Elon Musk afirmou pelo Twitter que vai entrar em um negócio "da China" (Carla Gottgens/Bloomberg)
Carolina Riveira
Publicado em 25 de abril de 2019 às 06h00.
Última atualização em 25 de abril de 2019 às 06h00.
Os veículos elétricos da Tesla já foram questionados por muitas coisas: de não serem entregues aos compradores a não serem viáveis a longo prazo. Mas explodir repentinamente não era uma delas - ao menos até esta semana, quando um sedã da empresa pegou fogo sozinho em uma garagem na China. A explosão aconteceu dias antes de a Tesla precisar divulgar, nesta quarta-feira, os resultados do trimestre, que vieram com novas notícias ruins para os investidores.
A Tesla divulgou prejuízo de 702 milhões de dólares, mais de 20% maior do que o esperado pelo mercado. O faturamento também foi de 4,54 bilhões, mais de 30% menor que o do último trimestre. A promessa da empresa é retomar a lucratividade a partir do terceiro trimestre deste ano.
Já era esperado que a Tesla divulgaria prejuízo no trimestre, mas o rombo foi maior do que o previsto pelos analistas. O ano de 2019 trouxe novidades para a Tesla, que anunciou em fevereiro uma versão do Model 3, seu modelo mais barato, a 35.000 dólares e um novo SUV (o Model Y) em março.
A novidade mais recente, contudo, veio horas depois da repercussão da explosão na China. A Tesla realizou na segunda-feira 22 um evento que batizou de "Dia da Automação". O objetivo era divulgar que a empresa, além de carros elétricos, passará a produzir tecnologia para carros autônomos, chamados pela empresa de "robôs-táxis". E não só isso: terá, a partir de 2020, um aplicativo de transporte, similar à Uber. A ideia é que parte da frota dessa modalidade venha dos próprios donos de carros da Tesla, que "alugariam" seus veículos para fazerem parte da frota sem motoristas da empresa.
É verdade que a data do evento foi definida em 4 de abril, bem antes de o episódio da explosão tomar grandes proporções. Ainda assim, calhou de ser mais um capítulo do típico playbook da Tesla: depois de uma derrapada, usar uma novidade que só se concretizará num distante futuro para apagar o fogo do presente (desta vez, literalmente).
Os investidores, contudo, parecem não estar comprando a ideia tanto quanto antes. "Acreditamos que o evento foi uma forma de a companhia tirar o foco dos investidores da demanda e da pressão sobre as margens que enfrenta atualmente, à medida que trazem o Model 3 para o mercado de massa e que a demanda vem caindo para os Model S e X", escreveu David Tamberrino, analista do banco Goldman Sachs, em relatório após o episódio. O Morgan Stanley classificou o trimestre da Tesla como um que a empresa "deve querer esquecer".
Até onde vai a paciência com a Tesla?
Apesar dos problemas, a Tesla vinha melhorando financeiramente, com 2018 marcando a primeira vez em que a empresa gerou lucro por dois trimestres consecutivos (o terceiro e o quarto do ano passado, ainda que, no acumulado do ano, o prejuízo tenha sido de 1 bilhão de dólares). No ano, o faturamento também foi recorde, de 21,4 bilhões de dólares. Em 2018, o veículo mais barato da Tesla, o Model 3, foi o modelo mais vendido na categoria premium nos Estados Unidos, com quase 140.000 unidades vendidas e batendo rivais como a Audi.
Mas crescer as vendas não resolve os problemas da Tesla, que há anos não consegue entregar os veículos que promete. Ainda que tenha fabricado 253.000 carros em 2018 (outro recorde), o número é abaixo da meta de 500.000 carros prometida por Musk para o ano passado. No anúncio dos resultados do trimestre nesta quarta-feira, Musk voltou a prometer fabricar 500.000 carros, desta vez para 2019 (destes, a expectativa é entregar cerca de 80%).
Até agora, contudo, a empresa segue na mesma toada de baixa produção: enquanto as vendas do Model 3 cresceram em 2019 mais de 500% em comparação ao primeiro trimestre de 2018, as entregas caíram quase 20% em relação ao último trimestre do ano passado. Foram 63.000 carros Model 3 produzidos no trimestre.
Não é a primeira vez que a viabilidade dos projetos da Tesla entra em discussão, ainda que apostar nos sonhos e no longo prazo faça parte do DNA da companhia de Elon Musk. A empresa foi à bolsa em 2010 alertando seus investidores de que o curto prazo não estava no foco. Em 2006, nos primeiros dias de empresa, Musk divulgou um plano de dez anos que consistia, basicamente, em quatro pontos. Criar um carro de nicho caro; usar esse dinheiro para fazer um carro mediano mais barato; usar esse dinheiro para criar um carro popular; investir em energia solar. Tudo isso aconteceu.
Historicamente, o dilema da Tesla não vem sendo apresentar soluções, mas torná-las realidade. Os investidores estão mais do que acostumados a empresas de tecnologia cujos lucros parecem distantes - em seu prospecto, a Uber, por exemplo, escreveu que não sabe quando atingirá lucratividade e, ainda assim, deve arrecadar mais de 100 bilhões de dólares em seu IPO. Mas, em favor de empresas como a Uber, pode-se dizer que seus serviços primários (os motoristas por aplicativo ou as entregas de refeições com o Uber Eats), ao menos, vêm funcionando.
Na Tesla, contudo, o buraco é ainda mais embaixo: a empresa não consegue sequer entregar um volume satisfatório dos carros mais básicos que fabrica. A expectativa dos investidores é que 2019 seja o ano em que Musk consiga, de fato, mudar essa história, cumprir suas promessas e colocar milhares de Model 3 elétricos nas ruas.