e criaram seus filhos. De acordo com pesquisa do Economist Intelligence Unit, 93% dos millennials somente investem em empresas ou veículos “sustentáveis”, em comparação com 28% dos baby boomers.
Mas o que tudo isso de “millenials” têm a ver com a COP 26 e créditos de carbono?
TUDO. Há uma visão prevalecente desde a Eco 92 no Rio de Janeiro que os governos terão que forçar empresas e pessoas a serem menos poluentes e, consequentemente, emitirem menos carbono. É uma visão estadista, de que a solução tem que ser imposta de cima pra baixo, e de que consumidores e investidores não exigirão jamais que as empresas que fornecem seus produtos e serviços mitiguem seu impacto ambiental ou reduzam suas emissões de gás de efeito estufa.
Essa visão pode estar defasada e pode ser que a solução para o planeta via governos seja morosa demais. Felizmente, a solução já está se dando, mas de baixo para cima, via forças de mercado, de demanda e oferta. Vejam, já há mais de duas décadas que os governos do mundo se encontram nas COP (“Conference of the Parties” em inglês, ou Conferências das Nações Unidas sobre mudanças climáticas). Já tivemos 25 delas - a próxima, a vigésima sexta, será em novembro de 2021, em Glasgow, na Escócia - e os resultados dos esforços governamentais têm ficado, infelizmente, aquém do necessário para reduzirmos emissões.
Você provavelmente já leu sobre o Protocolo de Kyoto, créditos de carbono e mais recentemente sobre o Acordo de Paris. Em relação a esse último, caso tenha se aprofundado, deve ter lido algo sobre o artigo 6. Não se preocupe em esmiuçar essas siglas e estudar toda a complexidade das discussões, são altamente técnicas. Seguem resumo do que aconteceu e das discussões que rolaram:
Em 2005, seguindo a ratificação do protocolo assinado em Kyoto em 1997, estabeleceu um mecanismo regido pela ONU de negociação de "reduções certificadas de emissões de GEEs" chamado MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, ou CDM em inglês). Esse mecanismo promoveu incentivos para que recursos fluíssem, de países industrializados (mais poluidores) para emergentes (menos poluidores). Funcionou por um tempo e levou a um boom de negociação de créditos de carbono em 2005 a 2011, mas que esvaeceu e perdeu credibilidade, dado que:
Criou-se uma expectativa enorme que, dado o impacto exponencial das mudanças climáticas em nosso dia a dia, e que o tema ambiental está “em voga”, que haja maior pressão dos países partícipes em chegar a um acordo sobre as regras e funcionamento do notório artigo 6, que possibilita a criação de um mercado global de carbono
O argumento, válido a meu ver, é que devemos seguir as decisões e consequências desta Conferência, e torcer pela aceitação de créditos de carbono florestais e de desmatamento evitado (protocolo chamado REDD+). Devemos torcer porque há um potencial gigantesco para o Brasil se e quando os governos globais se alinharem num mercado global de carbono. Como temos 40% das florestas tropicais do mundo, e como (de acordo com a FAO) temos mais de 50% do carbono do mundo (mais que a soma do 2o ao 11o colocados), poderíamos conservar nossas florestas, gerar milhões de certificados digitais chamados créditos de carbono, e vendê-los a empresas e governos de países desenvolvidos.
A gestora global Schroders estima que a economia brasileira poderia crescer 6% a 7% ao ano se o Brasil atingir seu potencial de certificação de 1,5 bilhão de créditos de carbono ao ano - vendidos ao preço atual europeu de US$ 60, esse valor seria de US$ 90 bilhões de exportações (e portanto entrada de dólares) a mais para o país. Aqui, uma notícia positiva pelo governo: em 2020, o Ministério do Meio Ambiente brasileiro anunciou o programa “Floresta +”, carta de intenções que afirma que o governo aceitaria créditos de carbono por desmatamento evitado para fins de uma eventual regulamentação.
A COP26 pode ser uma grande oportunidade para o Brasil, mas não é nossa única esperança
O mercado de carbono já está aquecendo naturalmente, via forças de mercado. A demanda está explodindo e ficando muito acima da oferta global. Por quê? Por que os governos estão exigindo compensação de emissões?
Não somente por isso. Mais importantemente, porque os millennials que mencionei no começo deste texto estão exigindo que as empresas se compensem, tanto como investidores, como quando consumidores:
Há mais uma questão de mercado e competição comercial que está levando a pressão pela imposição de tarifas de carbono: empresas de países desenvolvidos, onde a compensação já é obrigatória, estão começando a exigir que seus reguladores e associações comerciais cobrem tarifas de importação de países onde não há compensação por emissões de carbono. No dia 20 de julho, por exemplo, a União Europeia anunciou o “Fit for 55”, programa no qual já ameaça a imposição de tarifas de importação sobre produtos importados de setores intensivos em carbono, de países que não compensam emissões.
Atualmente, os principais estados dos EUA, a União Europeia e China são regulados, e representam 50% do PIB global. Uma empresa de autopeças da Alemanha paga por suas emissões de carbono, mas compete no mercado internacional com uma empresa brasileira de autopeças que não paga nada. Resultado: não estão felizes com isso, e estão começando a obrigar, por si só, a compensação de carbono de suas cadeias de suprimento globais. A Volkswagen, por exemplo, anunciou em 2020 que exigirá que seus 40 mil fornecedores globais compensem suas emissões. As empresas brasileiras de setores intensivos em carbono e exportadoras para Europa, como siderurgia e mineração, serão brutalmente atingidas por eventual tarifa de importação. E, convenhamos, difícil de argumentar por um mercado global onde empresas chinesas, americanas ou europeias têm que pagar por carbono, e empresas brasileiras não tem essa obrigação. Essa distorção será corrigida, mais cedo ou mais tarde, via exigência comercial de compensação dos produtos brasileiros
Consumidores e investidores exigindo, as empresas vão capturar essa exigência e passar a calcular suas emissões de gás de efeito estufa. O que fazem as empresas após saber quanto poluem? Compram créditos de carbono no mercado voluntário, que é global e autorregulado. Resultado: os preços de crédito de carbono triplicaram globalmente no último ano, para uma média de 7,5 dólares. Segundo estimativas da London School of Economics, do FMI e do Banco Central Europeu, o preço de equilíbrio para que haja incentivos fortes os suficientes para que empresas minimizem emissões, e para que a oferta e demanda se equilibrem, é de mais de 100 dólares.
Resumo: acompanhemos a COP, sem stress ou angústia. O planeta só tem a ganhar.
Se os 195 países, de Vanuatu a Índia a China e EUA, chegarem a um acordo sobre como deve funcionar o mercado: ótimo! Excelente notícia.
Se decidirem que créditos gerados por conservação de florestas e desmatamento evitado, melhor ainda: mais um grande aval para o mercado privado e voluntário de créditos. E uma grande notícia para o Brasil, que deve ter seus créditos florestais mais valorizados no mercado internacional.
Agora, se nada de pragmático acontecer na COP 26, não nos desesperemos: trouxeram atenção ao tema climático, e validaram o tema, geopoliticamente falando. E o mercado continuará entrando em ação. Consumidores e investidores (especialmente os mais jovens) continuarão exigindo que seus produtos não prejudiquem a natureza, empresas continuarão acomodando essas demandas e se mexendo para vender mais, e o mercado salvará o planeta.
Então, em novembro, faça sua pipoca e assista a COP 26 calmamente: o mercado já está ajudando a resolver o que estarão discutindo ali na telinha.
*Luis Felipe Adaime é fundador da bolsa de carbono Moss
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