Fábrica do Grupo Boticário: cultura de startups mudou a forma de produzir e inovar (Grupo Boticário/Divulgação)
Karin Salomão
Publicado em 24 de maio de 2018 às 08h00.
Última atualização em 24 de maio de 2018 às 08h00.
São Paulo – Desenvolvimento agile, hackathon e design thinking. Esses anglicismos, que significam criação mais rápida, maratonas de desenvolvimento e um novo processo para inovar, são usados com frequência no meio de startups e empresas de tecnologia.
No entanto, há três anos tornaram-se parte do vocabulário do time de operações do Grupo Boticário, que transformou sua indústria, relacionamento com fornecedores e desenvolvimento de novos produtos com os métodos das startups.
"Vimos que, se não inovássemos na nossa forma de produzir, logo seríamos ultrapassados, porque todo dia há uma novidade", afirma o diretor de operações do Grupo Boticário, Sérgio Sampaio, ao site EXAME.
O projeto, que foi chamado de Operações 4.0, reúne iniciativas para revolucionar a indústria do grupo. Todas as mudanças não saíram barato para a companhia. Em dois anos, a companhia investiu cerca de 120 milhões de reais na automação e modernização das máquinas e cerca de 30 milhões na capacitação de pessoas, mudanças de metodologias e sistemas.
O primeiro passo foi verificar em que estágio de automação e tecnologia a empresa estava.
Durante meses, a equipe de operações verificou as áreas de pesquisa e desenvolvimento, industrial, logística e back office em relação a inovação. Ou seja, analisaram todas as divisões que cuidam de um produto antes que ele chegue ao ponto de venda.
A equipe passou então a visitar as companhias que eram vistas como as mais inovadoras do mundo e comparou-se a elas. "Queremos ter a customização da Nike, a flexibilidade da Coca-Cola, a inovação do Google", disse Sampaio.
Para se manter sempre atualizado, o grupo criou a equipe de Redes de Inovação e Design, com três pessoas encarregadas de analisar todas as novidades do mercado. Eles devem decidir o que pode ser adaptado ao grupo e deve, ou não, ser levado adiante.
De 2017, foram feitos cerca de 100 projetos envolvendo as redes e o Lab, equipe de TI. Essas iniciativas são desde projetos internos até hackathons e trabalhos colaborativos com startups.
Para desenvolver essas novas ideias, as operações do Grupo Boticário adotaram a metodologia ágil, comum em startups e empresas pequenas.
Até então, uma nova ideia, como uma melhoria em um processo ou na máquina, precisaria ser aplicada, de uma vez, em todas as unidades, o que demora, dá trabalho e custa muito. São 43 linhas de produção nas duas plantas, em São José dos Pinhais, Paraná, e Camaçari, Bahia.
Agora, ela pode ser testada em pequena escala e, se der certo, expandida para o resto da linha. Uma mudança que, no passado, levava um ano e meio para ser implementada hoje chega em três meses.
"É claro que a solução ainda vai passar por melhorias, mas é melhor soltar algo que precisa ser aprimorado, em três meses, do que levar um ano e meio e lançar um protótipo já ultrapassado”, afirma o diretor.
Até os treinamentos da companhia foram adaptados. Com a automatização de alguns processos na fábrica, mudam também as tarefas dos funcionários, que deixam de ter funções repetitivas e passam a precisar de outras habilidades, como a capacidade de analisar os dados gerados pelo maquinário e ajustar a produção de acordo. A empresa criou a Escola de Operações, para capacitar os profissionais a lidar com a nova cara da indústria.
Os treinamentos começaram com os gestores. Até setembro, todos os 153 líderes da área de operações já terão passado pelo treinamento. Até março de 2019, todos os 2.600 funcionários do setor terão passado pelos treinamentos.
O Boticário adotou ainda hackathons, que são maratonas para desenvolver novas soluções. Foram três hackathons em 2017 e outros três em 2018. Um deles, o Perfumathon, tem foco no desenvolvimento de inovação em fragrância.
Com as mudanças na fábrica, abrem-se novas possibilidades. Uma delas é a customização de produtos a um preço mais acessível. O consumidor poderá personalizar a embalagem com dizeres, tampas de cores diferentes, por exemplo.
A mesma metodologia ágil também permitirá o Grupo Boticário testar novos produtos em lotes menores. Um novo perfume ou embalagem pode ser levado a apenas cinco lojas, por exemplo, antes de ser fabricado em larga escala. Até então, produzir produtos customizados ou pequenos lotes era muito caro. Com as novas tecnologias, o custo fica mais acessível - apenas 7% superior à produção em escala, garante Sampaio.
A companhia busca tornar a relação entre o varejo e a indústria mais responsiva e eficiente. Ou seja, evitar que sobrem ou faltem produtos na loja e que ela perca vendas com isso. Hoje, do momento em que o varejo percebe que precisa ajustar seu estoque de acordo com a demanda até a fábrica mudar a produção e entregar os produtos na loja, a companhia leva 60 dias. O ideal é que esse tempo não passe de 20 dias.
Para reduzir esse prazo, é essencial recolher e analisar as informações que vêm do varejo. "Nós já tínhamos esses dados, mas não havia gente capacitada para analisá-las", diz o diretor.
A outra ponta da cadeia produtiva são os fornecedores. Para tornar a produção mais eficiente, o relacionamento com os parceiros também precisa mudar. A responsividade na cadeia de suprimentos - ou a compra automática apenas quando há necessidade - já é comum na indústria automotiva, mas não em outros segmentos. Essa modalidade evita que faltem ou sobrem suprimentos, o que torna a fábrica mais eficiente.
A mudança do é mais demorado e deve ser finalizado até 2020, porque depende também da digitalização dos fornecedores.