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Que vias a Volks pode seguir após o escândalo das emissões

Desde que o escândalo eclodiu, a montadora alemã já perdeu muito dinheiro (e pode perder ainda mais), mas a imagem arranhada pode custar ainda mais caro


	Volkswagen: o presidente da montadora, Martin Winterkorn, renunciou em meio à polêmica
 (Andrew Harrer/Bloomberg)

Volkswagen: o presidente da montadora, Martin Winterkorn, renunciou em meio à polêmica (Andrew Harrer/Bloomberg)

Luísa Melo

Luísa Melo

Publicado em 22 de fevereiro de 2016 às 16h26.

São Paulo - Depois de ser acusada pelo governo dos Estados Unidos de ter equipado quase meio milhão de carros a diesel com um software que mascara a emissão de poluentes, a Volkswagen confirmou nesta quarta-feira (23) o pedido de renúncia de seu presidente global, Martin Winterkorn.

No entanto, desde a última sexta-feira, quando o escândalo eclodiu, a empresa perdeu muito mais do que o seu comandante – e não tem muitos caminhos por onde seguir daqui para frente.

Nos últimos três dias, por conta da polêmica, o valor de mercado da companhia despencou em 20 bilhões de euros. As quedas das ações em bolsa atingiram níveis históricos. 

Além disso, de acordo com a Agência de Proteção Ambiental norte-americana (EPA, na sigla em inglês) o desrespeito às leis pode custar à montadora 18 bilhões de dólares em multas.

"Isso terá implicações ainda maiores. Se a Volks diminui o provisionamento de lucros para pagar a multa, vai ter menos dinheiro para investir", avalia o jornalista e consultor independente Fernando Calmon.

O prejuízo financeiro é concreto – e pode crescer – mas a empresa terá ainda que sobreviver a uma perda um tanto mais difícil: a da confiança.

"A Volks é bem lucrativa e tem 25 bilhões de euros em caixa. Ela tem dinheiro, mas manter a imagem é um problema", diz Calmon.

Segundo ele, o momento não poderia ser pior para um desgaste, já que a economia da Europa, mercado em que a montadora alemã lidera, só está começando a se reerguer, enquanto a da China, outro lugar em que ela é forte, vai mal. 

O baque, avalia ele, também deve atrapalhar os planos da Volkswagen de avançar nos Estados Unidos, onde é apenas a 8ª maior vendedora de veículos novos.

"O consumidor americano é vingativo. Mas ela vende 500.000 carros por ano nos EUA e milhões na Europa. Se essa crise respingar por lá, será complicado".

Nos Estados Unidos, além da multa bilionária, a Volks pode enfrentar ainda investigações judiciais. Na União Europeia, órgãos reguladores também já disseram que vão se reunir para discutir como lidar com o caso, que deve abalar não só a economia alemã, como de todo o bloco.

Aqui no Brasil e na Coreia do Sul, novos testes devem ser feitos para checar se a fraude não ocorre em outros modelos com motores a diesel da marca. 

O caminho até aqui

Apesar de alegar que está investigando o software e que, "na grande maioria dos mecanismos, ele não tem qualquer efeito sobre consumo ou emissões", a Volks também admitiu que em cerca de 11 milhões de veículos vendidos em todo o mundo houve um "desvio notável entre os resultados dos testes e o uso em estradas reais".

As linhas Passat, Jetta, Golf e Beetle em todo o mundo foram equipadas com o software, segundo a montadora. Isso mostrou que o problema era bem maior do que se imaginava – e preocupou ainda mais o mercado e o público.

Para Calmon, é improvável que o erro nos motores tenha ocorrido por descuido ou acaso. 

"Como técnico, não acredito que o sistema tenha dado problema, que tenha sido um erro. Esse é um tipo de coisa que dá para fraudar sem ser descoberto até que haja uma denúncia", afirma. 

Segundo ele, a montadora pode ter negligenciado o controle de emissões de poluentes para impulsionar o consumo de carros de passeio movidos a diesel nos Estados Unidos. 

