(Germano Lüders)
Carolina Riveira
Publicado em 18 de abril de 2019 às 17h30.
Última atualização em 18 de abril de 2019 às 18h53.
No vaivém da guerra das maquininhas leitoras de cartão, a Rede anunciou após o fechamento do mercado desta quarta-feira algo que pode se comparar com “a mãe de todas as bombas”. Lançada pelos Estados Unidos há dois anos no Afeganistão, a bomba real pesa quase 10 toneladas e provoca, além de destruição física, dano psicológico aos inimigos. A lógica é mostrar um poder de fogo tão intenso que embaralhe as respostas do adversário.
Guardadas as devidas proporções, foi o que se viu no mercado de meios de pagamento nesta quinta-feira. A Rede, do Itaú Unibanco, anunciou que não vai mais cobrar dos lojistas uma taxa para antecipar os valores a serem recebidos em pagamentos à vista no cartão de crédito. Além disso, vai passar a pagá-los em até dois dias, e não 30, como é praxe do mercado.
Ou seja, os lojistas clientes da Rede passam a poder receber mais cedo e sem pagar nada a mais por isso. Uma medida parecida já havia sido anunciada pela GetNet, do Santander, na semana passada. É um anúncio especialmente importante porque, depois que as taxas de aluguel de maquininhas foram zeradas nos últimos anos, os recebíveis passaram a ter um peso muito grande no processo de decisão de compra e no lucro das processadoras.
A destruição física já é palpável. O anúncio da Rede nesta quinta-feira fez as ações das principais concorrentes desabarem na bolsa. A PagSeguro caiu cerca de 10% e a Stone, 24% (ambas as empresas abriram capital nos Estados Unidos). No Ibovespa, a Cielo caiu 7,6%, a maior queda da bolsa paulista nesta quinta-feira.
A Rede e a GetNet têm um trunfo na mão, o que nos faz chegar aos efeitos psicológicos da bomba. As empresa não têm capital aberto, de modo que não é possível verificar o impacto das decisões no valor de mercado das empresas. Podem abrir mão de rentabilidade sem afugentar investidores e despencar na bolsa.
“Essa é uma iniciativa que atinge positivamente milhões de empreendedores e com potencial para influenciar outros movimentos no setor, especialmente porque não estamos nos referindo a uma oferta de tempo limitado”, afirmou Marcos Magalhães, diretor-presidente da Rede, em comunicado ao mercado.
Os anúncios de Rede e GetNet são mais um capítulo da guerra de preços que vêm vivendo as empresas de pagamento nos últimos anos. O pano de fundo é o acelerado crescimento dos terminais de pagamento no Brasil: o setor, historicamente dominado por Cielo (controlada por Banco do Brasil e Bradesco), Rede (Itaú) e GetNet (Santander) ganhou nos últimos anos uma enxurrada de novos concorrentes, capitaneados por PagSeguro e Stone, que abriram capital nos Estados Unidos. Mas o setor ganhou dezenas de competidores, que vão do banco Safra ao Corinthians, que lançou a fielzinha.
As ações de GetNet e Rede, ambas controladas por grandes bancos, têm por objetivo sinalizar a clientes de pequenas e médias empresas e pessoas físicas que há uma opção incontestavelmente mais barata. Quem perde, contudo, são as concorrentes, que cresceram focando neste perfil de cliente e oferecendo taxas mais baixas a eles.
A cada novo corte em taxas e preços, a tendência é que concorrentes como PagSeguro e Stone também anunciem novidades para correr atrás e não perder clientes. O problema é que essa guerra não é barata. A medida deve reduzir o lucro líquido da Rede em cerca de 30% a 40%, com impacto de 2% para o Itaú, seu controlador, segundo cálculos do banco de investimentos BTG Pactual.
As concorrentes que quiserem acompanhar o movimento para não perder clientes terão fortes perdas também: no caso da Cielo, de cerca de 20% do lucro, e de entre 45% e 50% para a Stone. “Para a PagSeguro, não achamos que os efeitos devem ser muito relevantes no curto prazo, dado o alto custo para as trocas de maquininhas. Além disso, os microempreendedores individuais não se mostram muito sensíveis ao pré-pagamento”, escreveram Eduardo Rosman e Thiago Kapulskis, analista do BTG, em relatório a clientes nesta quinta-feira.
Em relatório a clientes, a XP Investimentos afirma que a notícia da Rede é “negativa para todos os adquirentes listados, Cielo, Stone e PagSeguro, em diferentes magnitudes”. Em meio a essa guerra de preços, a XP avalia que “os grandes bancos têm espaço significativo para abrir mão de receita nesse segmento a fim de reter e atrair clientes PMEs”, o que favorece Rede e GetNet. A Cielo, apesar de controlada por Bradesco e Banco do Brasil, tem capital aberto em bolsa, o que, ao menos teoricamente, limita seu poder de resposta.
