Medicamentos: por fretes caros e regras do setor, vendas online de farmácias eram somente 1% do e-commerce brasileiro - mas saltaram para 3% durante a pandemia (iStock/Getty Images)
Carolina Riveira
Publicado em 10 de julho de 2020 às 06h00.
Última atualização em 10 de julho de 2020 às 15h57.
Quase quatro meses após o começo do isolamento social no Brasil e com as cidades ainda reabrindo aos poucos, analistas já apontam que a pandemia trouxe uma mudança de patamar sem volta ao comércio eletrônico brasileiro. Alguns setores que ainda engatinhavam nesta frente, em especial, podem sair beneficiados no longo prazo. O de farmácias foi um deles.
Serviços de farmácia online, que ainda sofriam para convencer os clientes a comprar pela internet, viram altas de mais de dois dígitos em alguns destes meses de pandemia. E têm agora o desafio de convencer alguns desses clientes a seguirem comprando pela internet nos próximos meses.
O e-commerce de produtos farmacêuticas atingiu quase 8% de participação em todas as vendas desse segmento em abril, segundo dados da Mastercard citados em relatório do banco BTG Pactual. Antes da pandemia, a média geral de participação online no varejo brasileiro era de cerca de 6% -- com projeção de que termine o ano em mais de 10% diante do crescimento do e-commerce neste ano.
O marketplace catarinense Farmácias App, que tem mais de 107.000 downloads e entregas em até quatro horas para Santa Catarina e a cidade de São Paulo, teve alta de 938% em transações em seu aplicativo na comparação com o período pré-covid neste ano. O levantamento é entre 18 de março a 25 de maio, ante o período anterior em 2020.
No site da empresa, para quem não tem o aplicativo instalado, as altas em número de usuários, receita e transações também foram superiores a 300%. A receita subiu 662% e o número de usuários, 825%.
Como no setor de supermercados, o crescimento online das farmácias aconteceu mesmo com os estabelecimentos físicos continuando abertos durante a pandemia. Com cerca de 50% ou mais da população em isolamento na maior parte do tempo, comprar online se tornou uma demanda dos clientes. Muitos consumidores idosos, por exemplo -- um dos principais públicos atendidos pelo setor --, estavam impossibilitados de sair de casa. Assim, os negócios precisaram encontrar alternativas.
A legislação também mudou no período. Compras de antibióticos, que exigem receita média, nunca foram autorizadas online. Com a pandemia, uma receita digital passou a valer, o que destravou as possibilidades do setor.
No marketplace de farmácias Consulta Remédios, de Curitiba, que tem mais de 20 milhões de usuários mensais e 100 farmácias cadastradas, os números também começaram a voltar a uma perspectiva menos exponencial em maio. No mês, o aumento foi de quase 8% tanto em tráfego do site quanto em transações de pedidos em relação ao mês anterior, abril, que teve queda de 14% após o pico no começo da pandemia.
As buscas refletem ainda parte do cenário da pandemia, como a procura por remédios relacionados a gripe, como o Tamiflu (o mais vendido do mês, com alta de 40%), e aos medicamentos que aparecem em pesquisas contra a covid-19, como a Ivermectina (o produto mais buscado, cujas buscas mais que dobraram em um mês).
Além dos apps de nicho, houve quem buscasse criar a própria loja ou vender em marketplaces menos especializados. A empresa de serviços de gestão no varejo Linx, que tem mais de 15.000 farmácias clientes, fechou durante a quarentena uma parceria para venda de itens de farmácias clientes no marketplace da B2W, dona de Americanas.com, Submarino.
Levantamento exclusivo da Linx com 9.000 farmácias feito a pedido da EXAME mostra alta de 15% nas vendas entre fevereiro e maio. Os dados da Linx incluem o varejo farmacêutico físico.
Mês a mês, os dados mostram um pico fora do comum entre fevereiro e março, com alta de 22% nas vendas. Depois, o setor foi voltando ao normal: após a alta, houve uma queda entre março e abril e, em maio, uma ligeira recuperação de 5%. O ticket médio foi de 36,32 reais na média mensal.
