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Suíça: a reinvenção dos relógios

Rafael Kato  Quem embarca no aeroporto de Zurique, na Suíça, tem um pequeno aperitivo de tudo pelo qual o país alpino é famoso. Nos corredores, pequenos estandes vendem chocolates. No monotrilho, entre os terminais de embarque, ouve-se, pelo sistema de som, o mugido de uma vaca leiteira e o badalar da campana que guia o […]

SWATCH: uso de robôs na fabricação e relógios que funcionam como cartão pré-pago / Divulgação

SWATCH: uso de robôs na fabricação e relógios que funcionam como cartão pré-pago / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 9 de dezembro de 2016 às 16h25.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h01.

Rafael Kato 

Quem embarca no aeroporto de Zurique, na Suíça, tem um pequeno aperitivo de tudo pelo qual o país alpino é famoso. Nos corredores, pequenos estandes vendem chocolates. No monotrilho, entre os terminais de embarque, ouve-se, pelo sistema de som, o mugido de uma vaca leiteira e o badalar da campana que guia o rebanho. Na sequência, é possível escutar ao fundo o tradicional iodelei do Tirol. Mas para quem viaja por ali com dinheiro — por sinal, muito dele depositado no país, um paraíso fiscal — o que chama atenção são as lojas com os tradicionais relógios suíços, famosos tanto pelo preço como pela qualidade e pelo luxo que representam.

É fácil se enganar pelas vitrines e esquecer que a indústria relojoeira suíça passa por um momento de transformação. A indústria relojoeira da Suíça tem origem na reforma protestante do século 16. Os artesãos huguenotes — em sua maioria calvinistas — fugiram da perseguição na França com direção a Genebra, levando a arte relojoeira na mala. A novidade foi vista como uma oportunidade de diversificação para os ourives suíços. Com uma sociedade estável e visitantes com muito dinheiro para gastar, a indústria se desenvolveu naturalmente com o passar das gerações. Até que chegaram os smartphones e os smartwatches da vida, e toda a estabilidade foi pro espaço.

Segundos dados da Federação da Indústria Relojoeira da Suíça, o ano de 2015 representou uma queda de 3,3% na exportação de relógios — o terceiro produto mais vendido do país ao exterior depois de químicos e máquinas —, fechando o ano em 21,5 bilhões de francos suíços (73,5 bilhões de reais). A previsão para 2016 também não é muito animadora. Entre janeiro e outubro deste ano as exportações seguem 10% menores do que em 2015.

Há diversas causas para o tombo da indústria, que vão além da crescente concorrência com as fabricantes de eletrônicos. A principal delas vem de Hong Kong e da China, respectivamente, o primeiro e o terceiro destino da produção. A desaceleração econômica desses dois mercados impactou o consumo de relógios. Outra razão para a queda de vendas nessa região é a série de medidas tomadas pelo governo de Pequim contra a corrupção — um Patek Philippe de 80.000 dólares é, afinal, mais difícil de ser rastreado como propina — e o aumento das barreiras para que um chinês possa visitar Hong Kong, onde os relógios são vendidos com preços mais baixos. Soma-se a isso o fato de que sul-americanos, brasileiros inclusive, reduziram suas viagens internacionais, um problema para as vistosas lojas do aeroporto de Zurique.

Com a galinha dos ovos de ouro morrendo na China e sem sinais de que os outros mercados irão aumentar suas compras nos próximos anos, as marcas tradicionais começam a apostar em relógios inteligentes e outros serviços móveis.

Uma das empresas de olho nesse movimento é a Swatch, com sede em Berna e faturamento anual de 8,5 bilhões de dólares. A fabricante fechou uma parceria com a empresa de pagamentos Visa ao lançar este ano o modelo Bellamy, que realiza pagamentos. Por meio de uma ferramenta online, é possível carregar créditos no relógio, que funciona como um cartão pré-pago. O diferencial é que, graças a uma tecnologia wireless, é possível completar as compras sem ser preciso encostar o relógio na máquina de cartão. “O Swatch Bellamy é uma solução superamigável, descomplicada e universalmente acessível para pagamentos. Mais novidades virão no futuro, sempre para satisfazer as necessidades dos consumidores de uma maneira divertida, fácil e direta”, afirma Carlo Giordanetti, diretor criativo da marca.

