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Transgênicos: a falsa promessa da produtividade

Danny Hakim © 2016 New York Times News Service Londres – A controvérsia em torno dos alimentos geneticamente modificados sempre se concentrou no temor pouco embasado de que seu consumo não seria seguro. Contudo, uma pesquisa extensa realizada pelo The New York Times indica que o debate deixou de lado um problema muito mais básico: a […]

ARNAUD ROUSSEAU: sua plantação de colza — usada no biodiesel — teve aumento de produção, apesar de não usar transgênicos / Ed Alcock/ The New York Times

ARNAUD ROUSSEAU: sua plantação de colza — usada no biodiesel — teve aumento de produção, apesar de não usar transgênicos / Ed Alcock/ The New York Times

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Da Redação

Publicado em 9 de novembro de 2016 às 14h54.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h38.

Danny Hakim © 2016 New York Times News Service

Londres – A controvérsia em torno dos alimentos geneticamente modificados sempre se concentrou no temor pouco embasado de que seu consumo não seria seguro.

Contudo, uma pesquisa extensa realizada pelo The New York Times indica que o debate deixou de lado um problema muito mais básico: a modificação genética nos EUA e no Canadá não aumentou a produtividade, nem levou a uma redução no uso de pesticidas químicos.

A promessa era a de que a modificação genética seria uma via de mão dupla: tornando as lavouras imunes aos efeitos de herbicidas, além de serem resistentes a inúmeras pestes, propiciando um crescimento tão robusto que tornariam essas sementes indispensáveis para alimentar a crescente população mundial, exigindo uma menor aplicação de pesticidas no processo de produção.

Há 20 anos, a maior parte dos países europeus rejeitou a modificação genética, ao mesmo tempo em que os Estados Unidos a adotou em peso. Comparando os resultados nos dois continentes a partir de dados independentes e pesquisas acadêmicas e da indústria agrícola, é possível ver como os resultados da tecnologia deixaram a desejar.

Uma análise feita pelo Times com base em dados da ONU mostrou que os Estados Unidos e o Canadá não obtiveram vantagem na produtividade das lavouras – em termos de produção de alimento por hectare –, se comparados à Europa Ocidental, uma região que conta com potências agrícolas igualmente modernizadas, como a França e a Alemanha. Além disso, um relatório recente da Academia Nacional de Ciências aponta que “há poucas evidências” de que a introdução de alimentos geneticamente modificados nas lavouras norte-americanas levem a ganhos de produtividade em relação às lavouras convencionais.

Ao mesmo tempo, o uso de herbicidas aumentou nos EUA, apesar da adoção de variedades geneticamente modificadas de milho, soja e algodão. Além disso, os Estados Unidos ficaram atrás da França na redução do uso de pesticidas, incluindo herbicidas e inseticidas.

Segundo dados da Pesquisa Geológica dos EUA, existe uma diferença gritante no uso de pesticidas. Desde a introdução de culturas geneticamente modificadas como milho, algodão e soja nos EUA, o uso de toxinas que matam insetos e fungos caiu mais de 30 por cento, mas o uso de herbicidas, que são utilizados em maior volume, aumentou 21 por cento.

Em comparação, na França o uso de inseticidas e fungicidas apresentou uma queda muito mais acentuada – 65 por cento –, e o uso de herbicidas também apresentou queda de 36 por cento.

A indústria fatura de todos os lados, uma vez que as mesmas empresas fabricam e vendem as plantas geneticamente modificadas e os pesticidas. Em função desse volume de vendas, a capitalização de mercado combinada da Monsanto, a maior produtora da sementes do mundo, e da Syngenta, a gigante suíça dos pesticidas, cresceu mais de 600 por cento ao longo da última década e meia. As duas empresas estão envolvidas em acordos de fusão que aumentarão seu valor combinado para mais de US$100 bilhões cada.

Ao ser confrontado com os resultados da pesquisa, Robert T. Fraley, CTO da Monsanto, afirmou que o Times escolheu apenas os dados que apresentam resultados negativos para o setor. “Todos os agricultores são empresários inteligentes e, portanto, não estão dispostos a pagar por uma tecnologia que não traga benefícios claros. As ferramentas de biotecnologia obviamente aumentaram enormemente a produção das lavouras.”

Quanto ao uso de herbicidas, a Monsanto afirmou em um comunicado que “ainda que o uso total de herbicidas esteja aumentando em algumas áreas onde os agricultores seguem as orientações de boas práticas para controlar o surgimento de ervas daninhas, os agricultores de regiões com contextos ambientais diferentes estão mantendo ou mesmo diminuindo seu uso”.

