Fabrício Valadão (esquerda) e Rafael Tinoco (direita): “O sistema que existe hoje ainda nos dá muito espaço para crescer e criar novas soluções"
Repórter de Negócios
Publicado em 4 de setembro de 2024 às 05h00.
Última atualização em 4 de setembro de 2024 às 15h52.
Normalmente, um atendimento com plano de saúde funciona assim: o paciente é atendido e dá as credenciais de seu plano. O hospital fatura a conta e manda para a operadora. Ela avalia a prestação de serviço e paga à instituição de saúde. Se os gastos são maiores do que o previsto, há uma revisão no preço do plano, que encarece e possibilita a manutenção do sistema. É, portanto, algo circular.
Acontece, porém, que este círculo corre riscos de romper. Nos últimos anos, o setor enfrenta uma crise porque, segundo as operadoras, a quantidade de sinistros está maior, os atendimentos estão mais caros, e o número de clientes, menor. Fica difícil pagar a conta no fim do mês.
Para piorar a situação, as fraudes estão maiores -- ou pelo menos, entraram no radar das operadoras. Escândalos de médicos que pedem reembolsos por consultas falsas e emitem notas de atendimento que não prestaram estão cada vez mais evidentes. De acordo com o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), fraudes e desperdícios beiram 19% de todo o valor movimentado pelo mercado de saúde privada no país.
Por causa disso, as operadoras começaram a olhar com mais atenção para a fatura que os hospitais mandam no fim do mês e para os reembolsos que os clientes pedem. A ideia é passar a lupa no relatório de custos para entender se, há mesmo, necessidade de todos os gastos relatados - e se todos eles são verdadeiros.
Até pouco tempo, isso era feito manualmente. A ideia da startup Arvo, criada em 2022, é agilizar esse processo, e usar inteligência artificial para analisar os custos dos hospitais e identificar oportunidades para as operadoras gastarem menos.
Desde que foi fundada, a startup já analisou o equivalente a 82 bilhões de reais em despesas médicas. Ela fatura cobrando uma mensalidade pelo uso da plataforma, mas também há uma opção em que cobra uma porcentagem do valor economizado.
Agora, a startup acaba de captar 25 milhões de reais em rodada de investimentos liderada pelos fundos Canary e K50, com participação de Latitud, Preface e Endeavor Scale-Up Ventures.
O aporte será utilizado para potencializar as soluções tecnológicas da empresa, e aperfeiçoar sua inteligência artificial proprietária.
Hoje, o sistema antifraudes e contra desperdícios da Arvo já é usado por empresas como:
O negócio vem dos esforços dos empreendedores Fabrício Valadão, ex-executivo de saúde com passagens pela multinacional Aon e pela consultoria Bain & Company, onde atendia empresas do setor de saúde — e Rafael Tinoco, executivo de tecnologia e saúde com passagens por companhias como Amil, Gympass e Alice.
Em comum, os dois compartilhavam a visão de que boa parte dos problemas de acesso à saúde no país poderia ser resolvido com tecnologia, já que a consequência direta dos processos de gestão de contas, feitos de forma manual, gera o encarecimento dos serviços de saúde.
Ao invés de criar uma rede com custos mais baixos e voltados às classes C e D, eles decidiram colocar soluções de tecnologia à disposição das grandes operadoras, de uma só vez, para que elas tenham menos custos e não cobrem tanto.
“O setor de saúde é um dos poucos que ainda não passaram por uma transformação digital, ao contrário de mercados como o financeiro, por exemplo”, diz Tinoco. “O sistema que existe hoje ainda nos dá muito espaço para crescer e criar novas soluções”.
Para redimir, ao menos em partes, os prejuízos financeiros causados a operadoras de saúde que lidam com uma quantidade imensa de transações no dia a dia, a Arvo criou um algoritmo dotado de inteligência artificial que avalia um conjunto de dados relacionado aos pagamentos feitos a prestadores de saúde de redes credenciadas, evitando fraudes, erros e desperdício de recursos em alguns procedimentos médicos.
“A inteligência artificial checa essa cobrança, analisa e audita, para garantir que o serviço que foi prestado está em linha do que foi autorizado”, diz Valadão.
“Pensa que nessa conta pode ter, hipoteticamente, um item que custa mais de 1.000 reais, mas olhando o serviço prestado, ele não era pertinente, até poderia colocar o atendimento do paciente em risco”, completa Tinoco. “A Arvo olha o serviço que foi prestado, analisa a composição desse atendimento, com base em toda experiência acumulada nas transações que já processamos até aqui, comparando com o que é esperado, complementando com conhecimento técnico de saúde. E indica se esse custo deveria estar lá ou não”.
O propósito, além de evitar gastos e cobranças indevidas, é o de melhorar o relacionamento entre esses prestadores e planos de saúde, já que operadoras são capazes de otimizar a gestão de contas médicas, reembolsos e autorizações, tornando os processos mais ágeis e assertivos, reduzindo desperdícios, fraudes e erros.
A Arvo atua na ponta, analisando os pagamentos feitos por planos de saúde que vão para os prestadores de serviço após a conclusão de cada atendimento ou procedimento médico.
Em outra frente, a startup também avalia os indicadores de pagamento e identifica irregularidades ainda durante a autorização prévia feita pelos convênios.
A maior parte do valor aportado será usado para treinar e qualificar a inteligência artificial que faz as análises dos pagamentos.
"Nosso objetivo é ampliar a base dos nossos dados e aperfeiçoar nossos algoritmos, o que garantirá ainda mais precisão, que hoje já supera 80%, e eficiência no processamento de grandes volumes de transações", afirma Valadão.
O ponto que fez a Canary e a K50 apostarem na startup é um entendimento comum, compartilhado pelos fundadores, de que as tecnologias em saúde vão evoluir, ou melhor, nascer.
“O setor é tão analógico que eu nem digo que as tecnologias vão evoluir, mas que vão nascer”, afirma Valadão.
“Acreditamos que a oportunidade de gerar valor por meio de tecnologia na saúde é imensa, e estamos extremamente entusiasmados em fazer parte dessa jornada ao lado do timaço da Arvo", diz Izabel Gallera, sócia do Canary.