O ar jovial da marca, citado por Giordanetti, está ligado a outra crise da indústria relojoeira no passado recente, conhecida como “crise do quartzo”. A Swatch foi fundada em 1983 como resposta à invasão dos relógios digitais japoneses de quartzo, como Casio e Citizen, no segmento de entrada nos anos 1970. Feito inteiramente de plástico e com pulseiras coloridas que podiam ser trocadas — uma vantagem fashion para compor figurinos monocromáticos da época —, os modelos Swatch se tornaram um rápido sucesso, sobretudo nos Estados Unidos.

Além do apelo visual, o êxito da Swatch teve como base um forte desenvolvimento tecnológico. Para competir com os preços dos dispositivos japoneses, o trabalho manual foi substituído por processos robotizados. Outra inovação importante foi a redução dos componentes necessários para um relógio analógico: das 91 peças normalmente usadas nos relógios mecânicos para apenas 51.

É preciso repensar 

No atual momento do setor na Suíça, ter a inovação e a redução de custos no DNA pode fazer a diferença. Além do Bellamy, a empresa lançou no segundo semestre deste ano o Sistem51 Irony. Trata-se de um relógio mecânico — em vez de quartzo — com 51 peças de metal, montadas todas por robôs (esqueça de vez a imagem clássica de um artesão trabalhado sobre a bancada). “Abraçar o desafio de inovar no ambiente dos movimentos mecânicos, dentro da filosofia da Swatch de oferecer produtos com um posicionamento de preços democrático e provocador, significa repensar todo o processo de produção”, afirma Giordanetti. “O Sistem51 estabeleceu novos padrões para a indústria.”

A aposta em relógios que se utilizam de alta tecnologia na produção ou então oferecem funções inteligentes — como o pagamento de contas —pode ter outra vantagem: eles têm um apelo maior entre os jovens. Segundo um estudo da consultoria Deloitte do mês de novembro, os mais jovens representam o maior grupo interessado em comprar um smartwatch nos próximos 12 meses. Na China, por exemplo, 62% das pessoas entre 18 e 29 anos manifestaram interesse nesse tipo de produto, ante 53% na faixa entre 50 e 79 anos. Nos Estados Unidos, nas mesmas faixas etárias, as intenções são, respectivamente, 25% e 5%. Ao entrar no mercado de relógios inteligentes para os mais jovens, os fabricantes suíços esperam converter esses consumidores, ao longo do tempo, em compradores de relógios mecânicos mais caros e refinados.

Só que a Swatch não está sozinha nesse mercado tecnológico. A TAG Heuer lançou com sucesso um relógio inteligente com o sistema Android, vendendo mais de 50.000 unidades em 2016, e pretende anunciar uma nova família de smartwatches para 2017. A Tissot, pertencente ao mesmo grupo da Swatch, deve começar a vender neste final de ano o Smart Touch, com GPS, sincronização com o smartphone via bluetooth, alertas sobre mudança de condições climáticas, termômetro e medidor de qualidade do ar. No segmento superior, a Frederique Constant, por exemplo, tem um relógio que monitora atividade física, gastos de calorias e ainda sincroniza os ponteiros de acordo com o fuso horário em que a pessoa está.

Mais modelos desse tipo representam uma tendência irreversível. No quarto trimestre do ano passado, a venda de smartwatches passou pela primeira vez a venda de relógios de pulsos suíços tradicionais. Foram 8,1 milhões de unidades contra 7,9 milhões. A boa notícia aqui é que a Apple, que impulsionou inicialmente o mercado de relógios inteligentes com seu Apple Watch, lançado em 2014, sofre com a queda nas vendas mês a mês com a chegada de novos competidores no mercado. A empresa da Califórnia está saindo do setor de luxo, tirando de linha os modelos do Apple Watch banhados a ouro a partir de 2017.

“Com a saída da Apple desse segmento, o atual mercado-alvo para os smartwatches de luxo parece estar mais em um intervalo entre 1000 e 2000 francos suíços [3.400 e 6.800 reais]. Essa é a faixa de preço em que a Tag Heuer está presente e onde outras marcas suíças poderiam estar”, diz Jules Boudrand, diretor da Deloitte na Suíça e co-autor do estudo sobre o mercado relojoeiro do país. “O tempo dirá se outros modelos suíços high-end também poderão encontrar o seu lugar neste mercado”, afirma.

Se eles vão seguir se reinventando e conquistar uma fatia maior desse mercado, é impossível dizer. O certo é que os relógios continuarão, nas palavras de Giordanetti, a “representar um mundo fascinante, capaz de expressar histórias fortes e profundas dentro de alguns centímetros quadrados” — se puderem ter sido feitos na Suíça, mesmo que por robôs suíços, então melhor ainda.

 

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