Montadoras: empresas do mercado automotivo, incluindo fabricantes de peças, são as mais suscetíveis a enfrentar recuperação judicial, de acordo a Quist Investimentos (Germano Lüders/Exame)
Karin Salomão
Publicado em 11 de setembro de 2020 às 10h30.
A crise causada pela pandemia ainda pode ter repercussões graves nos próximos meses. Segundo especialistas ouvidos por EXAME, pode haver uma onda de pedidos de recuperação judicial e de falência nos próximos meses e até em 2021.
"As reestruturações de verdade ainda devem vir. Há muita empresa preocupada em sobreviver no momento, que pode vir a ter dificuldades", diz André Pimentel, sócio da Performa Partners, consultoria especializada em Empresas Médias e Grandes. Segundo ele, o ano de 2021 pode receber uma onda de pedidos de recuperações. "As empresas chegaram ao começo deste ano com muito otimismo, saindo de uma longa crise de 2015 a 2018", afirma.
Por enquanto, as empresas ainda tentam renegociar contratos e adiar pagamentos e se beneficiaram nos últimos meses de medidas como a redução de jornada e salário para funcionários. Por isso, as dificuldades mais sérias devem ser sentidas em alguns meses até chegar ao ponto de insolvência e ser necessário uma intervenção jurídica.
“Muitos empresários ainda estão se preparando para entrar com pedidos de recuperação judicial. Temos recebido um volume excepcionalmente grande de consultas”, diz em nota Douglas Duek, presidente da Quist, especializada em reestruturação de dívidas e assessoramento de reorganização de empresas em dificuldades.
De acordo com Renata Oliveira, sócia do escritório de advocacia Machado Meyer, o poder judiciário já está se preparando para esse momento, com abertura de novas varas destinadas a recuperações judiciais tanto em São Paulo quanto em outros estados como Rio de Janeiro. "Em São Paulo também foram destinados mais juízes especializados nesse segmento", diz ela.
O judiciário também tem investido em novos grupos e regras de mediação, afirma a advogada, para ajudar a chegar a um consenso entre as empresas e os credores e evitar um processo judiciário, que pode ser mais caro e demorado.
As companhias que, por conta da crise anterior, entraram no ano altamente endividadas devem sentir mais dificuldades para se reerguer, com liquidez baixa e sem acesso a novas linhas de crédito. Outro grupo de empresas que deve ter mais desafios são as que dependem mais fortemente de importações, como em alguns segmentos de consumo. Com a pandemia, a logística de importação foi prejudicada. Além disso, com o dólar valorizado em relação ao real os custos de importação ficam muito maiores, dizem os especialistas.
Além das dívidas e do câmbio, outro fator de risco é a localização das lojas, no caso de empresas de consumo. As lojas de rua tendem a recuperar vendas muito mais facilmente que aquelas localizadas em shopping centers. "O consumidor se sente mais à vontade na rua e o custo de uma loja no shopping é bastante alto", diz Oliveira.
Entre os diferentes setores, as empresas do mercado automotivo, incluindo fabricantes de peças e componentes, são as mais suscetíveis a enfrentar processos de recuperação judicial e falências, de acordo com levantamento feito Quist Investimentos. O setor foi o que registrou maior queda de faturamento em abril (88,5%) em universo de 10 setores analisados com base em dados do IBGE e indicadores de entidades ligadas à indústria e ao setor de serviços.
Na análise da Quist, as empresas da cadeia do setor aéreo são as segundas colocadas no ranking de probabilidade de virem a pedir recuperação judicial, com 71% de queda no faturamento em abril, setor seguido por tecidos, vestuário e calçados (-60,6%), turismo (-54,6%) e serviços de hospedagem e alimentação (-47,7%).
O levantamento da Quist vê ainda forte impacto da pandemia no setor editorial (43,4% de queda), na fabricação de produtos têxteis (-38,6%), fabricação de móveis (-36,7%), serviços para as famílias (-31,7%) e fabricação de máquinas e equipamentos (-30,8%).