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Romper patente de droga da hepatite afronta direito, diz diretor da Gilead

Christian Schneider, diretor da farmacêutica no Brasil, afirma que a empresa está aberta a negociar um medicamento mais eficiente com o governo

Teste de hepatite C é realizado em um hospital (Francois Nascimbeni/AFP)

Teste de hepatite C é realizado em um hospital (Francois Nascimbeni/AFP)

LN

Letícia Naísa

Publicado em 31 de outubro de 2018 às 20h43.

São Paulo — Desde que o Ministério da Saúde anunciou uma meta para eliminar a hepatite C no Brasil até 2030, veio à tona um debate sobre a quebra de patente de um medicamento que cura 95% dos casos da doença.

Em setembro, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) concedeu a patente do sofosbuvir para a farmacêutica americana Gielad.

Com a decisão do INPI, a Farmaguinhos-Fiocruz ficou impedida de produzir um genérico do medicamento, que traria uma economia de 1 bilhão de reais para o Ministério da Saúde.

O tratamento pelo SUS com o sofosbuvir chega a custar 35 mil reais por paciente. No Brasil, o Ministério da Saúde calcula que há 700 mil pessoas com hepatite C.

A versão genérica do sofosbuvir já estava registrada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Na última terça-feira (30), em um novo capítulo da disputa pela patente, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou a apresentação do projeto que prevê a quebra de patente de um medicamento contra a hepatite C.

O ministro do INPI, Marco Jorge, foi convocado pela CAE para explicar a liberação da patente pelo instituto. A reunião está marcada para a próxima terça-feira (6).

Segundo Eric Bassetti, gerente médico da Gilead, o sofosbuvir sozinho não é capaz de curar a doença e precisa ser combinado com outro medicamento.

“Não tem tratamento para hepatite C só com uma droga. Eu tenho que juntar com duas ou três drogas com mecanismos de ações diferentes para dar certo”, diz.

Basseti afirma que a Gilead já tem medicamentos mais modernos que conseguem curar mais casos da doença em tratamentos de 12 semanas. A empresa afirma que está produzindo uma quarta geração de remédio contra a hepatite C, que contém a substância voxilaprevir, ainda não aprovada no Brasil.

Em entrevista exclusiva à EXAME, Christian Schneider, diretor geral da Gilead no Brasil, afirma que fez uma proposta para o governo para oferecer o medicamento de terceira geração a um preço acessível.

Em um comprimido do Epclusa, há duas substâncias (sofosbuvir e velpastavir) que podem curar a doença em estágios mais avançados.

EXAME - Por que começou essa briga pela patente de um remédio de primeira geração (sofosbuvir)?

Christian Schneider - Começou porque nós vamos defender uma propriedade intelectual nossa. Alguém está dizendo que não existe inovação. Nós estamos mostrando a inovação que a gente acredita que existe. O processo de patente em si passa pelo INPI, é técnico. Neste ínterim, alguém está tentando lançar e é um direito de propriedade.

Para nós, é uma infração do direito de propriedade. Alguém está tentando entrar no mercado antes da decisão. Chegou a sair e foi revogada. Agora vamos esperar.

Um dos argumentos a favor da quebra de patente é que o genérico traria uma economia de 1 bilhão de reais para o governo. Como vocês refutam isso?

Se você olhar o quanto o Ministério gastou ao longo dos três anos que tem esse produto no Brasil, eles nunca gastaram um bilhão de reais. Eles gastaram 900 milhões no primeiro ano com todos os medicamentos. No terceiro ano, gastaram 450 milhões.

Eles estão reduzindo um bilhão do que? Do que eles iriam tratar? As novas tecnologias que oferecemos são mais baratas, então eu também estou economizando um bilhão, só que com uma nova tecnologia.

Vocês fizeram alguma oferta para o governo?

Fizemos. Não posso detalhar, mas sairia mais barato. Oferecemos o medicamento da terceira geração. Estamos trazendo inovação, simplicidade para o governo e para o programa de eliminação a um custo mais barato. O genérico é só um pedaço da equação, você precisa da outra droga.

O sofosbuvir tem uma taxa de sucesso de 95%. Não é por isso que está tendo essa discussão pela quebra de patente?

Mas a gente pode ofertar, no caso de um medicamento de terceira geração, uma taxa de sucesso maior incluindo casos cirróticos [de 98%, segundo Bassetti]. A eficácia é maior, o custo é melhor, é um só comprimido, só tem benefícios. A inovação está nisso. O custo desse tratamento com o produto para os não cirróticos são 24 semanas de tratamento. É o dobro do que eles estão falando.

Por que é importante defender a patente?

Para a companhia, a propriedade intelectual é o nosso DNA. Mais do que a inovação, estamos falando de uma doença que não tinha cura e passou a ter cura. Dizer que não existe inovação aqui é complicado pra gente. Então a gente vai defender sim esse ponto.

Temos uma filosofia de que precisamos tratar mais gente e que a tecnologia não pode custar mais caro. Precisamos salvar mais vidas, sabemos que o preço tem que cair e estamos abertos a uma negociação com o Ministério da Saúde.

Existe uma preocupação com lucro?

O lucro não entra na questão. Não é uma exploração. Essa relação é complicada. Os preços têm caído todos os anos em todas as negociações. O Ministério tem buscado aumentar volume e o preço vai cair naturalmente. Nós estamos reduzindo para tratar mais gente.

O Ministério deu alguma resposta sobre a oferta?

O Ministério está se movimentando por causa de uma pressão da sociedade civil, sabemos que tem 12 mil pacientes esperando tratamento. Também temos que entender que está no final de um governo e vai entrar outro, então estão querendo deixar as coisas acertadas para o ano que vem.

O ano eleitoral atrasou as negociações?

A gente lamenta a exploração política e eleitoral que teve. Não contribuiu nada, não acelerou nada, só complicou. Venham entender o que está acontecendo. Nós estamos defendendo a propriedade intelectual do sofosbuvir, que é a primeira geração, mas tem uma terceira muito mais barata e muito melhor que ninguém está falando.

A quebra de patente do sofosbuvir impacta a produção do medicamento de terceira geração?

Não consigo te dizer o que ia impactar a terceira geração. A primeira geração traz uma segurança para eles. Mas, por exemplo, nós estamos em uma Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) no Brasil. Nós temos um projeto aprovado para produzir localmente. O problema não é esse.

Agora, o Brasil é um país de inovação e quebrar uma patente do jeito que está sendo feito, acho que não é incentivador para quem faz pesquisa e desenvolvimento. E, neste caso, a tecnologia e a inovação não custam mais caro, então o argumento de que estamos afetando o patriotismo e a indústria não é verdade. Nós estamos trazendo coisas melhores e mais baratas para os brasileiros.

Mas quebrar a patente não permitiria que mais pessoas tivessem acesso ao remédio?

Não. Esse é um argumento interessante, porque falam que a patente limita acesso. Para nós, patente não é restrição de acesso, é reconhecimento de inovação. Eu estou baixando o preço com tecnologias novas para tratar mais gente.

A quebra de patente do sofosbuvir permitiria que outras empresas produzissem o novos remédios?

Essa é a nossa propriedade intelectual. Nós pesquisamos e desenvolvemos. No Brasil, nós estamos trazendo a tecnologia e abaixando o preço. Não me importo de produzir localmente. Para o Brasil, estamos dispostos a desenvolver, mas a propriedade é nossa. Quebrar a patente é afrontar um direito nosso.

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