“À luz da dinâmica competitiva do setor, entendemos que haverá pouca ou nenhuma compensação positiva das empresas para esse impacto no curto prazo, como os aumentos de taxas. Reiteramos, assim, nossa postura pessimista sobre o setor”, afirma o banco Credit Suisse em relatório.
“Vejo como uma clara tentativa do Itaú de atrair e aumentar a base de clientes de pessoa jurídica usando a Rede”, diz Luis Eduardo Zogaib, especialista em pequenos negócios no Sebrae. “É uma briga dessas empresas não só pelo número de usuários, mas pelo dinheiro dos lojistas que vai para as contas correntes”. Pelo lado do lojista, Zogaib também afirma que é preciso aguardar se Itaú não vai compensar essa margem com aumento nas tarifas da conta jurídica.
Terreno minado
O crescimento do mercado das maquininhas acompanha a alta no uso de cartões no Brasil. Os brasileiros gastaram em 2018 1,55 trilhão em compras com cartões (de crédito, débito ou pré-pago), que tornou-se o meio de pagamento mais usado no Brasil, representando 41,5% das compras e à frente de cheques e dinheiro. Com novas empresas surgindo e mais clientes usando o serviço, o número de maquininhas existentes no Brasil saltou mais de 80% entre 2017 e 2018. Segundo dados da Abecs, a associação das empresas de pagamentos, o Brasil tinha em 2018 9,3 milhões de maquininhas instaladas, uma média de 44,6 maquininhas por habitante — atrás apenas de Singapura.
Segundo dados do Sebrae referentes a 2018, 46% dos pequenos negócios usam maquininha em seus estabelecimentos (ante 39% em 2016). Cerca de 37% dos empreendedores entrevistados começaram a usar as maquininhas há dois anos — sobretudo devido à maior variedade de maquininhas no setor. Ainda segundo o Sebrae, Cielo e Rede, que detinham 86% do mercado em 2016, chegaram a apenas 46% em 2018. A PagSeguro foi de 16% em 2016 para 35% no ano passado. O IPO da empresa, de 2,3 bilhões de dólares (maior IPO de uma brasileira fora do país) em janeiro de 2018, tornou-se um dos principais símbolos da ascensão do setor de pagamentos.
Uma saída para as empresas de pagamentos, segundo os analistas, é usar sua base de relacionamento com os varejistas para oferecer novos produtos e serviços. É cada vez mais comum que as maquininhas venham junto com contas digitais e possibilidade de pagamento online. A tendência pode ser de oferecer serviços mais completos.
A própria Rede, por exemplo, casa suas ofertas aos clientes que têm conta no Itaú (o que vem causando polêmica entre as concorrentes). Já a PagSeguro conseguiu em janeiro a concessão do Banco Brasileiro de Negócios. A notícia fez as ações da empresa subirem 5,41% na ocasião. Com o banco, a PagSeguro amplia os serviços oferecidos aos clientes para além da antecipação de recebíveis. Contudo, se a empresa desbravou um mercado novo em pagamentos, chega a um setor bancário povoado de concorrentes 100% digitais, como o banco Inter e a fintech Nubank, ou de grandes bancos que também miram as pequenas e médias empresas, como Bradesco, Itaú e Santander.
A Stone também planeja se posicionar como um fornecedor de serviços para pequenos e médios empresários brasileiros. Nesse caminho, deve ser concorrente direta da Linx, líder em softwares de gestão de varejo no Brasil (e que lançou recentemente a Linx Pay para pagamentos). O problema: a Linx tem apenas um quinto do valor de mercado da Stone, o que leva a dúvidas sobre o valor de mirar um mercado visto como menos valioso pelos investidores. Outra concorrente é a varejista Mercado Livre, que tenta usar seus terminais de pagamentos como porta de entrada para serviços financeiros.
O temor maior dos investidores é que, para as adquirentes, após sobreviver à guerra das maquininhas, será preciso entrar em novas e mais desafiadoras batalhas. Para Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, o consumidor ganha com a concorrência, mas as empresas ainda deverão ter novos episódios da guerra de preços a curto e médio prazo. “O Brasil ainda tem muitos desbancarizados e espaço para esses serviços de pagamento crescerem”, diz. “Mas claro que, para as empresas, cada acontecimento desse tipo compromete as margens e compromete a capacidade de alcançar as expectativas.”
Ainda há quase 59% das transações fora de cartões para conquistar. Mas já não resta dúvidas que os tempos de ouro, em que a Cielo alcançava margens de 50%, ficaram definitivamente para trás. “Guerras de preços não têm volta. A Rede abriu uma vantagem imensa e as concorrentes não podem ficar paradas”, diz Guilherme Horn, conselheiro da ABFintech. “É uma mudança estrutural”. A Cielo fechou 2018 com 28% de margem líquida, ante 35% em 2017. É daí pra menos. Bem menos.