"Metade das vendas de todos os veículos leves vendidos na Europa tem motores a diesel, o mercado está saturado. Nos EUA, a fatia é de 3 a 4%", acredita.

Na visão dele, o mais provável é que a Volkswagen tenha "agido por puro desespero, porque ela tenta há anos convencer os americanos de que tem um 'clean diesel'".  

O especialista Corrado Capellano, da Creating Value consultoria, tem uma visão menos pessimista, mas concorda que uma falha no sistema dificilmente aconteceria. 

"A empresa é muito grande, estruturada, bem organizada. Os procedimentos são rigorosos, os recursos informáticos atualizados. Para algo dar errado, tem que haver uma interferência no sistema. E se for um problema do sistema, tem tanta gente que precisa ser conivente (para que ele ocorra) que seria esquisito", pondera.

"É um escândalo com uma deflagração tão grande e tão repentina que não se pode excluir nenhuma hipótese. Gostaria de ter um laudo técnico sobre isso. Ainda não dá para excluir a possibilidade de má fé e nem de um erro sistêmico", conclui Capellano.

Para onde correr?

De acordo com o consultor Fernando Calmon, a Volkswagen só tem dois caminhos para tentar minimizar os efeitos do escândalo.

"O primeiro é dizer que não ela não fez isso por intenção, e se provarem o contrário os Estados Unidos não vão perdoar. O segundo é admitir a culpa, pagar a indenização e lidar com o desgaste da imagem", diz. 

Ao que tudo indica, o grupo alemão está seguindo pela segunda via. Além de anunciar a renúncia do presidente, a montadora já emitiu quatro comunicados oficiais sobre o problema. 

Neles, a companhia diz que o conselho de administração leva as acusações muito a sério e que já ordenou uma investigação externa.

"Pessoalmente, sinto profundamente por termos quebrado a confiança dos consumidores e do público", disse Martin Winterkorn, em nota. O então presidente da montadora ainda divulgou um vídeo em que frisava que a empresa não compactua com a manipulação.

O nome de quem assumirá a direção da empresa ainda não foi divulgado. Porém na véspera, o jornal alemão Der Tagespiegel, que havia antecipado a demissão de Winterkorn, divulgou que ele deverá ser substituído pelo atual presidente da Porsche, Matthias Müller.

O caso "dispositivo manipulador"

A Agência de Proteção Ambiental norte-americana (EPA) acusou a Volkswagen de ter usado em motores a diesel um software que mascara a emissão de poluentes durante testes.

O "dispositivo manipulador", como foi definido pelo órgão, teria sido usado em 482.000 veículos de passeio das marcas Volks e Audi vendidos no país a partir de 2008. Ele seria capaz de reconhecer o ambiente de testes e usar os sistemas de controle de gases apenas durante esses momentos. 

Em condições normais, os veículos liberariam até 40 vezes mais partículas de óxidos de nitrogênio (NOx) do que o permitido pela lei nos Estados Unidos.

"Usar esse equipamento em carros para burlar os padrões da Lei do Ar Limpo é ilegal e ameaça à saúde pública", diz o relatório da EPA.
A exposição a óxidos de nitrogênio tem sido associada ao aumento de ataques de asma e outras doenças respiratórias.

Além disso, o ozônio, outro poluente emitido por motores a diesel, pode causar morte prematura por problemas cardiovasculares, segundo a agência.

A fraude, na verdade, foi descoberta por pesquisadores independentes da Universidade da Virginia Ocidental e da ONG Council on Clean Transportation (Conselho do Transporte Limpo, em tradução livre). 

A EPA e o Conselho dos Recursos do Ar da Califórnia (CARB na siga em inglês) pediram então explicações à Volkswagen que, enfim, admitiu que os carros continham o dispositivo manipulador.

Brasil

Procurada por EXAME.com, a Volkswagen do Brasil não comentou sobre as possíveis implicações dos efeitos da fraude no país. A subsidiária da montadora apenas reforçou o posicionamento mundial da marca.

Aqui, veículos leves não possuem motor a diesel. O único modelo da marca movido a esse tipo de combustível é a caminhonete Amarok, que não está na lista dos afetados pelo software.

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