Números do Ministério da Agricultura dos EUA mostram que o uso de herbicidas aumentou em mais de 250 por cento nas últimas duas décadas em lavouras de soja, embora o total de hectares de soja tenha crescido menos de 30 por cento durante o mesmo período. A tendência do uso nas lavouras de milho era negativa antes mesmo da introdução de sementes transgênicas, mas registrou um salto de quase cem por cento entre 2002 e 2010, antes de chegar a um aparente equilíbrio. Problemas de resistência a ervas daninhas nesse tipo de lavoura levaram a um aumento no uso de herbicidas.

Para muita gente, esse resultado era previsível. O objetivo de criar plantas resistentes a pragas “era o de reduzir o uso de inseticidas, e isso de fato aconteceu”, afirmou Joseph Kovach, pesquisador aposentado da Universidade Estadual de Ohio especializado nos riscos ambientais do uso de pesticidas. Contudo, o objetivo de criar sementes resistentes a herbicidas tinha o objetivo de “vender mais produtos”, afirmou – mais herbicida, nesse caso.

Dá para entender que agricultores com lavouras tomadas por ervas daninhas ou pestes e doenças específicas sejam defensores ferrenhos dos transgênicos. “Chega a ser ridículo que as pessoas queiram dar as costas a uma tecnologia que tem tanto a oferecer”, afirmou Duane Grant, diretor da Amalgamated Sugar Co., uma cooperativa de mais de 750 produtores de açúcar de beterraba no noroeste americano.

Segundo ele, as cepas resistentes ao Roundup, o herbicida mais popular da Monsanto, salvaram a cooperativa.

Alimentando o mundo

Com a população mundial caminhando para chegar aos 10 bilhões de habitantes em 2050, a Monsanto apresenta há um bom tempo os seus produtos como uma forma de “ajudar a responder às demandas alimentares desses bilhões de pessoas”, conforme afirmou em um comunicado em 1995. Desde então, esse continua a ser o mantra do setor.

“É absolutamente central que continuemos a inovar. Com as atuais práticas de produção, não seremos capazes de alimentar tanta gente”, afirmou Kurt Boudonck, gestor das enormes estufas da Bayer na Carolina do Norte.

Contudo, os transgênicos não foram capaz de aumentar a produtividade no campo. O Times observou dados regionais da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, comparando as principais culturas transgênicas dos Estados Unidos e do Canadá com variedades produzidas na Europa Ocidental, um grupo que para a organização conta com sete países, incluindo os dois maiores produtores agrícolas do continente, a França e a Alemanha.

No caso da colza, utilizada para a produção de óleo de canola, o Times comparou a Europa Ocidental com o Canadá, o maior produtor do mundo, ao longo de três décadas, incluindo um período muito anterior à introdução de organismos geneticamente modificados.

Apesar de ter rejeitado os transgênicos, a Europa Ocidental conta com uma produção maior por hectare do que o Canadá. Embora isso se deva em parte às variedades produzidas nas duas regiões, mesmo em termos relativos o Canadá não leva vantagem desde a introdução dos transgênicos, segundo mostram os dados.

No caso do milho, o Times comparou os Estados Unidos com a Europa Ocidental. Ao longo de três décadas, as linhas de tendência entre os dois praticamente não mudaram. Já no caso da beterraba, uma importante fonte de açúcar, a Europa Ocidental mostrou um crescimento significativo na produtividade por hectare, se comparada aos EUA, mesmo com a dominância das lavouras transgênicas ao longo da última década na América do Norte.

Jack Heinemann, professor da Universidade de Canterbury, na Nova Zelândia, realizou um estudo pioneiro em 2013 comparando as tendências de produtividade dos dois lados do Atlântico, tomando por base os dados da ONU. Segundo ele, a Europa Ocidental “não foi penalizada de nenhuma maneira por não fazer da engenharia genética uma de suas escolhas de biotecnologia”.

Executivos de biotecnologia sugerem a realização de comparações mais estreitas. Fraley, da Monsanto, destaca dados que comparam o crescimento da produtividade no Nebraska e na França, embora um funcionário da Bayer sugira a comparação entre Ohio e a França. Essas comparações podem ser favoráveis ao setor, enquanto comparações entre estados americanos possam ser desfavoráveis.

Michael Owen, especialista em pragas da Universidade Estadual de Iowa, afirmou que embora a indústria sempre repita que os transgênicos vão “salvar o mundo”, eles ainda “não encontraram o gene da colheita mítica”.

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