A empresa também criou um sistema de site e aplicativo online para as farmácias clientes, que o estabelecimento pode adaptar com seu logo e produtos e começar a vender online rapidamente. "Muitas farmácias ainda não tinham estrutura para vender online e precisaram se voltar de uma hora para outra à internet", disse Jean Klaumann, vice-presidente de digital da Linx, em entrevista à EXAME em abril.
Incluindo o e-commerce não-especializado, os itens de saúde estão entre os que mais cresceram em vendas online diante do coronavírus, subindo 135% no período entre o fim de fevereiro e maio, segundo a empresa de inteligência de mercado Compre&Confie. A procura foi alta por sobretudo por itens como álcool em gel, vitaminas e outros produtos relacionados à pandemia.
A alta nas farmácias online chamou atenção até mesmo dos fraudadores. Esse segmento foi o que mais cresceu em número de tentativas de fraude bloqueadas na pandemia, segundo a empresa anti-fraude ClearSale, líder neste mercado no Brasil. Segundo os dados da ClearSale, as tentativas de fraudes em farmácias subiram 60% em abril na comparação com o mesmo período do ano passado.
Agora, após a "corrida às farmácias" no começo da pandemia, o próximo passo do setor dependerá de o quanto os clientes da quarentena vão se fidelizar às compras online.
A Raia Drogasil, maior rede de farmácias do país, lançou um serviço de entrega grátis para clientes no mesmo bairro das unidades, visando sobretudo idosos, além de ampliação de modelos de retirada das compras online, já disponível em todas as lojas. Aos investidores, afirmou que prentende continuar investindo na digitalização.
A empresa anunciou em seu balanço do primeiro trimestre que os canais digitais cresceram 213% entre janeiro e março, chegando a 2,7% das vendas totais -- o valor chegou a 3,5% em março, último mês com dados disponíveis. O aplicativo atingiu mais de 2 milhões de downloads, ante 1,2 milhão no fim de 2019.
Até agora, a participação geral das farmácias no e-commerce era baixa. No ano passado, as vendas online de saúde representaram na casa do 1% em vendas totais do e-commerce brasileiro. Neste ano, chegaram a quase 3% em março, segundo a Compre&Confie.
O monitoramento da Compre&Confie engloba 85% do varejo online brasileiro, sem incluir o Mercado Livre. Mas o mesmo comportamento foi visto na plataforma argentina, que responde por um terço das vendas online no Brasil: até o começo de maio, os pedidos por itens de saúde e equipamentos médicos haviam subido 300% na empresa.
Os dados internos da plataforma mostram também o movimento de volta à normalidade. O pico da procura por itens de saúde ocorreu no fim de março, início da quarentena no Brasil. Depois, tanto no Brasil quanto no restante da América Latina, as taxas de procura por saúde começam a retornar aos níveis pré-pandemia.
Ainda assim, os números apontam que muitos clientes intensificaram sua frequência de compra no geral, o que pode beneficiar também as farmácias, incluindo para itens como cosméticos.
Na média de todas as categorias, os chamados compradores leais no Mercado Livre, que compravam em média a cada 17 dias, reduziram a frequência para 12 dias entre fevereiro e abril. Quem comprava a cada 79 dias, os compradores "frequentes", passaram a comprar a cada 24 dias.
Por fim, os compradores "esporádicos", que compravam uma vez a cada 268 dias em média, compraram a cada 29 dias.
Os próprios dados da Linx mostram, na outra ponta, um dos desafios do setor para o crescimento de longo prazo: mais de 60% das compras monitoradas pela empresa foram em dinheiro, isto é, usando as farmácias físicas, mesmo durante a pandemia. Os custos de frete, que podem representar uma porcentagem alta das compras mais baratas, são uma das barreiras em potencial para o setor.
O caminho é longo. Mas, com muitos clientes tendo comprado um item de farmácia online pela primeira vez nos últimos meses, as empresas no setor esperam seguir ganhando no "novo normal" -- dos pequenos aplicativos especializados aos grandes varejistas.